Casos de pessoas que tiveram Covid-19 sem anticorpos ou com baixa quantidade foram constatados durante projeto experimental de uso de plasma em Irati/Karin Franco, com reportagem de Jussara Harmuch e Paulo Sava
Bolsas de sangue coletadas em Irati. Foto: Rodrigo Zub |
Pacientes que tiveram coronavírus podem não apresentar anticorpos em alguns casos. A médica Larissa Mazepa, do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar) de Irati, que desenvolve uma pesquisa no município utilizando um plasma no tratamento dos infectados, relata que tem visto alguns casos na região onde não há presença de anticorpos ou o número é muito baixo, mesmo que a pessoa tenha sido diagnosticada com a doença.
A constatação foi feita durante a realização de um projeto experimental que usa o plasma no tratamento de quem teve Covid-19 e está recuperado. O objetivo é usar nos pacientes o plasma dos pacientes que estavam infectados, mas que ainda possuem anticorpos após a cura da doença. O sangue é coletado e processado, para a obtenção do plasma com anticorpos. “Nós temos imunoglobulinas humana que são os IGs. Essas imunoglobulinas humanas são as células de defesa e elas podem carregar os anticorpos para dentro do nosso organismo. E é isso que a gente faz. A gente retira o anticorpo daquela pessoa que já teve Covid para colocar num paciente que está precisando desses anticorpos”, explica a médica.
Mas para isso acontecer é preciso ter um valor mais alto de anticorpos no organismo para que o plasma tenha efetividade. “No Hemepar são realizados os testes de IgG, que é a memória antiga – o IgM é da fase aguda e o IgG são os anticorpos de memória que temos. O dado de corte, ou seja, para que uma bolsa possa ser utilizada precisamos ter um index de IgG de 1,4. Quem não atinge o 1,4 a bolsa é descartada porque é muito pouco anticorpo. Só para terem ideia, nós já recebemos bolsas e já passamos para pacientes com até 9,37 de index. Então, varia bastante realmente. Mas uma bolsa para ser considerada uma bolsa boa varia entre 4 e 5”, disse Larissa.
Entretanto, cerca de 30% das bolsas coletadas na região não puderam ser usadas porque não atingiram o index de anticorpos acima de 1,4. Um dos casos aconteceu com quatro moradores de Guamiranga que fizeram os exames e viram que não tinham anticorpos suficiente, inviabilizando a doação.
Outro caso foi da funcionária da Rádio Najuá, Vânia Andrade, que foi contaminada em novembro do ano passado e foi reinfectada novamente em março. Ela tentou fazer a doação de plasma logo após se recuperar da doença no ano passado, mas recebeu a notícia da médica de que não tinha anticorpos. “Ela falou: ‘Olha, você teve a doença da forma mais leve possível porque você não conseguiu adquirir anticorpos’. Eu não sei se isso é sorte ou azar, mas pelo menos o que eu tive foi fraco”, conta Vânia.
A médica acredita que possa ter algumas explicações para a não presença dos anticorpos. “Talvez as pessoas aqui na nossa região, como nós temos uma variação enorme de temperatura, as pessoas estão mais habituadas a ter gripe – a gripe normal, comum e corrente – acabam nem gerando anticorpos. Eles passam por doenças e não geram anticorpos. E eu imagino que de tão leve que foram os sintomas [da Vânia] foi isso que aconteceu não reconheceu e não gerou anticorpos”, explica Larissa.
Agora, Vânia deve esperar cerca de 30 a 35 dias para fazer uma nova coleta e verificar se há anticorpos suficientes.
Doença: Assim como na primeira vez no ano passado, a funcionária da Najuá teve sintomas leves da doença na segunda reinfecção. Os sintomas foram tão leves que ela quase se confundiu com uma rinite na primeira vez que foi contaminada. “O máximo de sintomas que eu tive foi uma dor de cabeça muito fraca. A primeira vez eu soube porque começou a arranhar a minha garganta, aquela irritação na garganta e aquela sensação de que minha rinite estava atacada”, contou. Com os sintomas, Vânia realizou o teste RT-PCR e confirmou o resultado positivo.
Na segunda vez, a reinfeção aconteceu por causa do seu marido, Jordani Andrade, que também foi contaminado. “Entre as duas vezes que eu tive, a única diferença foi que desta vez eu não consegui cheirar, não conseguia sentir gosto de nada. Perdi olfato e paladar. Foi o único sintoma assim maior que eu tive, que eu pude sentir, que realmente eu estava com a Covid”, disse.
Já seu marido teve um quadro diferente, com sintomas mais agudos. “Ele falou que doía cada músculo do corpo dele. Muita dor de cabeça, diarreia. Inclusive, por último agora, depois que tinha passado todo o período de isolamento, nós verificamos que o cansaço extremo e demasiado dele é porque ele teve deficiência de sódio no sangue. Ele teve que inclusive ser internado porque isso estava se tornando grave”, explicou Vânia. Após internamento ele conseguiu repor o sódio e se recupera em casa.
A funcionária da Najuá relata que a doença deixou consequências como queda de cabelo e perda de memória. “Eu tenho muitos casos de esquecimento que eu acredito que seja consequência da Covid”, disse.
Vânia reforça que é preciso redobrar os cuidados, mesmo que a pessoa já tenha sido contaminada. “Mesmo a gente tendo tomado tanto cuidado, usado máscara, estar protegido com álcool, até o ponto de ficar cheirando o tempo todo de tanto que tá jogando na mão, se cuidando, e mesmo assim a gente contraiu essa doença. Imagina se você não se cuidar”, relata.
Reinfecção: Oficialmente, Irati não possui registros de reinfecção, mas os casos podem estar subnotificados. O material genético coletado nos dois exames de RT-PCR feito pelos pacientes não foi guardado, impossibilitando o sequenciamento genético dos materiais e a confirmação da reinfecção.
Larissa explica que no Hemepar os materiais coletados para exame das bolsas de sangue são armazenados em uma soroteca, uma espécie de biblioteca de matérias que os conserva por quase 15 anos. “A gente guarda uma amostra de sangue numa geladeira enorme que tem em Curitiba e se, por acaso, aquele paciente precisar de algum estudo do seu sangue de 15 anos atrás a gente ainda consegue recuperar. E essa soroteca, que deveria existir também para o Covid, acabou-se não se fazendo porque era um atropelamento tão grande na tentativa de fazer mais e mais exames que não se guardou”, disse.
Para a médica, a partir de agora o material deve ser guardado. “A partir de agora eu imagino que deve ser guardado em uma soroteca esse encaminhamento genético para podermos determinar os casos de reinfecção, se são os mesmos tipos de vírus e a partir deste vírus criar novas vacinas”, explica.
Larissa ainda reforça que é preciso manter os cuidados de prevenção, mesmo para quem já foi vacinado para evitar novos casos. “A gente pode ser portador assintomático e nem todas as pessoas da nossa família foram vacinados. Além de tudo, a gente não sabe como vai se comportar esse vírus, qual a variação que ele vai ter e será que a nossa vacina ainda vai estar resistente a nova variantes que vão vir?”, conta.
Pesquisa com plasma: A pesquisa com plasma é um projeto experimental que está sendo aplicado em todo o estado pelo Hemepar estadual desde junho do ano passado. Ainda não comprovação do tratamento e os resultados não foram publicados. A expectativa é que os primeiros resultados sejam publicados em junho deste ano.
Contudo, resultados preliminares já são vistos na região. “Nós fizemos um levantamento prévio até o mês passado, nós tivemos 55 pacientes que receberam plasma hiperimune com um índice de alta hospitalar de 91,5%. Ele teve um índice bastante alto aqui na região. A gente tomou cuidado de que, infelizmente, nem todos os pacientes que tiveram Covid receberam, porém, aqueles que se enquadravam dentro dos estudos da Dr. Claudia [que lidera o estudo no Paraná] receberam e receberam alta graças a isso”, conta Larissa.
O Hemepar de Irati continua coletando plasma de quem já teve Covid-19. As coletas de plasma são feitas todos os dias pela manhã e precisam ser agendadas. As coletas normais de sangue também são agendadas, mas realizadas somente no período da tarde. O telefone para informações e agendamento é (42) 3422-3119 ou (42) 9-9955-3539.