Professora da instituição foi afastada e está impedida de atuar na APAE após um vídeo ter registrado ela puxando o cabelo e empurrando a aluna para dentro da sala de aula
A reportagem da Najuá procurou os pais da aluna Luana Yoshitomi, de 19 anos, que teria sido agredida por uma professora da APAE de Irati, no dia 15 de maio. Além deles, foram procurados o Delegado Rafael Rybandt, responsável pela investigação do caso, a direção da APAE, a secretaria de Estado da Educação (SEED/PR) e a defesa de Cleonice Aparecida Alessi Glinski, que foi flagrada puxando o cabelo da aluna e a empurrando para dentro da sala de aula em vídeo que passou a ser compartilhado na manhã de segunda-feira nas redes sociais, principalmente em grupos de WhatsApp.
O Professor Daniel e a médica Daniele Yoshitomi, que são pais de Luana, disseram que receberam a denúncia sobre o que havia ocorrido com a filha na instituição na noite do dia 23 (quinta-feira passada) de forma anônima. “Nós não tínhamos nenhum tipo de conhecimento do que estava acontecendo com a nossa filha dentro da instituição. No dia 24, na sexta-feira de manhã, nós procuramos as autoridades para fazer uma investigação para ver o que estava ocorrendo. Na verdade, não recebemos nenhum tipo de notificação da escola assim da parte da direção pedagógica. Somente da parte da presidência da APAE [diretor-social Fernando Amaral] que eu entrei em contato com eles, mas da direção da escola em momento nenhum recebemos algum tipo de notificação ou perguntar como que a Luana estava ou se está tudo bem com a gente”, afirmou Daniel.
Ouça abaixo o áudio completo da reportagem que foi ao ar no programa Meio Dia em Notícias desta quarta-feira falando sobre o assunto
O Delegado Rafael diz que já ouviu alguns funcionários da APAE, testemunhas e realizou diligências para concluir o inquérito policial. “Até o momento [terça-feira] foram ouvidas 11 testemunhas, dentre elas servidores da APAE, testemunhas que presenciaram a situação e demais pessoas que tinham algo para acrescentar. As testemunhas que constam no vídeo, elas somente informam o que a gente consegue ver que a Luana foi contida, ela foi empurrada para dentro da sala e depois a porta é fechada. Uma das testemunhas, inclusive ela passa mal a após ter presenciado a situação”, afirma o Delegado.
Rafael afirma que a gravação do vídeo que foi compartilhado nas redes sociais foi feita pelo próprio sistema de monitoramento da APAE instalado como uma maneira de segurança do local e não porque havia alguma suspeita de agressão. “O sistema de vídeo monitoramento acaba auxiliando nessas situações para que a gente consiga verificar efetivamente o que aconteceu. A imagem nos ajuda muito nestes casos, mas não havia suspeitas de outras agressões. Inclusive porque a denúncia chocou todas as pessoas que trabalham e que frequentam o local”, salienta.
O Delegado disse que não há como antecipar uma punição que pode ser aplicada porque o caso está sendo investigado. A professora deve ser ouvida em breve para dar sua versão dos fatos. “Em contato com a equipe de advogados da professora, eles informaram que ela tem interesse em dar sua versão do ocorrido para esclarecer a situação. Tudo indica que isso acontecerá essa semana ainda, mas já podemos adiantar que a diretoria da APAE já afastou ela das funções”, relatou Rafael.
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Em nota repassada à nossa reportagem, a SEED informou que o contrato de prestação de serviços da professora foi cancelado na segunda-feira. Por isso, ela está impedida de trabalhar na instituição. O documento foi expedido pela SEED após envio do protocolo do Núcleo Regional de Educação de Irati.
O Delegado afirma que o prazo para conclusão da investigação é de 30 dias, mas acredita que os trabalhos da polícia judiciária devem ser concluídos ainda nesta semana. “Ao final dos trabalhos de polícia judiciária vai ser elaborado um relatório que contém todas as diligências e que vai subsidiar o Ministério Público para oferecimento ao longo da denúncia”.
A aluna tem Síndrome de Down, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e é uma pessoa não verbal, ou seja, não se comunica por meio da fala. Daniel contou a condição de sua filha. “Quero ressaltar que a nossa filha nunca apresentou nenhum tipo de agressividade. Temos conhecimento que existem pessoas com autismo e até mesmo com Síndrome de Down que podem desenvolver algum tipo de agressividade como qualquer outra pessoa. É uma coisa inerente do ser humano, mas não é o caso da nossa filha”, afirma o pai de Luana.
Ele solicita que câmeras de segurança sejam instaladas dentro dos colégios como forma de proteger alunos e professores. “Eu também sou professor no Estado e a gente tem câmeras dentro das salas de aula [onde eu trabalho em Fernandes Pinheiro]. Eu acho que isso é importante tanto para mim como profissional quanto para os meus alunos. Então é uma bandeira que a gente quer levantar, principalmente quando tem pessoas que são não verbais que é o caso da Luana. A Luana não saberia contar se sofreu algum tipo de agressão, se alguém puxou o cabelo dela, se alguém deu um tapa na cara dela, ela não saberia contar. Por isso que nos abala porque a gente tinha 100% de confiança na instituição”, disse Daniel.
A mãe de Luana afirma que os pais nunca foram chamados na APAE em função de algum problema com a filha. Ela disse que a última vez que esteve na escola foi durante uma apresentação do Dia das Mães.
“Proporcionamos todas as terapias que existem na cidade. Ela tem acompanhamento psicológico, psicopedagógico, fisioterapia, terapia ocupacional, a terapia de psicomotricidade o que tiver a Luana está fazendo. Nunca chamaram para dizer nada que estava difícil [o contato com ela]. Isso também causa um estranhamento maior ainda”, relata Daniele.
Os pais de Luana são de Curitiba e moram em Irati há três anos. Daniel relata quais instituições sua filha já frequentou. “A Luana quando estava em Curitiba frequentava uma escola municipal. Chegando aqui fomos muito bem acolhidos no município e ela também foi para uma classe especial, mas quando ela atingiu a maioridade acharam melhor a Luana ir para a APAE por causa da questão da idade dela é uma questão de burocrática”, conta o pai da aluna.
Os pais afirmaram que não levaram a filha mais para a APAE depois que tomaram conhecimento da situação ocorrida com a professora. Eles solicitam que algumas medidas sejam tomadas, entre elas, a troca da equipe pedagógica da instituição. “A falha que eles cometeram acho que não tem desculpa. Não estou dizendo vamos mandar embora, mas eu acho que esses profissionais deveriam procurar um outro local de trabalho dentro da APAE. Para que as pessoas possam entender uma pessoa com deficiência intelectual que não fala, ela não vai para uma balada. Ela não vai para um lugar fazer novas amizades, ela não tem aonde procurar seus amigos a não ser na APAE. Então a gente quer sim mandá-la novamente para a APAE, onde estão os amigos dela. A gente quer que ela continue tendo uma vida social, porque no momento ela está em casa na frente da televisão. A gente sabe que não é um lugar saudável para ninguém ficar somente nessa tela e dentro de casa”, reforça Daniel.
Daniel também questionou o fato de a direção não ter tomado nenhuma atitude após a situação envolvendo a professora ter ocorrido no dia 15 de maio, pois ela continuou atuando até essa semana, quando o caso veio a público com a divulgação do vídeo. “Não foi tomada nenhum tipo de providência. Isso que mais dói porque se tivesse sido tomado qualquer tipo de providência, a gente saberia que medidas teriam sido tomadas e não teria perdido a confiança na competência das pessoas que estão ali. Ser humano é passivo de erro, mas agora não acontecer nada. Não sabemos se esse erro continuou ao longo do tempo porque infelizmente ficamos sabendo quase oito dias após ocorrido”.
Os pais ainda disseram que o caso deve servir como uma forma de reflexão. “Acho que houve uma falha profissional e não tem a ver com a amizade e não tem a ver com querer mal. É uma questão de necessidade precisamos de pessoas mais preparadas em cargos importantes pra que isso não aconteça”, afirmou Daniel.
Posicionamento da APAE e da SEED: A reportagem da Najuá entrou em contato com a diretora da APAE de Irati, Eliane Pires Filipaki, que se colocou à disposição para responder os questionamentos na próxima segunda-feira.
Já a Secretaria de Estado da Educação (SEED) disse por meio de nota que a gestão interna das APAEs é autônoma e determinada pela Federação das APAEs. “No caso em foco, a SEED-PR responde somente pela professora PSS envolvida na situação, haja vista tenha sido contratada em caráter temporário pela instituição. Questões referentes ao número de alunos por turma, atendimento dos professores, etc, são articuladas diretamente com a Federação da APAEs”.
Defesa da professora: A defesa da professora Cleonice Aparecida Alessi Glinski também foi procurada por nossa reportagem e se manifestou por meio de uma nota. Ela diz que a profissional está “abalada com a reação pública agressiva” que está sendo feita pela forma como o assunto foi apresentado em reportagens. Por isso, a defesa afirma que a professora não está em condições de se pronunciar pessoalmente. ”Porém, é fato que a abordagem da situação, está se dando de forma extremamente simplista, superficial e fora de contexto. Cleonice é pedagoga com mais de 26 anos de atuação junto à APAE de Irati, contra quem jamais houve qualquer apontamento negativo que fosse. É esposa, mãe e profissional de conduta irretocável”, diz um trecho da nota.
Em relação ao fato ocorrido com a aluna, a defesa da professora alega que ela foi contida porque estava saindo da sala de aula e poderia se deslocar para espaços que ofereciam risco a ela, como tanques que existem no terreno da APAE ou à beira da estrada onde fica a instituição, que tem sua sede na área rural do município. “Não existiu em momento nenhum, intenção de maltratar e sim, apenas de conter a aluna. Embora a forma de contenção não possa parecer a mais adequada ao momento, é certo que foi a única possível, notadamente para uma senhora de 61 anos, já com mobilidade reduzida, observando que não havia intenção em puxar o cabelo da aluna e sim, em segurá-la, da forma que fosse possível, considerando que tal aluna já empreendeu fuga em outras oportunidades e colocou sua vida em risco. O julgamento público ao qual Cleonice está sendo exposta, é algo ilegal, excessivo e abusivo, na medida em que seu nome e sua imagem estão sendo achincalhados. Ou seja: Cleonice foi exposta, processada e julgada pelo público, por conta de informações que a colocam como uma criminosa, sem que sequer tenha sido apurada sua culpa”, diz outro trecho da nota assinada pelos advogados Ana Carolina Kasprzak Zarpelon Bedim, Caroline Oleinik do Prado, Camila Kurek, Eliza C. Hilgemberg e Fabrizzio Matte Dossena.