Setembro Amarelo traz a importância da prevenção ao suicídio

Professor de psicanalise da Uniguairacá, de Guarapuava, conta como a sociedade pode ajudar na prevenção…

16 de setembro de 2021 às 21h35m

Professor de psicanalise da Uniguairacá, de Guarapuava, conta como a sociedade pode ajudar na prevenção ao suicídio/Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub e Paulo Sava

Professor Eduardo Nogueira da Uniguairacá repassou orientações de como se comportar com pessoas com pensamentos suicidas durante entrevista à Najuá. Foto: Divulgação

O Brasil registra 10 mil mortes por ano decorrente do suicídio. Os dados são da Campanha Setembro Amarelo que objetiva chamar atenção para a prevenção do suicídio. A campanha é organizada desde 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Centro de Valorização à Vida (CVV).

Um estudo da Universidade Estadual de Campinas/SC (Unicamp) do ano passado mostrou que que 17% dos brasileiros, em algum momento, chegaram a pensar em suicídio. Destes, 4,8% chegaram a elaborar um plano para executar a ação.

A causas que levam as pessoas a pensar em suicídio é tema de diversas pesquisas. Mas o professor de Psicologia da Uniguairacá, de Guarapuava, Eduardo Nogueira, alerta que não é possível generalizar essas causas. “Pessoas em situação de desemprego tendem a ter mais ideações suicidas, pensar mais nisso. Isso não quer dizer que todo mundo que esteja nesta situação, vá reagir dessa forma. Eu falo isso para tomarmos o cuidado de não generalizar”, destaca o professor que também é membro do Berggasse 19, espaço de psicanálise.

Ele explica que transtornos mentais podem ser associados como causas para pessoas que pensam em cometer o ato. “Existem esses estudos que vão associar, por exemplo, à transtornos mentais intensos. Então, uma pessoa em uma depressão intensa. Estados ansiosos muito graves. Pessoas que passaram por situações potencialmente traumáticas, por exemplo, perda de membros. Um acidente e a pessoa perdeu algum membro, teve alguma mudança na imagem corporal. Até situações socioeconômicas, por exemplo, a perda do emprego”, conta.

O professor destaca que se olharmos o suicídio de forma isolada, há pouco significado no ato, mas se observamos um cenário maior, o assunto é mais profundo. “Ele está ligado ao modo como construímos a vida. Do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, do ponto de vista afetivo, a gente diz que ele é multifatorial por causa disso. Com pessoas, com alguma patologia muito grave, de repente um câncer muito avançado, tendem ou tenderiam a ter mais pensamentos. Isso não quer dizer que todo mundo vá, nesta situação, vá responder desse jeito”, disse.

Eduardo destaca que o suicídio ou uma tentativa de suicídio está relacionada ao sofrimento. Por isso é importante não menosprezar o sofrimento de uma pessoa. “Aquela coisa que vemos no dia a dia, algumas frases do senso comum, bastante cruéis, inclusive. ‘Ah, uma depressão é coisa de vagabundo’. ‘É fingimento’. A gente escuta o outro dizendo: ‘É falta de uma pia de louça’. São bastante cruéis porque a pessoa que, por ventura, está num quadro depressivo muito grande, ela efetivamente está sofrendo. É uma tristeza muito grande, tem uma falta de energia que são bastante relevantes”, explica.

O professor conta que a pessoa pode apresentar diversos sinais, como ficar muito retraída ou evitar o contato com a sociedade. O abuso de álcool e drogas também pode ser um sinal. “Quando você percebe que a pessoa está fazendo um consumo muito abusivo é algo a se preocupar. Se a pessoa está muito irritada, muito pessimista, parece que nada está dando certo na vida dela”, afirma.

A conversa pode ser uma maneira de ajudar a pessoa que passa por esse momento da vida. Incluindo, conversar se há pensamentos ligados a suicídio. “Se eu vejo alguém, por acaso, sofrendo muito, a gente fala assim: ‘Eu não posso perguntar para ela se ela pensa nisso porque senão eu vou dar ideia’. Não. Não dá ideia. Óbvio que não precisa ficar falando de suicídio toda hora. Mas quando você percebe que a pessoa não está bem, eu posso perguntar”, comentou.

Segundo o professor, essa é uma maneira de conseguir se conectar com a pessoa. “Eu imagino que estes sinais servem para que a gente comece a se conectar mais às pessoas e conseguir perceber e se doar um pouco quando perceber que elas estão em sofrimento”, disse.

Apesar disso, os sinais podem passar desapercebidos para pessoas próximas. De acordo com Eduardo, é preciso ter cuidado quando acontece isso para que essas pessoas também não sejam vitimizadas. “Mas para o leigo, para a pessoa que não trabalha com isso, às vezes, não percebe. Escutar isso pode ser muito cruel com as pessoas. ‘Eu poderia ter evitado se tivesse feito tal coisa’. Isso pode ser muito ruim porque nem sempre é possível evitar. Essa culpabilização é um risco desnecessário”, avalia.

O professor da Uniguairacá também relata que muitos possuem a crença de que a religiosidade pode ajudar quem tem pensamentos suicidas. A religião e a espiritualidade podem ajudar pessoas em momentos difíceis, mas pode não servir para todos os casos. Para Eduardo, impor isso à uma pessoa em sofrimento pode ser um problema. “Nós acharmos que impor isso à pessoa vai resolver. Eu acho que não porque nós temos uma pluralidade de crenças e religiões no Brasil muito rica. Cada um pouco que vai descobrindo e se encontrando com a sua espiritualidade, com a sua religiosidade. Muitas vezes corre o risco de tentar impor isso às pessoas. Acho que a imposição não vai resolver o problema”, afirma.

Eduardo destaca que as pessoas podem mudar a forma com que abordam o tema para quem está em sofrimento. “Isso daí é falta de Deus. Não. Não se trata disso. No lugar de impor, pode-se convidar. É diferente. Ao invés de você dizer: ‘Olha você está assim porque você não vai lá comigo’. Você pode dizer: ‘Olha, fulano, eu sei que você não está ultimamente tão afim de ir lá na igreja, no culto – seja lá o que for – comigo. Mas se vocês fosse e visse se te faz bem ou se não te faz?’”, explica.

Contudo, o professor destaca que a pessoa que for fazer o convite precisa estar ciente que a experiência pode não ser tão boa quanto imagina. “Se não fizer bem tem que assumir que existe essa possibilidade. Pode ser que eu descubra a saída da minha tristeza no esporte. Pode ser. Pode ser que eu encontre na religião. Cada um vai ter que traçar esse caminho”, disse.

A região Sul é o local onde há mais registros de suicídios no País. Geralmente, são homens, adultos entre 30 e 40 anos. Entretanto, Eduardo destaca que há um numero crescente de casos com pessoas jovens e adolescentes, o que traz um alerta para a sociedade. “Quando a gente pensa que os jovens, que estão na adolescência, tem a vida inteira pela frente, estão pensando, estão sendo invadidos mais por esses pensamentos, é da gente pensar que tipo de sociedade estamos construindo. Que tipo de valores, não sendo moral, mas essa ideia da imagem ou da perfeição, da performance, da resposta ou de uma certa normalidade. O quanto que isso tem deixado os jovens um pouco na mão, no sentido, de que parece que não encontram saídas subjetivas para lidar com seus problemas”, destaca.

O professor explica que duas situações podem ser problemáticas para o jovem. Uma primeira pode vir das redes sociais que apresentam um mundo que não é real. “O quanto que fazer sucesso, obter likes ou ser essa celebridade ou influencer, seja do Instagram, do TikTok, o quanto que isso engana. Eu comento sempre que as novelas, que o pessoal gosta de assistir, ela sempre traz só a parte importante da vida daqueles personagens. Ou seja, fica parecendo, mais ou menos, o que o Instagram faz, elevado à décima potência. Uma viagem belíssima, corpos belíssimos. Só que tem algo da vida que é o cotidiano, a repetição que, às vezes, é difícil da gente suportar, mas que faz parte da vida. A questão do trabalho, ir todo dia para o trabalho, aquela repetição que é um pouco difícil, às vezes, essa imagem que podemos ter uma vida muito deslumbrante, pode ser muito ruim”.

Outro problema é em relação às altas expectativas que podem ser colocadas em cima do jovem. “A gente tem que levar em consideração que tem um discurso que se pode fazer qualquer coisa, mas as realidades não são as mesmas. Então, quando eu digo que eu posso fazer qualquer coisa, parece o que retorna dos familiares, dos amigos, é isso de uma cobrança muito grande. Se pode fazer qualquer coisa, tem que fazer algo bom da sua vida. E, às vezes, vai de conseguir se considerar a realidade e auxiliar o jovem a lidar com a frustação”, explica.

Para o professor, é preciso que a sociedade se movimente para que se tenha uma mudança. “A gente conseguir trabalhar socialmente para que esses jovens tenham uma possibilidade de trabalho digna. Você pode fazer tudo, mas quais são as condições de construir uma carreira, um trabalho bacana que a gente está mostrando efetivamente possibilidades para esse jovem”, detalha.

Eduardo destaca que para prevenir casos de suicídio é preciso falar sobre sofrimento e perdas. “Acho que é mais importante a gente começar discutir socialmente, amplamente, a questão da aceitação às situações de sofrimento do que necessariamente falar de suicídio. Porque o pano de fundo do suicídio é esse. O suicídio é um fenômeno. Quando não se pode passar nenhuma palavra, nenhuma ajuda, isso acontece”, alerta.

O professor reforça que não se pode menosprezar a situação e que se a pessoa já manifestou algum sinal mais grave, é preciso estar atento. “O que acho que é uma orientação interessante é a gente saber que um pensamento de morte ele pode variar tanto de um pensamento até um planejamento ou tentativa. Se eu percebo que tem algo grave com aquela pessoa – posso ser familiar, profissional de saúde – se eu percebo que é algo intenso e que a pessoa vai tentar alguma coisa, a orientação é não deixar ela sozinha”, disse.

Além de acompanhar, é importante também procurar ajuda profissional. No caso de pessoas com pensamento suicidas, o Centro de Valorização da Vida (CVV) fornece apoio emocional e prevenção gratuitamente por meio do número 188. As Secretarias Municipais de Saúde também possuem locais para atendimento psicológico.

O professor destaca que há meios para procurar ajuda. “A gente tem alguns mecanismos já, seja do poder público, seja da sociedade civil organizada, alguns mecanismos de suporte e apoio”, conta.

Berggasse 19 – Espaço de psicanálise: O projeto Berggasse 19 – Espaço de psicanálise existe há dez anos em Guarapuava. O local oferece atendimentos clínicos e também cursos de formação em psicanálise, com grupos de estudos e palestras.

Mais informações podem ser obtidas no Instagram, pelo perfil @ berggasse19espacodepsicanalise ou pela página no Facebook: https://www.facebook.com/berggasse19espacodepsicanalise/.

Este site usa cookies para proporcionar a você a melhor experiência possível. Esses cookies são utilizados para análise e aprimoramento contínuo. Clique em "Entendi e aceito" se concorda com nossos termos.