Psicóloga fala quais são os meios de identificar situações de violência doméstica contra mulheres

Machismo é uma das principais causas para a violência contra as mulheres. Na semana passada,…

15 de março de 2022 às 22h18m

Machismo é uma das principais causas para a violência contra as mulheres. Na semana passada, tentativa de feminicídio foi registrada na Unicentro, quando homem esfaqueou e atropelou a ex-mulher/Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub e Paulo Sava


Em entrevista à Najuá, a psicóloga Kátia Alexandra dos Santos, que é coordenadora do Numape, falou quais são os meios de identificar situações de violência doméstica contra mulheres. Foto: Paulo Sava

Uma tentativa de feminicídio chocou a comunidade iratiense no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Neste dia, um homem esfaqueou a ex-mulher, de 43 anos, dentro do campus da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro) e a atropelou. Depois disso, ele fugiu em seu carro e acabou se envolvendo num acidente na BR-153, que causou sua morte. A mulher já recebeu alta do hospital e se recupera em casa.

Contudo, este não é o primeiro feminicídio que choca a comunidade. Um dos crimes que chamou a atenção dos iratienses aconteceu há quatro anos, quando o ex-marido de Ivanilda Kanarski, de 30 anos, a matou em frente dos filhos no Parque Aquático de Irati, em plena luz do dia. João Fernando Nedopetalski, de 38 anos, foi condenado pelo crime em 2020.

Em entrevista à Najuá, a coordenadora do Núcleo Maria da Penha (NUMAPE) e professora da Unicentro, a psicóloga Kátia Alexsandra dos Santos, destacou que os casos de feminicídios são alertas para a sociedade discutir o tema. “O que nos alerta é, principalmente, que nós temos muito ainda a fazer em relação a pauta da questão da violência contra as mulheres porque ela está no nosso cotidiano. Ela está no nosso dia a dia. Eu acho que uma das coisas para considerarmos é não olhar para esse caso em específico, porque acho que, enfim, é mais um caso. Infelizmente não é isolado. Eu acho que esse é um primeiro ponto para colocarmos, mas tentar entender um pouco quais são as condições sociais que ainda produzem esse tipo de situação na nossa cidade, no nosso país”, explica a psicóloga.

Kátia afirma que as pessoas podem perceber sinais de que uma mulher está em uma situação de violência. “Os sinais que precisamos ficar atentos em relação a uma situação de violência são sinais, por exemplo, de isolamento da mulher, situações em que a mulher passa a não ter mais acesso à sua rede de apoio. O que nós chamamos de rede de apoio? A família, os amigos. Essa mulher, muitas vezes, não sai mais, passa a apresentar comportamentos diferentes, passa muitas vezes também, até pensando nos profissionais que atendem na área da saúde em outros setores, às vezes, é aquela mulher que recorrentemente procura os serviços com diversos tipos de agravos, uma dor de cabeça persistente, é algum machucado. Mas eu acho que, principalmente, as mudanças de comportamento e o isolamento dessa mulher são fatores de alerta para prestarmos atenção que tem alguma coisa estranha acontecendo”, conta.

De acordo com a coordenadora do NUMAPE, muitas mulheres escondem estarem passando por essa situação e acabam tentando resolver no momento. “Alguém que você conhece, passa a se isolar, não sai mais, deixa de fazer algumas coisas que ela fazia anteriormente, passa a se comportar de uma maneira diferente, demonstra medo, parece assustada. Muitas dessas marcas são mais aparentes para as pessoas que estão mais próximas, mas para as pessoas que não tem tanta proximidade, pode muito bem passar despercebido porque as mulheres, primeiro, que elas sentem muita vergonha de estar nesse lugar, de estar em situação de violência. Muitas vezes, elas procuram não demonstrar tentando resolver a situação, ali dentro do âmbito familiar mesmo, e isso é mais um impeditivo para que essas situações tenham um auxílio que é preciso”, afirma Kátia.

Mais do que perceber os sinais da mulher, o companheiro também pode apresentar sinais. A coordenadora do NUMAPE enfatiza que qualquer traço de agressividade, como uma fala mais violenta, não pode ser desconsiderada. “Acho que a primeira coisa é não negligenciar nenhum tipo de afirmação nesse sentido. Não achar que a pessoa está falando por falar. É melhor pecar pelo excesso e procurar ajuda do que considerar que ‘não, mas está falando bobagem, não vai fazer nada’”, aconselha.

Nesses casos, o primeiro passo é tentar conversar com a pessoa que teve o comportamento alterado. “Eu acho que tentar conversar com a pessoa é uma primeira alternativa, mostrar para ela que esse é um tipo de comportamento que não vai resolver. Violência sabemos que não resolve nenhum tipo de situação. E tentar identificar com ela [a pessoa] que outras coisas ela pode fazer para resolver essa situação para além da violência, para além da ameaça de morte”, conta a psicóloga.

Conversar com a vítima, mostrar que há formas de ajuda e se colocar disponível para ajudar a qualquer momento é também um outro meio para conseguir evitar uma escalada da violência. Contudo, Kátia destaca que a vítima pode se mostrar com receio. “Muitas vezes, as pessoas não consideram que é uma situação que precise de um auxílio externo. Elas têm esperança de resolver ali internamente, entre a família, ou, às vezes, nas comunidades mais próximas, acionando família extensa, acionando igreja ou outras entidades que podem vir ajudar”, explica.

Porém, se a conversa não resolver a situação e o agressor voltar a ser violento, esse é o momento de denunciar. “Se você entende que a conversa só não resolve, você tem que partir para a denúncia mesmo. Procurar os órgãos de apoio, procurar conversar com a vítima também, com essa mulher. Por mais que, às vezes, ela não demonstre muita abertura, é tentar encontrar pessoas próximas com quem ela possa se abrir, de uma maneira mais tranquila. É tentar alertar desse perigo e se você entende que nem a conversa com a vítima, nem com o potencial agressor, surtiu efeito, acionar os canais oficiais mesmo, a polícia, nós temos um órgão aqui em Irati, a própria Patrulha Maria da Penha que faz esse acompanhamento. Às vezes, a mulher já tem uma medida protetiva e se você avisa a Patrulha, a Patrulha fica mais atenta para fazer esse monitoramento, de como a situação está acontecendo”, explica a coordenadora do NUMAPE.

A violência contra a mulher possui características específicas. Um levantamento feito em 2021, usando dados de 2015 a 2020 no Paraná, mostrou que a violência nas mulheres é progressiva. “Algumas características que evidenciam uma possibilidade de evolução para feminicídio é o aumento progressivo das situações de violência. Geralmente, a violência começa com aquela violência mais verbal, vai passando por uma ameaça, passa também por restrição de direitos dessa mulher de circular, às vezes, violência sexual, violência patrimonial e o isolamento que falei. Depois para as violências físicas que começam também, de uma maneira um pouco mais controlada e passam a evoluir. Esses são sinais bastante evidentes de que pode haver uma tentativa de feminicídio, somada à ameaça e a presença também de outros fatores, como por exemplo, o fato de o agressor ter porte de arma ou ter acesso a formas de consumar esse ato. Apesar de que grande parte, e esse é um dado interessante até desse levantamento que eu mencionei, grande parte das tentativas e dos feminicídios, que foram levantados nessa pesquisa, são feitos por meio de arma branca, facas, facões, mas são alguns elementos e ameaça que, como eu disse, nunca deve ser desconsiderada. Sempre que houver uma ameaça, peque pelo excesso e avise as autoridades”, destaca a psicóloga.

Ela explica que não há um perfil específico do agressor, mas em todas as situações o machismo está presente. “Eu diria que se existe uma coisa em comum, uma característica em comum, entre os homens que agridem mulheres, é o machismo. Acho que outra coisa não dá para identificarmos com um perfil”, disse.

Um levantamento feito em 2020, analisou cerca de 300 processos de casos de feminicídio no Estado. Desses casos, somente em quatro o autor possuía algum transtorno mental. “São pessoas comuns, não são loucos, não são doentes. Claro que tem alguns elementos que podem ser potencializadores, como abuso de álcool ou outras drogas, como eu falei o acesso às armas, mas não existe um perfil. Foi também, nessa mesma pesquisa, tentado identificar essas características quanto à profissão, também não houve nenhum tipo de característica que difere da população de um modo geral. São diversos. A escolaridade, embora apareça uma escolaridade um pouco mais baixa desses homens que são autores de violência, essa relação não está diretamente relacionada ao perfil feminicida, digamos assim, mas está em congruência com a própria população do Brasil. Isso não nos diz nada em termos de características, então acho que não dá para dizermos mesmo que existe um perfil”, disse.

Para a coordenadora do NUMAPE, o agressor é afetado pelo machismo. “Eu acho que são pessoas comuns, que afetadas pelo machismo, se consideram superiores e, na verdade, não conseguem saber estabelecer relações que não sejam relações de posse em relação às mulheres. Acho que essa seria a principal característica”, explica.

Em muitos casos de feminicídio, a sociedade se surpreende com a atitude de alguns autores do crime, por considerá-los pessoas sem suspeitas. Mas a psicóloga alerta que em muitas situações de violência à mulher, a agressividade se mantém dentro de casa, enquanto que no espaço social, a atitude do agressor muda. “Infelizmente essa é uma característica possível de ser encontrada em algumas situações de violência doméstica. Muito frequentemente, até as pessoas ao redor não reconhecem. ‘Não, mas é uma pessoa boa, trata bem todo mundo’. Isso é muito comum, principalmente, porque a violência doméstica, como o próprio nome diz, é algo que ocorre dentro de casa, então quem presencia são as pessoas que estão ali”, relata.

Mesmo sem um perfil, algumas características podem dar sinais de um potencial agressor. “Quando há um ciúme excessivo, controle em relação ao comportamento das mulheres, muitas vezes isso é entendido como demonstração de carinho, como forma de amor, mas as mulheres precisam estar atentas mesmo, já em qualquer fase do relacionamento, porque qualquer tipo de demonstração de sentimento de posse pode evoluir para depois situações de violência mais perigosas”, disse.

As denúncias de violência contra a mulher aumentaram em 2019, mas diminuíram em 2020 e 2021. Apesar da diminuição, o número de casos de feminicídio aumentou no Paraná. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Paraná foram 49 feminicídios no estado entre janeiro e setembro de 2021. Segundo a coordenadora, muitos casos ainda podem ter passado desapercebidos dos registros públicos. “Grande parte dos homicídios contra mulheres, às vezes, não são categorizados enquanto feminicídios, ou seja, não tem essa compreensão de que são motivados por questões de gênero”, explica.

Em muitos casos, o feminicídio acontece quando a mulher tenta sair dessa situação violenta e após essa situação, o agressor dá fim à própria vida. Segundo a psicóloga, o machismo é o principal fator para que isso ocorra. “Eu diria que o que passa, o que está envolvido em tudo isso é mesmo machismo e o machismo que mata tanto homens quanto mulheres. Porque existe uma discussão em torno de, é muito comum esse comportamento de matar a mulher e depois se matar. Por quê? Justamente porque chegou num limite de realmente não conseguir dar conta da situação e sabendo das consequências também, não querer dar conta das consequências. Ou seja, ninguém vai me punir. Eu mesmo vou me punir tirando a minha própria vida. E aí punindo de certa forma, inclusive as pessoas que ficam e precisam dar conta dessa situação”, relata Kátia.

A coordenadora pontua que sempre que há debates sobre o feminicídio, muitas pessoas questionam porque não há o mesmo debate para violências contra homens. “Eu acho engraçado que essa pergunta sempre é feita quando estamos falando de situações de violência contra as mulheres. Porque, sim, agressão, situações de violência sempre devem ser denunciadas, independentes de quem é o agente. Eu acho que, sim, se você foi agredido por uma mulher, vá a delegacia, faça um registro de boletim de ocorrência”, destacou.

A psicóloga Kátia destaca que a maioria dos casos de agressões em casais são de homens agredindo mulheres. “A violência é um fenômeno que ocorre na nossa sociedade desde sempre e precisamos sempre encontrar meios para combater, mas acho que esse tipo de argumento vem muito no sentido assim, de que talvez esteja se dando visibilidade demais à situação das mulheres, somente em situação de violência. Não, na verdade é porque é um fenômeno que ocorre em larga escala e de maneira contínua no nosso País. Nós temos índices alarmantes de violência contra as mulheres e, principalmente, em relações de convívio íntimo. Isso nos chama muita atenção”, explica.

A coordenadora do NUMAPE destaca que não há justificativa para a violência contra as mulheres. “É um argumento muito utilizado enquanto de alguma forma para justificar as situações de violência. ‘Ele bateu, mas porque ela tinha um comportamento que não era adequado, não era boa mãe, se envolvia com outros homens’. Independente, acho que tem algo que precisamos aprender é que não há justificativa para violência e muito menos para uma tentativa de feminicídio. Não importa o que a mulher tenha feito, não importa a roupa que ela tem usado, não importa nenhum tipo de circunstância, não é justificável em hipótese alguma”, disse.

Em Irati, a Polícia Militar pode ser acionada pelo 190 em casos de agressões. Já o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) é um órgão ligado à Secretaria de Assistência Social, que presta atendimentos às pessoas que sofram por violações de direito. A Polícia Civil também pode ser acionada caso a vítima queira solicitar uma medida protetiva ou fazer um boletim de ocorrência. Neste caso, a Patrulha Maria da Penha, vinculada à Guarda Municipal, realiza o acompanhamento dessas mulheres.

Além dessa rede de proteção, a Unicentro possui o Núcleo Maria da Penha (NUMAPE) que presta auxílio psicológico e jurídico. “É um projeto de extensão vinculado à Unicentro que tem prestado um apoio a essa rede de atendimento às mulheres em situação de violência. Lá nós fazemos atendimentos psicológicos para as mulheres e também acompanhamento jurídico, tanto na área criminal, caso a mulher queira denunciar, queira solicitar uma medida protetiva, quanto também nos processos de Vara de Família que envolvem a desvinculação da mulher em situação de violência. Se ela quer se desvincular desse agressor e ela quer entrar com uma ação de divórcio, com uma ação de dissolução de união estável, de regulamentação de guarda, alimentos, nós fazemos esse tipo de trabalho gratuitamente”, conta.

O atendimento é realizado nas segundas, terças, quinta e sextas. Nas quartas não é feito atendimento porque é realizado reunião e outras atividades com a equipe. O atendimento está sendo feito presencialmente ou por telefone e WhatsApp. O telefone é (42) 3421-3086 e o WhatsApp é (42) 9-9904-1423.

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