A doação de órgãos só é autorizada pela família da pessoa falecida e não mais por algo escrito pelo doador. Em entrevista à Najuá, representantes da Santa Casa de Irati explicaram quais ações devem ser realizadas para concluir o procedimento/Texto de Karin Franco, com entrevista realizada por Rodrigo Zub e Juarez Oliveira
A Santa Casa de Irati promoveu ações de conscientização para a doação de órgãos na última sexta-feira (27), data que foi celebrado o Dia Nacional do Doador de Órgãos. Os funcionários, pacientes e visitantes do hospital receberam orientações sobre a doação. Além disso, foi realizada uma live na página da Santa Casa, no Facebook, onde os profissionais esclareceram dúvidas sobre os procedimentos que podem ser feitos.
Em Irati, é realizada apenas a retirada da córnea para a doação. A Santa Casa teve cerca de 280 doações desde 2010, quando foi autorizada para fazer o procedimento. Porém, com a pandemia, as doações de órgãos diminuíram no estado. “A fila de córnea estava zerada no Paraná. O Paraná estava mandando córnea para outros estados, mas com a pandemia a fila voltou a subir”, conta Luciane Aparecida Batista, funcionária que trabalha com a captação de órgãos na Santa Casa de Irati.
Um dos benefícios da doação de órgãos é que a ação pode ajudar para que mais pessoas sobrevivam. É o caso da doação de córnea. “Um doador vai estar favorecendo dois receptores. O importante também é lembrar isso, que no caso de a família ser positiva para doação, eles vão estar ajudando dois outros receptores”, explica Luciane.
A doação de órgão só é autorizada pela família da pessoa falecida e não mais por algo escrito pelo doador. “A maior prioridade é a conversa com a família. Uma conversa muda tudo. A doação é feita só com a autorização da família na hora. Não adianta deixar nada por escrito. Não tem mais a documentação por escrito. Nada. É só na hora é que a família que vai decidir pelo doador. O doador falando e conversando: ‘Eu sou doador’. Então, a família vai saber no momento do óbito do paciente”, conta a coordenadora da Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), Karine de Oliveira.
A idade limite do paciente para fazer a doação depende de cada tipo de órgão. No caso da córnea, a doação pode ser feita por pessoas que tenham entre três anos até 70 anos, 11 meses e 29 dias na data de sua morte. Além disso, a equipe de profissionais tem até seis horas para realizar o procedimento de retirada e envio para a Central de Transplantes, em Curitiba.
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O processo de doação de órgão inicia com a indicação médica de que aquele paciente que faleceu é um potencial doador. “A Santa Casa é só para córnea que é o caso de coração parado. Em outros casos de ME [morte encefálica], em suspeitas de paciente de trauma, pacientes com AVC [Acidente Vascular Cerebral] hemorrágico, que tem uma suspeita de morte encefálica, eles são transferidos. Nós também temos o apoio da Central de Transplantes que tem os hospitais cadastrados para isso e tudo o que está possível, dentro do possível, coração, rim, fígado, pâncreas, que o Paraná também já está fazendo. Ossos, tecido. No geral, o que a família autorizar”, afirma Luciane.
Antes da retirada dos órgãos, a equipe da Santa Casa realiza exames para entender se o órgão está saudável e tem condições para a doação. “Tem vários itens que podem inviabilizar a doação. Quando é viável, nós entramos em contato com a OPO [Organização por Procura de Órgãos e Tecidos], que é a organização de doação de Curitiba. Lá, eles fazem a autorização. Tem exames, tem laboratórios que são feitos porque nós avaliamos todo o paciente e depois conversamos com a família”, disse Karine.
A Santa Casa de Irati possui algumas limitações e pode transferir a pessoa falecida para outro hospital para fazer essa avaliação. “Esse paciente é primeiramente avaliado pelo médico. Como não temos o neurologista aqui para avaliar que está em morte encefálica, nós fazemos a transferência desse paciente para um outro hospital”, conta a coordenadora do CIHDOTT.
Quando a unidade de Curitiba confirma a possibilidade de doação, a equipe da Santa Casa comunica a família sobre isso e explica os procedimentos. “Essa família tem que estar totalmente documentada, tanto o doador, que é o paciente que faleceu, como a família em si. A família doadora tem que estar documentada. Assim como tem que ter duas testemunhas, que também tem que estar devida devidamente documentada”, conta Karine.
A equipe que realiza essa abordagem com a família pode ser composta por enfermeiros, psicólogos e assistente social. Em Irati, duas pessoas fazem a abordagem. Enquanto uma pessoa conversa com os familiares, a outra organiza a documentação para agilizar a doação. “A entrevista em si que é um pouquinho mais demorada porque dependemos de conversar com o familiar, que está ali em um momento de dor. Depende dessa conversa, nós esperamos, nós esperamos todos da família doadora, para que ele se acalme e nós conversamos. Naquele tempinho, tem um preenchimento de vários documentos para que se chegue corretamente no receptor a doação. Então, demora mais a parte da entrevista um pouquinho. A captação em si após assinatura da família, que nós vamos captar somente após a assinatura da família, é em torno de uns 15 a 20 minutos”, explica a coordenadora do CIHDOTT.
A informação sobre a potencialidade da doação dos órgãos é uma obrigação da equipe do hospital que precisa explicar sobre o ato, conforme contou Karine. “Nós fazemos a conversa com todos os familiares. É um direito da família de saber e é uma obrigação nossa passar. Se o paciente é um potencial, se não está com uma infecção porque tem alguns dados que inviabilizam, por exemplo, uma infecção grave, que esteja descrito na declaração de óbito. Uma infecção grave, uma morte desconhecida, raiva, AIDS. Tem vários itens que inviabiliza [a doação]. Isso nem entrevistamos a família. Se for viável, nós vamos entrevistar 100% das famílias. É obrigatório isso”.
Luciane destaca que a doação de órgãos não prejudica nos procedimentos que serão feitos para o velório. “Nós sempre conversamos com as famílias, que não vai atrapalhar em nada. Nós fazemos as orientações com relação à documentação, à oferta de que o ente querido é um potencial doador, desde que a OPO aceitou dentro dos critérios. Nós vamos fazer todos os trâmites, toda a documentação, sempre é trabalhado em equipe. Não atrasa em nada. É um trabalho que nós fazemos juntamente com as funerárias, quando nós começamos, para não ter aquela resistência de que vai atrasar, vai demorar. Não atrasa em nada. Nós organizamos, nós agilizamos, tudo para favorecer e para estar ajudando outras pessoas. Também nós não queremos atrapalhar em nada os familiares”, destaca.
Uma das dificuldades é que a maioria das pessoas não comunicam que são doadores de órgãos aos seus familiares. A coordenadora do CIHDOTT explica que, nestes casos, os próprios familiares buscam lembrar como era a pessoa falecida. “Alguns casos, a pessoa falecida manifestou para sua família que ele tinha interesse em fazer essa doação. Em outros casos, quando nós vamos conversar com a família, a família acaba conversando entre eles, trocando ideia e juntando as lembranças da pessoa: ‘Ele era uma pessoa boa, ele gostava de ajudar, ele sempre estava disposto e nós nunca conversamos’, porque é uma coisa que muitas vezes que as pessoas não conversam, mas as famílias acabam chegando a um bom senso e fazendo a doação”, explica.
Se um membro da família não concordar com a doação, o procedimento não é feito. “Nós fazemos em conjunto com a família. Se estão em dois ou três, um é contrário, nós respeitamos. O que não queremos é uma contrariedade na família. Então, dois tem interesse, mas o terceiro fica na dúvida, fica inseguro, nós não insistimos. Nós conversamos, mostramos, mas nós respeitamos também, que não queremos ter um conflito na família”, conta Luciane.
Em Irati, as famílias costumam aceitar o pedido para realizar a doação de órgãos. “Geralmente, nós temos uma pontuação/mês, nós temos tido 100% de aceite, nos casos que são compatíveis, seguindo os critérios como idade, causa do óbito, os fatores como o tempo de a família chegar, às vezes, não dá tempo de a família chegar. Isso inviabiliza a doação também porque a qualidade vai cair porque passou de seis horas, mas geralmente, nós mantemos 100% dos casos de potenciais doadores, é 100% de aceite dos familiares”, explica Luciane.
Quem pode dar a autorização são os familiares de primeiro grau, como pai, mãe e filhos, além de esposo ou esposa. No caso de pessoas em união estável, é preciso apresentar a documentação.
O órgão doado é repassado para a Central de Transplantes, em Curitiba. Quando há a confirmação da doação, a Central faz o rastreamento de pacientes que tem condições de receber o órgão. Assim que identificado pelo sistema, a Central de Doações avisa o paciente e o hospital sobre a disponibilidade do órgão.
Essa identificação de quem vai receber o órgão é feita por meio de uma fila de transplantes. “Existe uma fila única nacional e estadual. Eles [órgãos] são destinados conforme o que as pessoas estão na fila. Então, quem entrou primeiro na fila, quem está precisando daquele órgão com mais urgência, compatibilidade com o paciente, como o tamanho. Por isso que existe a diferença de idade. Tudo que ocorre lá, nós não sabemos. Nós destinamos o órgão, a córnea, para Curitiba e de lá, eles disponibilizam para onde mais necessita”, explica a coordenadora.
A entrada na fila de transplantes acontece apenas por indicação médica. No Sistema Único de Saúde (SUS), o procedimento é feito durante as consultas. O paciente precisa ir ao posto de saúde de referência do seu bairro, realizar a consulta e ser encaminhado a um oftalmologista, que irá avaliar a necessidade de transplante. “Ele vai precisar de um acompanhamento do oftalmologista da região dele. Se ele não for de Irati, for de um município vizinho, ele deve ser atendido por um especialista oftalmologista, que vai indicar o transplante. Vai mandar para um hospital de referência e ele é cadastrado para o transplante, que tem fila única. Ele vai pela questão de prioridade idade e outros fatores. Mas é uma fila única. O médico dele que vai indicar o transplante e vai fazer a inscrição dele nessa fila”, disse a funcionária.
Por meio do cadastro, a Central de Transplantes também direciona a equipe da Santa Casa para onde será feito o transporte do órgão. Em Irati, a 4ª Regional de Saúde disponibiliza um veículo para esse transporte. “É uma coisa que também viabiliza bastante e favorece, porque, em conversa, em treinamentos, em cursos, alguns municípios distantes, eles acabam enviando esse material para Central de Transplantes via ônibus e o nosso não. O nosso vai em caixa própria, um carro exclusivo para isso, o motorista disponibilizado pela nossa Regional para esse transporte”, disse Luciane.
Na doação de córneas, os órgãos podem ficar refrigerados até 14 dias, antes de serem transplantados para a pessoa receptora. Esse transplante é feito pelo hospital em que a Central de Transplante identificou que possui um paciente apto a receber o órgão.