Quase cinco meses depois, a realização da 14ª Jornada de Agroecologia ainda repercute em Irati. Os vereadores da Câmara Municipal questionam a aplicação de recursos municipais no evento, que era orçado em R$ 1,44 milhão, dos quais o município subsidiaria em torno de 20% – R$ 300 mil, segundo o projeto de lei 57/2015, do Executivo, que acabou aprovado pela Câmara, por oito votos a dois.
Os votos contrários a realização da Jornada de Agroecologia foram de Emiliano Gomes (PSD), da Comissão de Finanças e Orçamento, e Rafael Felipe Lucas (PSB), que na ocasião criticou a pressa com que a propositura foi remetida para votação – em sessão extraordinária – sendo que o evento já era anunciado desde fevereiro.
Entre os vereadores que votaram favoráveis, alguns como o presidente Vilson Menon (PMDB) e José Renato Kffuri (PDT) admitiram que dariam um “voto de confiança”, pela relevância do evento no âmbito estadual e por ser um evento voltado à agricultura familiar. Ainda na votação, ambos cobraram, no entanto, que houvesse uma prestação de contas minuciosa sobre a realização do evento. A contrapartida municipal, conforme se anunciava, seria coberta por uma emenda parlamentar do deputado federal Assis do Couto (PT-PR), no valor de R$ 267 mil, mais um patrocínio da Caixa de R$ 50 mil. O restante seria custeado pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e ACAP (Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná).
Rafael pediu explicações e ainda não obteve respostas, mas alega que a Caixa não teria patrocinado o evento. “Começamos a questionar se era a hora de gastar num evento orçado em mais de R$ 1 milhão; se era a hora de gastar dinheiro da Prefeitura com um evento que ia contemplar, em sua grande maioria, 95%, pessoas de longe de Irati, da nossa região”, sugere o vereador.
Segundo o vereador, a prestação de contas enviada à Câmara não é tão detalhada quanto deveria e, mesmo assim, dá noções de que os gastos não cumprem o acordo pré-estabelecido, “que é, principalmente, o fato de não haver gasto direto da Prefeitura e de ser custeado por uma emenda parlamentar. E isso não aconteceu. Nenhuma emenda parlamentar custeou esse evento”, acusa.
A prestação de contas indica que emendas parlamentares serão destinadas a Irati no futuro. Porém, Rafael diz que essas emendas não seriam necessariamente destinadas a cobrir despesas da Jornada de Agroecologia.
O documento aponta, também, que o município aplicou, ao todo, R$ 298,5 mil na realização do evento. Na visão do vereador, é um custo alto para um evento de três dias que recebeu público de outros municípios, ainda mais num ano em que as administrações municipal, estadual e federal enfrentam contenções de despesas em meio à propagada crise econômica. “Mais de 95% dos participantes eram de fora, sendo que a grande maioria é já afiliada ao Movimento Sem Terra (MST), que já é organizado e tem parcerias com a União para receber dinheiro, tem organização própria e seu próprio sistema de custeio. O entendimento na Câmara é a de que não era a hora de gastar tanto dinheiro, R$ 300 mil, que é muito mais do que a Prefeitura investe em outras coisas, como segurança, e até mesmo em temas voltados à agricultura, para um evento de apenas quatro dias”, opina Rafael.
O vereador sugere – baseado na metodologia aplicada pela Prefeitura na prestação de contas – que o município tenha gasto até mais do que alega. “Durante esse evento, secretários, comissionados e funcionários da Prefeitura têm que dedicar sua vida e seu tempo a serviço da realização do evento e essas situações acabam não sendo contabilizadas. Pequenos reparos no CT [Willy Laars], que foi o local do evento, não entram nessa conta”, argumenta.
Confira a entrevista com o vereador Rafael Lucas
Gastos com locação de ônibus, publicidade e compra de mochilas
Um dos gastos que Rafael classifica como “muito altos para coisas efêmeras” diz respeito à locação de ônibus: R$ 103 mil. A Câmara refez o pedido de informações à Prefeitura, pedindo que explique onde foram buscar os participantes do evento e qual trajeto foi percorrido pelos ônibus. “Foram R$ 103 mil gastos em ônibus. É muita coisa para trazer gente de fora. Vemos organizações do município, como grupos de dança, de folclore, de esportes, tendo que muitas vezes se humilhar para conseguir R$ 3 mil ou R$ 5 mil para participar de um evento fora”, compara.
Outro gasto questionado é o de R$ 47 mil para a confecção de mochilas entregues aos participantes do evento e o de R$ 31,7 mil com gráficas. Rafael compara esse investimento com o repasse anual feito à Guarda Mirim de Irati, de R$ 25 mil. “Também foi gasto um alto valor em publicidade. Sabemos que o poder público precisa utilizar canais de publicidade. Mas para isso precisa de critério. Podemos gastar R$ 17 mil de publicidade, contanto que sejam campanhas informativas, comunicados importantes para a população”, defende.
“As pessoas acabaram pagando por um evento de caráter ideológico. Boa parte dele é ideológico e um pedacinho dele não é, são agricultores familiares de verdade, interessados em agricultura familiar. Mas a maior parte dele tem uma visão específica e discute os modos de vida diferente do que a maior parte da agricultura defende hoje”, analisa o vereador.
De toda forma, Rafael Felipe Lucas, ainda que discorde da necessidade de a Prefeitura investir esse montante na 14ª Jornada da Agroecologia, assume que não há nenhum indício de desvio. “A Câmara não tem como punir ninguém. A Câmara faz a fiscalização. Estamos fazendo um relatório, para o qual ainda dependemos de algumas informações. O máximo que podemos fazer é encaminhar relatórios para os órgãos públicos sobre o assunto”, comenta.
Vereador questiona aplicabilidade das oficinas
Conforme o vereador, a Câmara investiga a aplicação de recursos em oficinas técnicas ministradas durante o evento e quantas pessoas participaram delas. “A informação que temos é a de que foram realizadas mais de 50 oficinas. Por exemplo, é complicado para o município de Irati, nesse momento, investir dinheiro para que sejam realizados oficinas e cursos sobre absorventes ecológicos. É uma situação que entendemos que poderia ser utilizada em outro momento, em outro contexto, em outro tema até”, avalia.
Rafael Felipe Lucas diz, ainda, que tem sido confrontado na pela liderança do governo na Câmara, o vereador Alceu Hreciuk (PT), por ter constantemente cobrado do Executivo que, se há a necessidade de conter despesas, defina prioridades de investimento.