As iratienses Monique Marques Pires e Eduarda Barbosa e a moradora de Curitiba, Rhaissa Sizenando da Silva Claro, acompanharam jogos de Athletico e Coritiba, que não tiveram presença de público masculino após punições impostas pelo TJD/PR em função de brigas envolvendo as duas torcidas em 2022/Texto de Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub
Uma punição imposta às equipes do Athletico/PR e Coritiba se transformou em um momento histórico para o futebol brasileiro. Três partidas do Campeonato Paranaense deste ano tiveram somente a presença de mulheres e crianças nos estádios. Isso foi resultado das punições que os dois times da capital sofreram por causa de atos de violência entre torcedores ocorridos no estadual de 2022.
No caso do Athletico, por causa de brigas de torcedores em jogos contra o rival Coritiba e o Maringá, a equipe teve que jogar duas partidas no Campeonato Paranaense deste ano sem público. Já o Coritiba recebeu a punição de um jogo sem torcida em função da mesma briga contra torcedores do Furacão em 2022.
Porém, alguns dias antes de começar o campeonato, os clubes conseguiram reverter essa punição no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD/PR). Com isso, foi liberada a presença somente de mulheres e crianças até 12 anos nos estádios desde que fossem arrecadados alimentos.
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Com um público de pouco mais de 8 mil torcedoras, o Coritiba cumpriu a punição na partida da primeira rodada contra o Aruko, no dia 15 de janeiro, no estádio Couto Pereira. O Coritiba venceu por 1 a 0.
Já nos jogos do Athletico, o público ultrapassou a marca de 30 mil pessoas na Arena da Baixada. No dia 21 de janeiro, o time rubro-negro ganhou do Maringá, por 1 a 0, na terceira rodada, reunindo 32 mil espectadores entre crianças e mulheres. O segundo jogo teve um público ainda maior. No dia 25 de janeiro, o Athletico venceu o Foz do Iguaçu, por 3 a 1, diante de um público de 37 mil pessoas.
Para as torcedoras, o momento foi único e representativo. A cirurgiã dentista, Monique Marques Pires, de 23 anos, que é natural de Irati, é torcedora do Coxa e conta que o mais surpreendente foi ouvir a voz feminina nos estádios. “Fomos no caminho sabendo que ia ser diferente, que não teria presença de homens. Mas não imaginávamos que ia ser tão absurda a experiência. Eu fiquei em êxtase. Escutar a voz feminina sobressair num estádio. Quando você está em um jogo normal – eu que frequento, vou praticamente todos os jogos – é normal sobressair o tom masculino, a voz masculina, por mais que tenha várias mulheres, que cantemos junto, não sobressai. Nós não nos escutamos e nesse domingo, escutar as músicas da organizada, escutar as músicas do time, escutar gritando, pedindo falta, reclamando, fazendo de tudo o que faz em um estádio durante uma partida e escutando um tom feminino, um barulho diferente. Eu me arrepio. Só de estar falando, só de estar lembrando dessa sensação”, conta.
A emoção de estar nas arquibancadas com outras mulheres também foi sentida pela jornalista Rhaissa Sizenando da Silva Claro, 30 anos, que é torcedora do Athletico. “32 mil mulheres, 32 mil vozes de mulheres e crianças gritando pelo time [no jogo contra o Maringá]. Mostrando que temos espaço, que a mulher tem espaço no futebol. Isso é uma conquista para mostrar que podemos estar onde quisermos. Essa frase pode ser muito clichê, em alguns momentos, mas é a verdade. Podemos estar na arquibancada. Podemos estar dentro do campo. Foi muito emocionante ver aquele caldeirão ferver, foi pulsante, a arquibancada vibrava. Foi muito emocionante”, disse Rhaissa, que acompanhou os dois jogos do Furacão sem a presença de homens nas arquibancadas.
Dentro do estádio, a emoção se estendeu para outras mulheres que não costumam acompanhar as partidas. Rhaissa foi acompanhada de amigas que não eram sócias do clube, mas compartilharam o sentimento entre todas. “Para elas também estar ali, naquele ponto foi bem emocionante, de vê-las emocionadas por estarem no campo que não é uma oportunidade que elas têm sempre”, detalha.
São-paulina, a cantora iratiense, Eduarda Barbosa, também esteve no jogo do Athletico contra o Foz e sentiu a importância do momento para as mulheres que acompanham futebol. “Foi incrível. Uma sensação única, maravilhosa, ver toda mulherada e todas as crianças vibrando para o time sair vencedor. Saímos com uma vitória, de 3 a 1. Foi incrível. Eu confesso para vocês que eu não sou athleticana, eu sou são-paulina, mas eu estava torcendo e vibrando muito para o time sair com a vitória. Foi lindo de ver esse movimento, toda mulherada reunida, a mulherada realmente representou”, conta.
Para Rhaissa, ainda é preciso avançar mais sobre a participação de mulheres nos estádios, mas o episódio ajudou a fortalecer a representatividade feminina. “Essa punição veio para mostrar que também podemos estar ali, que queremos ir para o estádio com todo o mundo e que só queremos ser respeitadas, que também merecemos estar porque ele também é um lugar nosso”, disse.
Um dos temas a serem mais debatidos é o assédio. “Muitas vezes ficamos um pouco recuadas, por exemplo, até com o jeito que você vai no estádio. Infelizmente, a questão de assédio acontece muito. Em questão a isso, nós temos a torcida organizada, que eu falo com propriedade do Coritiba, porque é o time que eu acompanho, eu vou no estádio, mas a Império, que é a torcida organizada do Coritiba, sempre está apoiando as mulheres e falando que qualquer assédio, qualquer coisa que aconteça, é para denunciar, é para ir atrás deles, que eles vão tomar atitude. Repudiam qualquer coisa do tipo, então que continue assim, que tenhamos cada vez mais força, cada vez mais voz”, conta Monique.
As partidas também foram momentos para as mulheres mostrarem que violência não combina com estádio de futebol. “As pessoas precisam entender que estádio de futebol não é um campo de guerra. As pessoas estão ali para torcer, cada um torce para o time que quer. Acho que respeito, empatia e todas essas coisas são fundamentais em todos os âmbitos”, explica Rhaissa.
Torcedoras desde pequenas: A paixão pelo futebol começou logo na infância das torcedoras. Monique conta que foi influenciada por seu pai, Arylton Pires, que saía de Irati para levá-la aos jogos em Curitiba. “Sempre meu pai levava, quando podia, eu e meu irmão, quando os jogos eram nos finais de semana, que podíamos, tinha disponibilidade de viajar, ir para Curitiba, meu pai deixar o trabalho para acompanharmos algum jogo. Quando era fim de semana, nós, nós acompanhávamos o time. Meu pai sempre me levou desde pequena, eu e meu irmão juntos. Vem de berço. A minha tia também me apoia muito, sempre me levou também, quando ela podia me levava no estádio. Sempre estamos presentes por lá”, conta a torcedora do Coritiba.
Hoje, Monique se tornou sócia. “Em 2018, que eu me mudei para Curitiba, eu fiz o meu sócio porque antes eu não tinha feito porque não era todos os jogos que eu podia ir. Depois que eu me mudei para Curitiba, que todo jogo ia, tinha possibilidade porque eu já estava na cidade, eu fiz o meu sócio e desde então, nunca mais deixei de ir”, explica.
Jogos marcantes: Quatro jogos foram marcantes na história de Monique com o Coxa. O primeiro foi em 2011. “Estávamos nas quartas de finais da Copa do Brasil contra o Palmeiras. Aquele Couto Pereira lotado à noite e fizemos uma goleada histórica, 6 a 0, no Palmeiras. Um gol atrás do outro. Foi muito marcante para mim porque eu tinha 12 anos de idade, mas era aquela euforia, de todo mundo estar gritando. Pela idade, eu não entendia de futebol como entendo hoje, mas aquela emoção de ver todo mundo gritando gol um atrás do outro, seis gols. Saí sem voz daquele estádio. Foi muito emocionante’, conta.
O segundo foi em 2014, na despedida de Alex, que foi ídolo do Coritiba. “Ele foi um ídolo, um craque. Em 2014, ele se aposentou. Voltou ao Coritiba e se aposentou em 2014. Foi contra o Bahia, 3 a 2, foi de virada e o Alex não fez gol, mas eu lembro que ele foi substituído no finalzinho do jogo e eu estava presente, 15 anos, já entendia de futebol. Foi uma emoção que ele foi substituído e a hora que ele saiu das quatro linhas, o estádio inteiro viu ele se abraçando com a família dele que estava na beira do gramado. Ele chorava muito, nós chorávamos. Uma emoção enorme, um ídolo deixando os gramados e foi assim muito emocionante pela despedida dele”, disse.
O terceiro jogo marcante para Monique foi antes da pandemia, em 2019. Após um ano complicado em 2018, o Coritiba garantiu o acesso à série A do Brasileirão vencendo o Bragantino. “Conseguimos o acesso em um jogo contra o Bragantino, que teve lá no Couto Pereira. Também estava presente. Um gol do Giovani, que era o nosso camisa 10, na época, de falta, um gol lindo. Aquele Couto, estávamos na garganta para gritar gol e não vinha esse gol. Não vinha esse gol, o time jogando bem. Aquele estádio lotado. A torcida inteira empurrando o time e não vinha esse gol. Estávamos com aquela sensação de todo mundo começar a ficar desesperado, nervoso, triste e misturava essa sensação, cada rostinho que você olhava na arquibancada estava com a mesma sensação que a sua. Quando Giovani estourou aquela bola que balançou as redes, a atmosfera do Couto Pereira, os gritos todo mundo se aliviando e chorando, foi muito marcante também”, conta.
O último jogo marcante aconteceu no ano passado, após a pandemia. “Em 2022, contra o Fluminense. Não foi nenhum jogo importante, uma decisão, alguma coisa do tipo, estava no começo do Brasileirão, mas contra o Fluminense. Foi um jogo de virada também. Ganhamos de 3 a 2 e não teve nada muito especial, mas foi um dia que me marcou bastante a sensação de estar lá, principalmente que, de todos esses jogos que eu comentei, foi o jogo que eu estava presente, mas entendia de futebol, estava dentro de tudo que estava acontecendo. Foi muito incrível”, destaca.
Para Rhaíssa, o futebol faz parte de sua rotina desde criança. Foi seu pai que também a levou ao estádio, em 2000, numa partida entre Athletico e Prudentópolis. Mas diferente de Monique, Rhaíssa ficou um tempo sem ir nos estádios porque seu pai não gostava de acompanhar as partidas nos campos. Assim, ela passou a frequentar os estádios com mais regularidade a partir de 2016. “O Atlético nos escolhe. Eu venho de uma família materna toda Coxa Branca. Os meus primos, os meus tios, são todos Coxas e a minha mãe casou com um atleticano. Quem me fez athleticana foi meu pai. Apesar de ele não gostar de ir ao campo, ele sempre me impulsionou, sempre me mostrou Athletico. A primeira vez que eu fui ao estádio foi com ele e ali o Athletico me escolheu”, conta.
As finais sempre foram marcantes para Rhaissa. “Nós fomos para a final da Sula [Sul-Americana], foi incrível. Foi um dos jogos mais eletrizantes que eu já vivi na minha vida [o Athletico foi campeão nos pênaltis após empatar no tempo normal e na prorrogação contra o Junior Barranquilla, da Colômbia]. A final da Copa do Brasil no Beira-Rio [estádio do Internacional, em Porto Alegre/RS, foi surreal. A sireneta nunca será esquecida. Mas eu acho que o jogo mais marcante para mim foi a semifinal da Copa do Brasil contra o Grêmio, aqui. Tínhamos tomado 2 a 0 lá e o gol do Nikão fez aquela baixada vir abaixo. A remontada não tem como explicar, aquilo foi surreal. Acho que foi o jogo mais emocionante que eu já vivi na minha vida, foi o jogo contra o Grêmio [partida realizada em 2019. O Athletico venceu por 2 a 0 no tempo normal e depois eliminou o adversário nos pênaltis]”, disse.