Projeto-piloto será aplicado em 27 cidades, entre elas Curitiba e Londrina. Professores apontam que iniciativa privatizará as escolas da rede estadual/Texto de Karin Franco, com reportagem de Paulo Henrique Sava
O Governo do Estado do Paraná, por meio do Paraná Educação, publicou um edital do projeto Parceiro da Escola, que credencia empresas privadas na administração de 27 escolas estaduais. O Governo Estadual justifica que este é um projeto-piloto de assistência gerencial, mas professores, especialistas em educação e oposição legislativa apontam que a iniciativa é uma terceirização da educação pública.
O superintendente de Educação do Paraná, Jean Pierre Neto explicou à nossa reportagem que o projeto procura por empresas que tenham experiências em gestão escolar. “Parceiro da Escola é um projeto-piloto, desenhado pela Secretaria de Educação de Estado do Paraná, em conjunto com o Paraná Educação, por meio do qual através de credenciamento são selecionadas algumas empresas no mercado, com experiência na gestão administrativa de unidades escolares”, disse.
Para a professora do departamento de Pedagogia da Unicentro, Michele Fernandes Lima, que participou de encontro com professores e autoridades estaduais nesta semana em Irati, o projeto privatiza as escolas. “É um projeto sim de privatização. Porque de fato, é recurso público para empresa privada. Essas empresas que irão concorrer esse edital de licitação, a princípio, já identificamos algumas no site do Paraná Educação, que é o que está controlando e organizando esse edital, já vimos lá a presença do Positivo, Eleva, Instituto Filadélfia, já pedindo esclarecimento sobre o edital”, explica.
De acordo com o superintende de Educação comenta que para participar do projeto é preciso obedecer a alguns critérios. “Os critérios fixados pela Secretaria de Educação e Paraná Educação para esse credenciamento é que a empresa deve ter no mínimo 5 mil alunos matriculados na sua região, bem como uma nota do ENEM de no mínimo 550 pontos, o que é considerado uma nota alta”, disse.
As ações que serão realizadas pelas empresas nas escolas são relativas à infraestrutura, segundo Jean. “O Parceiro da Escola vai auxiliar o diretor pedagógico nas atividades secundárias da escola, quais sejam. Asseio, conservação, fornecimento de merenda, reparos, substituição de equipamentos, eventualmente, quebrados, capacitação dos funcionários daquelas escolas e todas as demais atividades secundárias, que visam tornar a escola mais atrativa ao aluno, para evitar a evasão escolar, bem como aumentar a frequência e consequentemente a qualidade do ensino”.
No caso dos servidores públicos, a contratação continuaria a mesma. “O servidor público lotado nessas escolas permanece com sua lotação, assim como seus direitos, obrigações e atribuições. O Parceiro da Escola poderá fazer contratações daquelas que hoje são terceirizadas pelo estado ou, eventualmente, contratada de forma precária. É importante destacar que o Parceiro da Escola não poderá remunerar os profissionais abaixo do que o estado atualmente remunera”, detalha o superintendente Jean.
O edital prevê que a comunidade escolar decidirá se estará no projeto. “Essas escolas somente participarão do projeto após a votação da comunidade escolar, houver aprovação para tanto. Também é importante destacar que as escolas permanecem sendo públicas e gratuitas, sem nenhum tipo de cobrança dos alunos ou dos pais. Outro ponto relevante é que os critérios utilizados para matrículas nessas escolas permanecerão seguindo exatamente os mesmos critérios adotados pelas demais escolas da rede pública estadual de ensino”, disse.
Para Michele, o projeto pode trazer aberturas para mudanças bruscas na realidade das gestões escolares. “A gestão das escolas será toda repassada para essa empresa. Desde merenda, limpeza, professores PSS, que até então são contratados hoje pelo poder público estadual, serão contratados pelas empresas, terão redução de salário, alunos poderão ser excluídos desse processo porque o ensino noturno acaba. Atendimento a alunos, com pessoas com deficiência, alunos que tenham um tempo de aprendizagem diferente, também não vai acontecer. O grande foco é trazer o modelo empresarial, tornar na verdade, a escola como pública gerenciada por uma empresa, terá um administrador geral que será contratado por essa empresa e nós vimos isso com muita preocupação”, conta a professora.
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A preocupação também vem dos diretores de escola. Michele conta que a principal preocupação está com a autonomia da escola, especialmente no âmbito pedagógico. “Toda a autonomia da escola deixa de existir e isso passa a ser direcionado por um projeto empresarial que visa o lucro. Por quê? Caso caia o índice de aprovação ou reprovação nessas escolas, esse recurso vai reduzindo. Há também aqui nesse edital, a ideia de que os alunos não podem reprovar, que a empresa recebe bônus, quando os alunos são aprovados, então quer dizer, vai ser um processo de exclusão porque nem todo mundo aprende igual e no mesmo tempo”, disse.
Michele explica que o que é defendido é que a educação seja gestada por professores. “Nós defendemos a educação pública, com recurso público, gestada por professores, da rede, que sejam concursados, que tenham condições e formação pedagógica para tal. Nós entendemos que não é possível fazer uma separação entre a atividade administrativa e pedagógica. Escola não é empresa. Escola não gera lucro”, explica.
A justificativa do Governo Estadual para a adoção do projeto é que o Estado é ineficiente para atender toda a rede da educação estadual. Contudo, a professora destaca que o Estado pagará as escolas para estar no projeto. “Esse projeto terá um custo inicial de R$ 17,5 milhões por mês. E R$ 210,5 milhões por ano, com potencial de atingir R$ 9,6 bilhões, se o projeto for estendido por toda a rede. Alguns pais podem estar se perguntando: ‘Mas não vai ser bom? As escolas não vão ficar no padrão Marista, Positivo?’. Não, não irão. O sucateamento, a privatização, o processo de escassez de recurso são presentes já nas escolas públicas. Por que o Estado, se tem um recurso e vai ser repassado para empresa, por que ele não pode fazer essa gestão?”, disse.
A professora ainda critica o modelo do projeto. “Ele segue todo um projeto de educação que é muito marcado por uma concepção gerencialista. Concepção de resultado, concepção de metas. Claro, não vamos dizer que não queremos que esses alunos saiam bem na avaliação, consigam ter altos índices importantes da Língua Portuguesa e Matemática, que é isso que procuramos, que os alunos saibam ter acesso ao conhecimento, mas não da forma como está acontecendo. O caminho da privatização para nós não é o adequado”, explica.
Para a professora, a ação não melhora a qualidade da educação. “O risco para o aprendizado do aluno é a qualidade que esperamos de contratação de professor que vai estar atuando com este aluno. Defendemos o concurso público, que os PSS tenham o direito de receber a sua remuneração de acordo com o que vem sendo pago e mais do que isso, a ideia de que vai ser feito uma escola privada na escola pública e que isso vai trazer qualidade, não vai. Na verdade, a busca vai ser realmente a meta, o resultado e não a preocupação com o aluno, a preocupação com a sua aprendizagem, o cuidado que a escola pública tem de acolher e incluir. Vai ser na nossa leitura um processo de exclusão”, conta.
A professora do departamento de Pedagogia da Unicentro participou essa semana de um encontro que reuniu representantes da educação e deputados de oposição ao Governo Estadual, onde discutiram sobre o edital. Entre os deputados presentes estavam Tadeu Veneri e Requião Filho.
O deputado Tadeu Veneri destacou o fato de que o projeto não passou pela Assembleia Legislativa, dificultando um maior debate. “Primeiro, ele não passa por nenhum projeto de lei na Assembleia Legislativa. Nós não temos, o que me parece contraditório, não temos em nenhum momento um espaço para que nós pudéssemos chamar uma audiência pública onde o Estado estivesse presente. Foi feita uma primeira audiência pública, mas o Estado não se manifestou. Nós temos uma série de questionamentos feitos a respeito das empresas porque as empresas que irão administrar, em tese, se forem aceitas pela comunidade, porque passa por um aceite das comunidades dessas escolas, de serem entregues à iniciativa privada, mas estas empresas têm um objetivo. E o objetivo é lucro. Não há outra razão para que essa empresa administre essas escolas que não seja ganhar dinheiro. Em torno de R$ 800 por aluno”, disse.
Tadeu Veneri destacou ser contrário ao projeto. “Eu acredito que o aluno não pode ser tratado como se fosse uma mercadoria. É por isso que nós nos manifestamos o contrário. Não há razão nenhuma para que você coloque 27 escolas, algumas das maiores escolas que nós temos em Curitiba, em Londrina, em Ponta Grossa e na região metropolitana de Curitiba, para que elas sejam administradas em uma rede privada”, afirmou.
O deputado Requião Filho também é contra o projeto e aponta que o projeto privatiza as escolas. “Isso é a privatização da Educação do Paraná com toda a certeza. É a entrega de prédios públicos, é entrega da administração da educação, é o governo lavando as mãos no que deveria ser a ele mais caro”, disse.
Para o deputado, as escolas poderão escolher seus alunos. “As escolas poderão escolher os seus alunos. O georreferenciamento não será mais uma necessidade para a matrícula. As escolas poderão escolher os seus melhores alunos, para ficar dentro daquela escola, para poder fazer uma bonita propaganda. Mas isso não é o objetivo da educação pública. A educação pública tem objetivo de atender, da melhor maneira possível, a todos da sociedade trazendo um futuro melhor para as crianças do Paraná”, conta.
O deputado Requião destacou que o desejo é proporcionar outra educação. “Nós queremos um cidadão que pense o futuro, que seja pronto e adequado para um mercado de trabalho diferenciado, que vem se apresentando no Brasil e no mundo. A educação pública não é gasto, é investimento no futuro do Paraná e do Brasil”, disse.
Fotos: Paulo Henrique Sava