Pesquisadora ucraniana conta sobre sua adaptação em Irati após vir para o Brasil durante a Guerra na Ucrânia

Professora pesquisadora convidada da Unicentro, Svitlana Kryvoruchko, é bolsista da Fundação Araucária, que auxilia o…

25 de fevereiro de 2023 às 21h59m

Professora pesquisadora convidada da Unicentro, Svitlana Kryvoruchko, é bolsista da Fundação Araucária, que auxilia o trabalho científico e o desenvolvimento das relações internacionais, permitindo a continuação do trabalho dos cientistas ucranianos que sofrem com a guerra/ Texto de Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub

Professor Clodogil Fabiano Ribeiros dos Santos e a pesquisadora ucraniana, Svitlana Kryvoruchko. Foto: Rodrigo Zub

A Guerra na Ucrânia completou um ano na sexta-feira, dia 24 de fevereiro. O conflito fez com que mais de 8 milhões de pessoas buscassem refúgio na Europa após a invasão da Rússia ao país, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Os países europeus se tornaram um local para buscar segurança, mas também uma rota de fuga para quem precisa fugir da guerra. O Brasil tem ajudado os ucranianos, especialmente por meio de ações humanitárias. Porém, a Fundação Araucária tem como propósito financiar o trabalho de cientistas e promover o desenvolvimento de projetos internacionais entre Brasil e Ucrânia.

Esse é o caso da professora e pesquisadora, Svitlana Kryvoruchko, que saiu da Ucrânia no ano passado e hoje trabalha como pesquisadora convidada da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), sendo bolsista da Fundação Araucária que auxilia cientistas ucranianos a continuar as suas pesquisas no país.

A Rádio Najuá conversou com a professora para conhecer como está sendo essa adaptação e como foi a saída para o Brasil. O professor Clodogil Fabiano Ribeiro dos Santos, do Departamento de Matemática, auxiliou na tradução das respostas.

Svitlana é Doutora em Ciências em Filologia, Professora e Catedrática de Literatura Estrangeira e Línguas Eslavas na Universidade Pedagógica Nacional de Kharkiv (Hryhorii Skovoroda), a qual já firmou parcerias com professores e pesquisadores da Unicentro, por meio de palestras e eventos. Em 2020, durante a pandemia, os alunos brasileiros tiveram a oportunidade de participar de seminários com a professora.

Essa relação se estreitou após a invasão em 2022, quando um grupo começou a se mobilizar para auxiliar pesquisadores ucranianos a continuarem com seus trabalhos. “Começaram a mobilização de um comitê. Envolveram a Fundação Araucária e a Fundação Araucária disponibilizou recursos para um projeto de acolhimento de pesquisadores ucranianos aqui no Brasil, para que essa situação de guerra não afetasse o trabalho científico que é um trabalho que precisa de uma continuidade, precisa de tranquilidade, precisa de condições ideais para se trabalhar. Foi por conta disso que eu repassei para ela, esse edital do projeto, coloquei para vários colegas dela, ela divulgou entre os colegas e ela, pessoalmente, disse: ‘Eu vou para o Brasil’. A partir disso, nós começamos as tratativas, para trazê-la até o Brasil”, conta o professor.

O processo durou seis meses, até que a professora começasse a viagem para o Brasil. A viagem era arriscada por causa dos bombardeios, mas em outubro, ela saiu de sua cidade para ir até a Polônia, de onde seguiria o caminho.

O trajeto era difícil. Por ser longo, havia o risco de algum ataque no caminho que estava sendo feito todo de trem. O impacto foi maior quando ela chegou na capital do país que estava deserta. “Havia um risco de sofrer algum tipo de ataque no meio do caminho. Mesmo em Kiev, a segurança não era completa. A cidade, como ela falou, chegou numa cidade sem vida. Kiev é uma cidade pujante com mais de 3 milhões de habitantes”, afirma Clodogil.

Chegando na Polônia, ela seguiu para a Itália de onde veio para o Brasil. “O percurso de Varsóvia até o Brasil foi feito por via aérea. Ela viajou de avião. Essas passagens nesse trecho aéreo foram compradas pela Fundação Araucária, foram bancadas pela Fundação e era parte do projeto. Essas passagens foram de Varsóvia a Milão e de Milão a São Paulo. De São Paulo, ela pegou um outro voo doméstico e chegou em Curitiba”, explica.

Já no Paraná, a professora foi abrigada por colegas brasileiros que abriram as portas de suas casas para recebê-la. Primeiro, ela morou em Ponta Grossa e depois veio para Irati, onde ficou na residência de uma coordenadora de um dos cursos da Unicentro até encontrar uma casa própria.

Agora que já está na cidade, a professora conta que tem visto diferenças entre a cultura brasileira e ucraniana. O choque cultural trouxe estranhezas, mas a acolhida da população ajudou no processo de adaptação. “Ela percebeu aqui no Brasil uma cultura diferente porque ela já tinha uma ideia de culturas europeias. Como eu falei, ela já tem algumas experiências internacionais na Europa, mas na América, tudo é diferente. Ela falou que conheceu pessoas maravilhosas e que ela pode dizer que entrou mentalmente na atmosfera”, explica.

Uma das situações que causou estranheza está ligada à arquitetura. No país de origem, a arquitetura dos prédios é antiga. Já no Brasil, os prédios são mais modernos. “Uma das coisas também que ela fala que teve dificuldade de aceitar foi a arquitetura que tudo é muito diferente. São coisas que a pessoa estranha bastante porque na Europa tem aquela arquitetura histórica. É como você colocar uma pessoa num ambiente em que não é nada familiar, a pessoa fica um pouco perdida. Mas com um pouco de boa vontade, ela foi tentando entender a profundidade da ideia que estava embutida. Ela é muito atenta a essas questões da arquitetura porque, como arte, a arquitetura expressa muito do povo e algumas coisas aqui são, de certa maneira muito simples, não há uma expressão”, disse.

A forma como as ruas são pavimentadas também chamou a atenção. “A pavimentação das ruas na Europa, usavam aquelas pedras antigas. Ela mencionou o termo mármore, mas seriam aqueles blocos, de paralelepípedo. Nas ruas mais antigas, ainda existem. Curitiba, por exemplo, tem a parte do Centro Histórico lá que é preservada. Todas as cidades na Europa que tem essa pavimentação, eles procuram preservar daquela maneira porque é uma coisa histórica, mas aqui no Brasil, por uma conveniência, prática, eles metem asfalto em cima. Até por uma questão da própria população. ‘Ah essa rua está fazendo muito barulho’, ‘Nós queremos asfalto’. Isso choca um pouco, essa percepção histórica e cultural que ela tem”, conta.

A diferença nas igrejas também trouxe estranheza. O costume cultural nas igrejas brasileiras, especialmente em relação à música, foi uma das surpresas. “Tem poucas igrejas que são de antigas e preservadas, mas em Curitiba, ela viu uma igreja católica do século XVII, na região central. Ela criou uma expectativa de entrar naquela igreja e entrar numa atmosfera celestial, uma coisa típica de igreja que se encontra na Europa. Ela, surpreendentemente, ouviu música Jazz sendo executada dentro da igreja. Isso deu um certo estranhamento de não ter visto uma coisa dessas numa igreja na Europa”, afirmou.

A diferença cultural também se estendeu para o teatro. Quando ainda estava em Curitiba, a professora visitou o Teatro Guaíra. Lá, pode perceber que o teatro brasileiro é diferente do que o ucraniano, que ainda traz uma formalidade. “A diferença que ela percebeu é que o teatro aqui no Brasil tem uma abertura maior para essa informalidade, para essa leveza, para essa tropicalidade”, disse.

A professora destaca que essas diferenças não são ruins, mas um diferencial da cultura brasileira. “Ela não compara isso de maneira que seja melhor lá ou cá. Ela diz que é diferente. É algo que ficou admirada com essa leveza, com essa característica com o teatro dentro do Brasil e ela considera isso uma riqueza dentro da cultura mundial”, relatou.

Ainda sobre o cotidiano, Svitlana conta que percebeu que os brasileiros valorizam muito as relações familiares. “Ela sente que a família aqui é uma instituição muito forte. Ela viu a atitude gentil de mães com os filhos, a atitude gentil dos maridos com suas esposas e isso ela achou muito bonito, muito tocante”, conta.

Outra percepção foi em relação ao Brasil não ser um país tão patriarcal como imaginava. “Uma outra percepção dela é que há uma crença de que o Brasil é um país eminentemente patriarcal, mas as pessoas com quem ela conversou, especialmente os homens têm demonstrado um sentimento mais feminista, no ponto de vista de sensibilidade, de coisas que não que foge à essa regra do patriarcalismo. Ela fica impressionada que os homens brasileiros sejam esses homens modernos e como essas famílias se adaptam a essa modernidade”.

O desafio agora está em aprender a língua portuguesa. A professora trabalha com o estudo da linguagem em fontes históricas escritas, como literatura, história e linguística, e por isso, procura dar uma atenção maior à estrutura da língua portuguesa. “Ela como filóloga, ela tem essa atenção especial para morfologia, para sintaxe, para ortografia. Ela tem um olhar mais técnico para a língua. Ela busca essas bases. Ela fala que tentou sentir essas regras, estando nesse espaço, sentindo na própria pele como é estar num espaço onde se fala predominantemente português”, explica.

Essa atenção maior tem trazido um desafio para aprender a segunda língua. “Aprender qualquer outro idioma que não seja o nosso idioma nativo, é difícil, é uma tarefa difícil. O não nativo precisa de um trabalho intelectual para poder se comunicar. Por isso, que o que ela está fazendo nesse momento é um procedimento de imersão. Mas isso leva um bom tempo”, disse.

Até o momento, Svitlana tem aprendido palavras básicas de cumprimento que auxiliam no dia a dia. Mas o desafio maior é não cometer erros. “Ela como filóloga, ela tem um cuidado especial. Ela procura tentar não cometer erros porque é uma visão dela como acadêmica, como especialista na área. Isso talvez seja um obstáculo, mas ao mesmo tempo, ela está se esforçando para tentar adquirir essa linguagem do dia a dia”, explica.

A pouco mais de três meses em Irati, Svitlana permanece tendo contato com os familiares. Felizmente, ela não teve nenhuma perda familiar, mas estudantes da universidade acabaram morrendo durante a guerra. As conversas com familiares, amigos e colegas auxiliam a manter-se informada sobre a situação de todos.
A professora conta que as facilidades tecnológicas auxiliam o contato e ajudam a matar um pouco da saudade, mas ainda não substituem o contato pessoal. “Ela tem um contato todos os dias com a família. Ela tem os pais, o irmão, a família dele, a esposa dele, filhos e ela tem duas filhas adultas que ela fala com elas todos os dias. Ela fica tranquila por hoje ter tantas possibilidades tecnológicas, de você fazer uma videochamada porque antigamente era muito difícil você ligar de um país para o outro. Hoje em dia é a coisa mais fácil, por WhatsApp, faz uma videochamada, as pessoas mostram como que estão, você vê a pessoa. Isso tranquiliza, mas não é o mesmo que estar ali, abraçar a pessoa, mas é melhor do que nada”, conta.

Svitlana também mantém contato com colegas e amigos por meio da internet. “Além da família, ela conversa bastante com os colegas que trabalham na universidade na Ucrânia. Também ela tem um grande círculo de amizades, que ela troca algumas mensagens com eles e conversam. Isso tem trazido certa tranquilidade para ela”, disse.

O projeto realizado com o auxílio da Fundação Araucária tem duração de dois anos, sendo que a professora deve permanecer, no mínimo, um ano no país. No entanto, Svitlana tem o desejo de poder visitar os familiares, mesmo com o país em guerra. “Isso só vai ser possível se, por exemplo, se a Fundação Araucária bancar o bilhete de passagem para ela ir visitar a família no período de férias e depois, ela retorna para prosseguir o projeto aqui”, conta.

Para o futuro, a professora conta que quer voltar ao país para ajudá-lo a reconstruir. “Hoje na Ucrânia tem uma grande pobreza. Além de toda essa questão da guerra, existe uma falta de recursos, uma série de problemas que isso impacta. Mas como ela falou, ela é ucraniana. A ideia é retornar para o país porque há uma necessidade grande de especialistas, de pessoas da inteligência, da Academia, para o processo de reconstrução do país depois que passar essa situação de guerra”, explica.

Enquanto isso não ocorre, Svitlana segue como professora convidada na Unicentro, auxiliando na colaboração entre as universidades. “Como ela agora está trabalhando no Brasil, a ideia dela é trabalhar com essas relações internacionais entre as universidades. Ela está aqui por ser ucraniana. Essa é a grande cereja do bolo de todo esse processo. Estreitar essas relações internacionais, esse é o grande objetivo desse projeto”, conta.

Para o professor Clodogil Fabiano Ribeiro dos Santos, poder auxiliar os pesquisadores ucranianos em continuar com suas pesquisas é algo muito positivo. “Foi um processo muito gratificante de vermos. É muito bom quando temos um projeto que tem êxito, uma coisa que dá certo depois de muito esforço. Foi despendido um esforço tremendo para trazermos”, explica.

Clodogil ainda revelou que o projeto contará com um projeto para a comunidade. “Nós estamos planejando eventos, sessões físicas, para envolver a comunidade e, especialmente, fortalecer esse laço dessa diáspora ucraniana da região com a pátria-mãe que hoje está lá combalida por conta de uma agressão, que é uma coisa aterrorizante e impensável, mas que talvez com isso eles possam até contribuir para um processo de preservação, não com essa Ucrânia idealizada e romantizada, mas o contato com essa Ucrânia real, essa Ucrânia que tem pesquisadores do calibre da professora Svitlana porque tem uma indústria forte, que tem excelentes universidades, universidades que não tem custo, que os estudantes têm moradia e alimentação custeadas, que são um exemplo para nós. Nós olhamos para eles como um irmão mais velho”, conta.

Nas próximas duas reportagens conheceremos mais sobre as diferenças culturais entre os descendentes da Ucrânia e o país de origem, além de conhecer mais sobre o projeto realizado pela professora na Unicentro.

Professor Clodogil Fabiano Ribeiros dos Santos e a pesquisadora ucraniana, Svitlana Kryvoruchko. Foto: Rodrigo Zub
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