Prefeitos da região da Amcespar decidiram aguardar antes de conceder o aumento de 33,24% anunciado pelo governo federal. Receio é que a concessão de aumento possa comprometer a Lei de Responsabilidade Fiscal dos municípios/Karin Franco, com reportagem de Paulo Sava e Rodrigo Zub
Presidente da Amcespar e prefeito de Inácio Martins, Junior Benato, diz que situação orçamentária dos municípios inviabiliza pagamento do reajuste de 33% no salário dos professores. Foto: Paulo Sava |
Os prefeitos da Associação dos Municípios do Centro-Sul do Paraná (Amcespar) decidiram aguardar antes de conceder o aumento de 33,24% do piso nacional para os professores. A decisão foi tomada em uma reunião virtual na última semana. No início deste mês, presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, assinaram a portaria nº 67/2022 concedendo o aumento do piso nacional para professores da Educação Básica, fazendo com que a remuneração mínima seja de R$ 3.845 em todo o País.
O receio dos prefeitos é que a concessão do aumento dos professores possa comprometer as contas públicas do município e fazer com que alguns caiam na chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que pode punir os gestores que descumprirem a legislação com multa e cassação de mandato.
Outro fator alegado pelos prefeitos é o orçamento dos municípios que não teriam recursos para conceder aumento com este percentual. “Ninguém é contra o aumento dos professores, bem pelo contrário, nós temos que valorizar o profissional. Agora, muitos municípios não vão conseguir cumprir o 33,24%”, afirma o prefeito de Inácio Martins e presidente da Amcespar, Junior Benato.
Para os prefeitos, há uma insegurança jurídica para conceder o aumento. “Nós sabemos que temos diferença de município, inclusive de arrecadações, de transferências de recurso, mas existe hoje um piso que ainda ele está sobre uma insegurança jurídica. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] existia. Ele foi extinto. Foi novamente redigido Fundeb. A lei do piso, que é lá de 2008. Existe uma nova lei do piso. Então, são várias leis que vieram ali que nós não temos uma definição jurídica. O que vale agora? O aumento de 33%. Aonde que está escrito que é o 33%? Será que a portaria interministerial do presidente tem força de lei para instituir isso aí ou será que o Twitter que o presidente tuitou sobre os 33,24% tem força de lei?”, disse Benato.
O presidente da Amcespar explicou que a dificuldade de pagamento ocorre por diferenças de reajustes que os municípios têm acesso. “O piso instituído desde 2009 até agora 2021, ano passado, o percentual do piso subiu 204%. Preste bem atenção à disparidade dos valores. O Fundo que compõe o Fundeb que é o nosso Fundo que aporta dinheiro para pagamento dos profissionais, e agora ampliou para toda essa cadeia de profissionais, podem ser os motoristas, podem os administrativos de escolas, podem ser até os profissionais de serviços gerais e os professores, o Fundeb que cresceu 143% nesse período. A inflação, 104%. Vejam que o funcionário que é reajustado pela inflação ganhou 104%, o Fundeb subiu 143% e o piso nacional 204%. Quem que vai conseguir cumprir isso aí?”, questionou o prefeito de Inácio Martins.
A mudança da destinação do Fundeb é uma das dificuldades apontadas pelos prefeitos que reconhecem que houve aumento, mas ainda insuficiente diante da quantidade de profissionais. “Existe mais dinheiro para o fundo? Existe. Porém, o fundo era exclusivamente para pagamento de profissionais-professores e agora não. Ele abrangeu para pagamentos como motorista, como administrativa das escolas, como serviços gerais, como merendeiras. Então, foi abrangente maior número de profissionais”, relata.
Durante a pandemia, a arrecadação de muitos municípios foi afetada, mas agora o orçamento começa a ficar equilibrado. Mesmo assim, há o receio de que a arrecadação não seja suficiente para o cumprimento do piso. “Nós temos agora uma situação favorável da retomada do crescimento da economia. Quem que garante que vai ser um orçamento de sucesso e vai garantir o pagamento do piso? O levantamento diz que nem a metade das prefeituras no estado do Paraná conseguirão cumprir o piso mínimo salarial porque esbarra na lei de responsabilidade fiscal. Você não pode ultrapassar o limite prudencial das folhas de pagamento”, conta o presidente da Amcespar.
Apesar do aumento do valor do Fundeb, Benato lembra também que o fundo é formado com arrecadações de municípios, estados e União. “69% que compõem o Fundeb é do ICMS que é gerado no estado e nos municípios. E outros fatores de transferência que são gerados nos estados e municípios. O Governo Federal praticamente não aporta recurso nenhum para pagar o piso. Os recursos são gerados nos estados e principalmente nos municípios”, explica Benato.
O presidente da Amcespar explica que há um vácuo na lei e que isso gera as discussões e incertezas ocorridas com o aumento do piso. “Se realmente a Lei e o artigo da emenda constitucional nº108, o artigo nº 212-A, do inciso 12º, fala que lei específica disporá sobre o piso, que vai nortear o piso. Só que ainda nós não temos essa lei específica. Então não temos segurança jurídica de instituir o piso nesse momento”, destacou.
Os prefeitos estão inseguros de dar o aumento com receio que ocorra a mesma situação do ano passado quando os prefeitos tentaram dar um aumento para os servidores públicos. Os prefeitos tiveram que retroceder do reajuste após o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) voltar atrás de uma orientação feita aos municípios que permitia esse reajuste, mesmo tendo uma lei que proibia o reajuste na pandemia. O ato ocorreu após um posicionamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que cassou algumas decisões do Tribunal que permitiam o reajuste durante a pandemia. “O Tribunal de Contas tinha dado um parecer favorável para a composição do inflacionário. Só que veio uma decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes proibindo dizendo não, não pode e a gente que teve que fazer suspensão rapidamente durante três, quatro meses do ano passado, então criou-se uma insegurança jurídica”, explicou Benato.
O presidente da Amcespar destacou a dificuldade tomar uma decisão em meio à insegurança jurídica. “Além dessa insegurança de cumprir o piso de 33,24%, nós temos a situação também que é a dessa insegurança jurídica. Qual é a segurança que nós temos, a lei que norteia isso aí? Igual a lei 173 que o Tribunal de Contas diz que sim e o ministro diz que não. Qual que é a lei que está falando deve ser feito?”, indagou.
Por isso, os prefeitos estão aguardando para verificar se haverá uma lei ou uma decisão para que o aumento possa ser concretizado. “Nós estamos aguardando alguma coisa que nos dê segurança de instituir o piso. Se ele realmente prevalecer, vamos ter que fazer. Quem sabe dispensando outros tipos de funcionários, médicos e outros profissionais, cargos comissionados, para poder cumprir e não ultrapassar o nosso limite prudencial”, avalia Benato.
Um dos temores é que o aumento tenha uma influência muito significativa nos orçamentos dos municípios. “25 a 30% das folhas de pagamento das prefeituras são em cima do magistério. São em cima dos profissionais da educação. Porque eles são maior número da categoria, são os professores. Isso vai dar um impacto muito grande e alguns municípios vão atingir o limite prudencial em folha de pagamento”, disse.
Benato destaca que os prefeitos estão em uma gangorra onde esperam que algo concreto possa ajudar na decisão. “De um lado você trabalha contra não infringir a lei de responsabilidade fiscal e o outro lado é cumprir o que vem de determinação, se tiver lei específica para isso que é a do piso nacional do profissional”, afirmou.
Os municípios estão seguindo a orientação dada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) que apontou essa insegurança jurídica no aumento e pediu que fosse dado um reajuste inflacionário. “É isso que a CNM está nos falando. Ela dá instrução que durante esse período, para que não tenha nenhum ganho, que o profissional deixa de ganhar, que a gente dê o índice inflacionário e os municípios fizeram”, disse.
Benato explica que a CNM tem trabalhado para que o reajuste seja de acordo com a inflação. “O indexador que norteia o inflacionário, que não tenha perda, é o IPCA ou INPC, que varia muito pouco uma coisa da outra. Nós precisamos do indexador, que tenha um indexador que norteie a subida de um valor do piso. Assim como é feito no salário mínimo, assim como é feito os indexadores quando eles colocam quanto que foi de inflação, quanto subiu o produto, tem que ter um indicador. Essa é a negociação da CNM”, explica.
O presidente da Amcespar ainda destacou que caso os sindicatos entrem na Justiça e os municípios sejam obrigados a pagar o reajuste, a situação ficará mais fácil de ser atendida porque haverá uma decisão jurídica sobre o assunto. “O que nós vamos se nortear? Pelo Twitter do presidente que declarou? Pela nota de esclarecimento do MEC? Pelo parecer da Advocacia Geral da União? Ou por uma portaria interministerial? Nenhum tem força de lei. Agora, se o sindicato entrar contra os municípios e ganharem, pelo menos tem uma segurança jurídica de cumprir. Porque aí tem um julgamento do juiz que diz cumpra-se ou não se cumpra. Nós somos precisamos exatamente disso”, disse.
Em Inácio Martins, os aportes na saúde ajudaram o município a conseguir melhorar alguns serviços e com o transporte escolar parado, foi possível reformar algumas escolas. Mesmo assim, o prefeito de Inácio Martins diz que com a volta das atividades presenciais, há receio se haverá orçamento para cobrir todas as despesas. “Nós tivemos um aporte financeiro na saúde. Isso foi bastante polêmico, nós encorpamos o nosso sistema de saúde. Então, conseguiu equilibrar nossas contas. Nós tivemos uma economia na parte educacional porque não tivemos o transporte escolar funcionando. Nós não tivemos despesa de merenda escolar nas escolas. Nós podemos dar férias para muitos professores e colocar tudo em ordem. E sobrou recurso para nós reformarmos as escolas que nunca tinha nem oportunidade de tempo, nem recurso financeiro para reforma das escolas. Nós conseguimos fazer esse trabalho. Nós tivemos um equilíbrio financeiro, porém agora volta à normalidade, então não sabemos, nós dependemos da economia”, conta.
Ainda na área de educação, a prefeitura de Inácio Martins deve continuar com o pagamento de transporte universitário para quem cursa faculdade em outros municípios. Uma associação de estudantes foi criada para que o município possa auxiliar financeiramente quem estuda em outras cidades. “Há três anos seguidos, nós estamos aportando meio milhão de reais. R$ 500 mil, para custear o transporte escolar dos universitários, no valor total de R$ 577 mil anual. O município mensalmente deposita para a Amiu, que é a Associação Martinense dos Estudantes Universitários, determinado valor, que eles pagam o transporte escolar. Isso gera uma mensalidade no transporte ainda para eles, em torno de R$ 60 a R$ 70, bem acessível. Custa R$ 577 mil no ano. O município aporta R$ 500 mil, depositado mensalmente, fracionado durante os meses letivos e os alunos custeiam o restante que seria R$ 77 mil, em uma mensalidade de aproximadamente R$ 60 por mês, um valor muito baixo”, afirma.
Na região, os municípios ainda enfrentam problemas com o transporte escolar, com atrasos e dificuldades. Em Inácio Martins, ocorre o mesmo problema, principalmente com os Colégios Cívico-Militares. “A maior parte dos nossos municípios ganhou o Colégio Militar. Foram votados, uma audiência pública, votação, eles foram instituídos na nossa Regional. Acho que seis municípios ganharam Colégios Cívico-Militar. Ele tem horário diferenciado. As aulas são maiores, são mais extensas, eles entram às 6h50. O do município entra às 7h30. Tem uma lacuna entre 6h50 e 7h30. Onde que vai ficar esse aluno? Que é a dualidade. Eles entram no mesmo ônibus. O que vai para o cívico-militar ou, às vezes, aqueles que vai para o Estadual, porque tem as escolas estaduais, e aqueles que vai para o município”, conta.
Para o prefeito, a dificuldade é que os municípios não recebem recursos suficientes para realizar o transporte escolar. “O município tem os seus alunos, o cívico-militar e o Estadual. Às vezes, eles dão até 50%. Os governos não transferem 30% do gasto no transporte escolar. Como é que nós vamos bancar? Mais uma conta que é das prefeituras. Nós estamos bancando o que é de responsabilidade do Estado e da União também que tem a responsabilidade”, disse.