Possibilidade de doar parte do terreno do Centro Cultural para construção do fórum foi apresentada pela prefeitura em audiência pública; Diante da ausência de parecer do Conselho Municipal, pessoas unidas em uma comissão ligadas à Cultura se mostraram contrárias/Texto de Karin Franco e Jussara Harmuch
Na quarta-feira (08) aconteceu uma audiência pública na Câmara de Irati, que discutiu a possibilidade de doação de parte do terreno do Centro Cultural Denise Stoklos, popularmente chamado de teatro. A proposta é que a doação seja feita ao Tribunal de Justiça (TJ-PR) para construção do novo Fórum Cível.
Durante a audiência, o prefeito de Irati, Jorge Derbli, apresentou o projeto de edificação do novo Fórum da Comarca. O projeto foi adaptado para o terreno do teatro. Serão 5 mil metros quadrados dedicados ao novo fórum e 6 mil metros quadrados que abrigam a construção iniciada do teatro. Desses 6 mil metros quadrados, ainda falta construir 4.800 metros quadrados do projeto inicial do centro cultural.
Derbli destacou que a modificação no projeto do teatro se dará no deslocamento do “teatro a céu aberto” para a lateral. “Nós queremos, se for da vontade de todos, doar para o Tribunal de Justiça construir esse novo fórum esta área de 5 mil metros, que vai restar 6 mil metros ainda para o teatro. Nós vimos que com todo o projeto completo do teatro, com todas as construções que ainda tem que fazer, é 4.800 metros a necessidade. Sobraria toda essa área para concluirmos em 100% do projeto original do teatro, sem modificar nada. Simplesmente um teatro a céu aberto, que estaria aqui no fundo, seria relocado para a lateral. Aquele pedaço para manter 100% do projeto inicial e original do teatro. Sem diminuir um metro quadrado, sequer da área do teatro original, seria essa obra”, disse.
O artista e funcionário público municipal, Leonardo Schenato Barroso, que preside o Conselho Municipal da Cultura, contou que não existe uma posição da entidade sobre o assunto. “Perguntam qual é a posição do Conselho Municipal de Cultura em relação a essa doação? Isso ainda não temos para mostrar para vocês”. Leonardo fez a entrega de um documento ao Juiz de Direito da 2ª Vara Cível, Carlos Eduardo Faísca Nahas, nele menciona: “Tendo em vista a angústia do povo de Irati em relação à situação dessa obra inacabada, mas sobretudo a força pujante do Poder Judiciário paranaense, refletido de forma expressiva, solicitamos a parceria desse Tribunal no intuito de caminhar lado a lado, com a sociedade civil iratiense para que seja retomado mais brevemente possível, a execução da obra do Centro Cultural Denise Stoklos. Vamos mudar essa história juntos?”, indagou.
O Juiz Nahas esclareceu que a verba para construção vem do TJ-PR e se comprometeu a ajudar na luta para terminar a obra do teatro. “Eu só queria prestar alguns esclarecimentos que eu acho que é o que cabe da nossa parte. Não cabe a nós convencer ninguém porque isso é uma decisão soberana da população de Irati, através dos seus representantes da Câmara de Vereadores. Em primeiro lugar dizer que todos os recursos que serão utilizados, eventualmente, caso saia o fórum, são todos do Tribunal de Justiça. A segunda coisa que eu quero dizer, é que esse pedido de parceria isso já está implícito na questão do novo fórum, caso saia lá. Desde o primeiro momento que conversamos com o prefeito, a nossa intenção sempre foi em ajudar em concluir aquela obra. Pode ter certeza, e me comprometo aqui, que o Poder Judiciário não vai economizar esforços para que seja terminada essa obra porque é de total interesse, caso o fórum sai ali, que o Poder Judiciário também se empenhe em conseguir recursos junto ao Estado do Paraná, para quem sabe terminarmos a obra”, afirmou.
O presidente da Academia de Letras, Artes e Ciências do Centro-Sul do Paraná (ALACS), Herculano Batista Neto, que é membro do Conselho da Cultura, perplexo diante da apresentação do prefeito, deixou de lado o discurso preparado e falou de improviso. “Jorge, você apresentou um projeto – e eu pergunto para essa plateia, principalmente para o nosso grupo de entidades culturais – foi discutido alguma coisa desse projeto? Fomos convidados a isso? Eu reconheço. Você sabe que eu não economizo palavras, em todos os nossos momentos, para agradecer o que a Secretaria de Cultura, na tua pessoa, tem nos ajudado, da Samanta [secretária] também. Mas eu acho uma falha terrível o que foi feito aqui. O projeto já vem pronto, já vem destinado, já vem esquadrinhado, já vem dizendo aonde que vai ser feito, de que forma será feito, com um propósito, com o orçamento definido. Nós não viemos falar, independente do que o juiz deixou claro, ultimar, quem sabe até esforços para ajudar com esse projeto do nosso Centro Cultural exista, mas nós não ouvimos falar, por enquanto, de nenhum centavo de verdade que viesse para o Centro Cultural. O ‘se’ nós já temos faz tempo. ‘Se tivéssemos’. ‘Se pudéssemos’. Se isso ou aquilo. Mas continuamos atados. O meu discurso aqui foi embora. Eu não sou de falar muito, escrevendo e hoje eu quis escrever, mas, na verdade, o que eu escrevi hoje fica falso porque não sei se nós estamos demonstrando fortaleza ou fraqueza porque estamos sendo de alguma maneira lapidados. Nós temos menos força do que o Poder Executivo, Judiciário, do que o Estado. Mas não nos falta a vontade de correr atrás. Nos convidem. Vamos juntos. Nós não merecíamos ter um projeto pronto, para discutir o que faz com o resto do terreno e com o resto da construção que foi iniciado. Isso eu sinto meio que como uma rasteira porque nós não teríamos um projeto desenhado, no momento em que o nosso conselho ainda vai discutir isso. Estranho? É um pouco entranho. Talvez a geração para que nós estamos lutando, ainda não tenha nascido. Dá para pensar nisso? Talvez um termo que não seja muito forte para chamar, que nós estamos promovendo nessa discussão, é um aborto cultural. Nós estamos pisando, nesta Casa de Leis, na lei que define aquele espaço como espaço cultural”, disse.
Também membro do Conselho Municipal de Cultura e participante de uma comissão criada para defender a execução do projeto original de construção do Centro Cultural, na forma que foi projetado, a advogada Mirian Guimarães, fez um relato da forma como se deu a documentação do Centro Cultural. “Nós fizemos uma comissão da sociedade civil para defender o espaço cultural. Eu fiz um estudo com relação à lei, desde a origem do terreno. Esse imóvel foi adquirido por desapropriação amigável. O imóvel foi destinado para a cultura, para a construção de um espaço cultural. Veio com dotação orçamentária da cultura. Quando ele foi passado para Unicentro foi dito na lei que a doação seria para continuar com o espaço cultural, com a construção do espaço cultural. O terreno é do município. A construção é do Estado. Foi dito [pela administração municipal] que existia uma aquisição e por isso que não podia esse imóvel voltar. Não pode a benfeitoria voltar. Nós operadores do Direito sabemos que se voltar, volta tudo. Inclusive a lei, sem necessidade de indenizar. A minha maior indagação é que voltou terreno e não voltou a benfeitoria. O projeto original é além do teatro, pega o terreno aonde está sendo proposto a doação para o Judiciário. Vai ter que fazer uma alteração na construção. Não mudar esse projeto, qual a legitimidade que o município tem para mudar esse projeto, se este projeto não é do município? Então, o município não tem legitimidade para fazer a doação, por conta de que o município não pode mexer no projeto”, explica.
A vice-presidente da ALACS, Luiza Nelma Fillus, destacou a importância de ter o teatro finalizado e pediu ao prefeito para que encontre um outro terreno para o TJ-PR. “Conceda outro terreno, de igual mérito, de igual valor para o Poder Judiciário. Até melhor. O prefeito Jorge é uma pessoa extraordinária. Ele vai fazer, Ieda [se dirigindo à vice-prefeita], vocês vão fazer. Eu acho que [o terreno] é integralmente destinado à cultura de Irati e da região, do mundo, e deverá ser utilizado 100% na cultura”, disse.
Esta não é a primeira opção que a Prefeitura de Irati propõe para o Tribunal de Justiça. Outras opções foram recusadas anteriormente. O TJ-PR recusou tentativas de doação de terrenos próximos à Avenida Perimetral João Stoklos, onde está localizado o Fórum Eleitoral e outros órgãos do município devido aos locais serem em áreas propensas a alagamentos. O fato é contestado pelo prefeito Jorge Derbli que explica que várias drenagens foram feitas no Rio das Antas, que corta a região.
Representando a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Irati, o advogado Mário Cézar Pianaro Angelo (Marinho), falou que é preciso “olhar o céu para ver as estrelas e não só a luneta”. “É lamentável que seja essa situação. O ideal é que a obra tivesse sido concluída. Como disse o João [Almeida- secretário de Saúde], na apresentação inicial, naqueles dez meses que estavam previstos. Não estaríamos aqui discutindo isso. Esse era o mundo ideal. Mas nós temos que olhar o mundo real. Também, de repente, se criou a luneta e eles ficaram só olhando para luneta. Esqueceram de olhar para as estrelas. De repente, nós estamos aqui só olhando para um projeto, vamos nos apegar a um projeto, vamos brigar por um projeto que não existe, que é só um papel, que não está trazendo benefício nenhum para a cultura de Irati. Pode ser mantido. A decisão ao final vai caber ao prefeito Jorge mandar esse projeto para a Câmara. A soberania popular, através dos vereadores, de aprová-lo ou aprová-lo”, afirmou.
O presidente da Associação Comercial e Empresarial de Irati (ACIAI), o advogado Renato Hora, em um pronunciamento breve, disse que a entidade apoia a doação para o fórum uma vez que está sendo preservado o projeto do teatro. No entanto, ele condiciona este aval à preservação do “brilho do teatro” no percurso para este fim. “Ante dessa sensibilidade que temos, ouvindo os apelos de uma entidade e do Poder Judiciário, considerando tudo aquilo que aqui foi dito, no sentido de que parte do imóvel, uma vez destinado ao Poder Judiciário, não inviabilizaria, em tese, a execução do projeto originário, considerando também a palavra que dita, no sentido de que o Poder Judiciário envidaria esforços para que o projeto originário fosse executado no imóvel, aqui discutido, considerando também a palavra dita pelo chefe do Poder Executivo, no sentido de que o município, de igual modo, também estaria focando esforços para que uma vez ali nessa área supostamente, ou pretensamente destinada ao Poder Judiciário, uma vez ali instalado de forma concomitante, existisse uma atenção para que o projeto Centro Cultural fosse erigido tal como inicialmente foi desenhado, a Associação Comercial é favorável à iniciativa do Poder Executivo, com a condição de que o brilho do Centro Cultural não se perca ao longo do caminho até a execução deste mundo ideal que foi comentado”, declarou.
Após as falas da mesa de autoridades da audiência, foi aberto a palavra para a plenária e cada pessoa que se inscreveu antes teve dois minutos para se manifestar. Antes, a Najuá ouviu a opinião de membros desta comissão de Cultura: além do próprio Herculano, a artesã e integrante do Conselho de Cultura, Milene Aparecida Galvão, o professor Rafael Ruteski, que já foi secretário de Cultura de Irati na gestão do ex-prefeito Sérgio Stoklos, a artista plástica, professora membro da ALACS, presidente do Grupo de Teatro Ir a Ti/Unicentro e ex-secretária da Cultura, Claudete Basen.
Entre os participantes da audiência esteve o médico Cassio Olavo Carvalho que falou da importância de se manter o sonho de ver o teatro concretizado. “Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, queria que vocês levassem às suas casas, na volta desta audiência pública, que existe um sonho aqui. Se aquele local foi posto para a população iratiense e da região como um sonho, deixe o sonho. É o sonho que tem carregado esta pujança cultural. Não amasse este sonho. Não há razão. Este é o sonho! Deixa isso lá. É muito cedo. O terreno acabou de voltar. Nós conhecemos essa história, foi para universidade, foi para o Unicentro. Não ia sair. Não saiu. Voltou agora esse terreno para prefeitura. É cedo para fazer alguma coisa. Jorge, eu entendo a prefeitura. Às vezes, é difícil não ceder ao primo rico, o Judiciário está com orçamento enorme. O Dr. Carlos já confessou isso – que é do nosso orçamento que vai sair a obra. Vamos achar outro lugar. Já foi. Já tem terreno. É possível que com este orçamento judiciário possa achar um ou dois engenheiros que, se não confiarem na sua palavra que lá não alaga, vão fazer uma obra à prova d’água. Se você levarem isso para suas casas e não conseguirem manter o sonho da população de Irati e região, fica para Ronaldão [presidente da Câmara de Irati]. Ronaldão, vai ficar nas tuas mãos, na tua Casa”, disse.
Aluno do curso de Direito, Luis Fernando Marcelino dos Santos, defendeu o ponto de vista dos advogados. “Meu nome é Marcelino. Eu falo aqui como cidadão e estudante de Direito. Primeiramente, eu gostaria de parabenizar o Judiciário aqui pela soma de forças que vem dar para cultura nesse momento. Com questão ao teatro, é de extrema importância, que o todo é mais importante que a somas de suas partes. Quando nós estamos falando no todo é a conclusão do teatro. Como que vai chegar a isso, é outro caminho. Esse caminho com o Judiciário vai ser muito mais facilitado do que hoje. Como nós estamos vendo que é uma obra abandonada. A população sendo jogada contra a classe artística, por causa que muitos falam, mais um elefante branco lá em cima para ser terminado”, conta.
E por fim, a secretária de Cultura e Turismo, Samanta Regina dos Santos Ferreira, se pronunciou favorável à doação. “Não é humilhação nenhuma você dar um passo para trás. Não é humilhação. Eu prefiro ver mil vezes nós estarmos lembrando do Centro Cultural Denise Stoklos, como ‘Qual será o próximo espetáculo que vai acontecer lá?’. E ele estando num pedaço menor do que 20 anos, 30 anos, 50 anos, ele estar sendo lembrado como um elefante branco, uma obra parada”, disse.