Em entrevista à Najuá, Reinaldo Kneib explicou o que tem ocasionado esses fenômenos climáticos e quais consequências podem acarretar para o meio ambiente, para a agricultura e para a saúde, por exemplo, e contou quando a situação do ar melhora/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista realizada por Rodrigo Zub e Juarez Oliveira
De estações do ano bem definidas, gradativamente, migramos para uma sucessão de eventos climáticos extremos e, muitos deles, fora de época, ocasionados por uma emissão cada vez maior de gás carbônico, fruto de queimadas e do consumo de combustíveis fósseis. Ora faz calor demais, ora faz frio demais; quando não é a chuva em excesso, é a escassez que incomoda, com a baixa umidade. Afinal, por que temos observado mudanças tão drásticas no clima? Quais consequências elas podem acarretar? Como podemos reduzir o efeito dessas mudanças?
O meteorologista Reinaldo Kneib, do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), a convite da Najuá, responde a essas e outras perguntas. “Uma das principais linhas de pesquisa é que a atividade humana está alterando o clima. Como estamos emitindo mais gases que absorvem calor – gás carbônico, enxofre, entre outros óxidos – acaba aumentando a temperatura média global. Outro ponto é também a impermeabilização do solo: a construção civil vai tirando a vegetação natural, vai tirando as florestas e impermeabilizando o solo, isso acaba contribuindo que parte da energia do sol, que chegava na superfície e infiltrava no solo, fica agora retida na superfície, o que tem feito com que tenhamos mais ondas de calor, mais eventos extremos, temos mais energia disponível na atmosfera para gerar as tempestades”, comenta.
Baixa Umidade do Ar: O Simepar emitiu, nos últimos dias, o alerta laranja de baixa umidade no ar para o estado do Paraná. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de umidade do ar ideal para o organismo humano fica entre 40 e 70%. Quando essa umidade fica abaixo de 30%, surge o alerta, pois a condição do ar pode ocasionar cansaço, dor de cabeça e ressecamento de narinas e olhos.
O Paraná atravessa um período de tempo estável e seco. “O que causa essa baixa umidade do ar é uma massa de ar quente e seco que está predominando sobre todo o estado do Paraná – ou grande parte, pelo menos. Não havia mudança no vento, não havia previsão de chuva ou ocorrência de chuva nos últimos dias, por isso, estamos com esses índices de umidade bastante baixos”, explicou Reinaldo. Conforme o meteorologista, o nível ideal seria em torno dos 70%, mas a região tem apresentado índices entre 20 e 30%, ao longo da tarde.
Além da baixa umidade, o ar tem a presença de material particulado (MP) devido aos incêndios florestais que ocorrem no Paraná e da fumaça que tem vindo de outras regiões do Brasil e de outros países da América do Sul. O material particulado são os poluentes atmosféricos, em partículas sólidas ou líquidas, de pequeno tamanho, que ficam suspensas no ar. São elas as responsáveis pela baixa visibilidade que tem sido registrada em várias regiões do Paraná, em que o horizonte fica “cinza” e o sol vira uma bola entre o laranja e o vermelho por detrás dessa camada de poluição.
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“Esse material vem da queima da vegetação que, nessa época do ano, já está mais seca naturalmente, porque chove menos, o próprio ar frio e, às vezes, a formação de geada no Sul, queima a seiva das plantas. Nas regiões Centro-Oeste e Norte do País tem muita plantação, especialmente no Mato Grosso do Sul e no Mato Grosso – o Pantanal. Esse material que está seco acaba sendo queimado, pelos incêndios que estão sendo registrados, e parte desse material, a fuligem, sobe à atmosfera e acaba se misturando com o ar que já está disponível, o ar que a gente respira, o oxigênio. Então, são outras composições que vão se misturando ao oxigênio. Como não enxergamos isso, porque são micropartículas, acabamos respirando, devido a essa poluição estar muito próxima da superfície”, detalha o meteorologista do Simepar.
A fumaça originada por queimadas no Centro-Oeste e Norte do País tem sido trazida ao Sul por uma corrente de ar, pelo vento que fica a uma altura entre um e dois quilômetros da superfície do solo. São as mesmas correntes de ar que trazem a umidade da Amazônia para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os chamados “rios voadores”. “Além disso, também tem alguns incêndios florestais aqui no estado do Paraná. Como faz vários dias que não chove no Paraná, esse ar quase que fica ‘estacionado’ sobre as regiões do estado e por isso que estamos vivenciando, nos últimos dias, todos os municípios estão com essa névoa seca, essa fumaça. A concentração pode variar de município para município, de região para região, mas está todo mundo, infelizmente, vendo no horizonte, conseguimos observar essa fumaça olhando para o horizonte, podemos ver que há sempre uma névoa, está esmaecida a composição da atmosfera”, acrescenta Reinaldo.
Em termos comparativos, o meteorologista explica que num deserto a umidade é sempre baixa, mas a diferença é que lá ela predomina em índices abaixo dos 30% durante todo o dia e, às vezes, com até menos de 10%, em várias horas ou dias seguidos. “Estamos vivenciando isso, nas últimas semanas, em algumas cidades do Centro-Oeste, Sudeste também, pegou ali Minas Gerais e São Paulo, no interior, justamente associado a essa massa de ar quente e seco que vem predominando há mais de 90 dias sobre essas regiões. O que tem acontecido ali é que estamos com vento relativamente calmo, a ausência de nebulosidade, porque não tem umidade, então o sol predomina e aquece muito. Esse aquecimento acaba alimentando e deixando o ar mais seco ainda. A composição do ar é de ar seco e ar úmido; se não tem umidade na atmosfera, o ar fica cada vez mais seco. Por isso que, em alguns dias, temos índices de umidade comparáveis a um deserto”, afirma.
No caso de quem deixa o carro estacionado, por muitas horas, sob o sol, a sensação térmica no interior do veículo pode ultrapassar os 50°C. Para evitar os efeitos dessa alta temperatura, o meteorologista sugere que, ao retornar para o veículo, deve-se deixar as portas abertas por um período antes de entrar no carro e acionar o ar-condicionado com as janelas abertas. “O ideal é abrir as portas e, se tiver ar-condicionado, deixar circular [o ar] um pouco com as janelas abertas, porque vai retirar esse ar quente. Não adianta a pessoa entrar no carro e já ligar o ar-condicionado porque, se estiver fechado, aquele ar quente vai continuar ali, vai demorar mais para resfriar. Deixar as janelas abertas, porque vai ventilar um pouco e diminuir essa diferença entre a temperatura interior do carro e o ambiente externo. Essa questão de ter temperaturas bastante variadas pode ser desconfortável para muitas pessoas”, diz. Esse desconforto também é sentido ao deixar um ambiente fechado e climatizado para ir à rua num período de calor intenso.
Amplitude térmica: Quanto à grande amplitude térmica que tem sido registrada ultimamente, ainda que um pouco antecipada, já era aguardada para o período do ano, pois ocorre com maior frequência no outono e na primavera – que começa na próxima semana. A amplitude térmica é a variação entre a temperatura mínima, que geralmente ocorre no início do dia, e a máxima, no meio da tarde, explica Reinaldo. Em agosto, houve semanas em que as mínimas chegaram a 0°C, nos dias mais frios, e que as máximas passaram dos 30°C, quando voltou a esquentar, até uma nova queda brusca de temperatura.
“Como estamos vivenciando neste ano, já até tivemos algumas incursões de ar frio, de massa de ar polar. Mas, de modo geral, essas ondas de ar frio vão perdurar, vão persistir por muito tempo. Um ou dois dias frios e, depois, já aquece. Essa variabilidade que está acontecendo de uma semana para outra ou mesmo durante o dia tem causado essa grande variação na amplitude térmica. Às vezes, amanhece frio, mas durante a tarde, devido à presença do sol, quando tem tempo estável e ensolarado, durante a noite e pela manhã faz frio, mas logo ao amanhecer, começa a aquecer rapidamente e, à tarde, tem esses valores elevados [de temperatura], o que acaba aumentando a amplitude térmica”, explica.
O meteorologista comenta que eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul entre abril e maio, ou a seca que atinge, agora, o Centro-Oeste e parte do Sul, serão cada vez mais frequentes, em função da mudança climática, o que não necessariamente significa que os enfrentaremos todos os anos. “Tudo indica que vão se tornar mais frequentes, mas não quer dizer que todos os anos vamos ter esses mesmos fenômenos. Podem ter outros fenômenos mais severos em outras regiões. A tendência é que não tenhamos, a curto prazo, invernos tão rigorosos como eram antigamente”, diz.
Alertas: O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aplica um sistema de alertas classificado em três divisões para orientar os cidadãos sobre perigos meteorológicos e condições de baixa umidade. O alerta laranja é o intermediário entre eles. Nessas condições, se recomenda ficar vigilante e se informar regularmente sobre as condições climáticas e se inteirar de riscos que possam ser evitáveis.
De menor risco, mas que já vale atenção para a prática de atividades sujeitas a riscos – como trabalho e esportes ao ar livre – é o alerta amarelo. O vermelho é o alerta de grande perigo de baixa umidade, com grande probabilidade de danos e riscos à integridade física e, até mesmo, à vida humana. Nesses casos, é preciso estar preparado para medidas de emergência.
Conforme o meteorologista do Simepar, é preciso redobrar os cuidados com a saúde, em especial do trato respiratório, porque, além do ar seco, existe o material particulado (poluição) no ar. “Quem tem problemas de asma, bronquite e sinusite vai acabar sentindo essa falta de umidade na atmosfera. A composição do ar acaba tendo enxofre, aquelas fuligens, que não enxergamos, das queimadas, o que acaba agravando. As pessoas começam a ter tosse e desconforto. Esses materiais acabam entrando na circulação. [As pessoas ficam com] garganta seca, nariz seco, então, precisamos nos hidratar bastante”, recomenda.
Ainda segundo o Inmet, quando a umidade fica entre 21% e 30%, a Defesa Civil pode decretar estado de atenção. Entre 12% e 20%, o estado é de alerta e, quando abaixo de 12%, de emergência.
Sob umidade de 21 a 30% (atenção), deve-se evitar exercícios físicos ao ar livre entre 11 e 15h, umidificar ambientes, permanecer sob proteção do sol e consumir água à vontade. Sob alerta (entre 12% e 20%), além das recomendações do estado de atenção, exercícios físicos e trabalho ao ar livre devem ser evitados entre 10 e 16h, deve-se evitar aglomerações em ambientes fechados e se recomenda soro fisiológico para hidratar olhos e narinas. Em estado de emergência (abaixo de 12%), além de todas as recomendações anteriores, é necessário interromper qualquer atividade ao ar livre entre 10 e 16h e manter ambientes internos com umidade durante a tarde.
Para evitar problemas respiratórios, diante da presença de fumaça, o meteorologista recomenda a adoção de máscaras, que filtram essas micropartículas poluentes. “Se começar a tossir e a se sentir desconfortável, com garganta seca, procurar um pronto atendimento, porque, em pessoas que não têm uma doença crônica, é um modo de influência, mas em pessoas que já têm problemas crônicos, pode ser agravado rapidamente. Outro cuidado importante é evitar exercícios físicos ao ar livre. Como as temperaturas estão bastante elevadas, estamos passando por uma onda de calor em todo o estado do Paraná, o ideal é evitar os exercícios físicos [ao ar livre] entre as 10 e as 16h, 17h, que é o horário de maior incidência dos raios solares”, frisa.
Agricultura: O setor agrícola começa a manifestar preocupação com as condições meteorológicas, especialmente com a ausência de chuvas, que tem atrasado períodos de cultivo das safras. De acordo com Kneib, o setor produtivo já tem sentido os efeitos porque mais da metade do estado do Paraná está sob influência de uma seca, desde a região de Guarapuava até o Norte e Noroeste, os Campos Gerais e o Centro-Sul, que começa a enfrentar um período de seca, ainda que mais fraca que em outras regiões.
“Os níveis dos rios estão começando a baixar, a umidade do solo está baixa, o que acaba contribuindo para a formação de incêndios. Além da umidade do ar, a umidade do solo [está baixa], a vegetação está muito seca do que o normal. Essas temperaturas elevadas aumentam a evapotranspiração das plantas, o que tem prejudicado e agravado e pode levar a uma perda de colheita, algo que já está acontecendo no Norte do estado do Paraná”, aponta.
Inversão: Os mapas meteorológicos com previsão do tempo e registro de temperaturas mínimas e máximas demonstram certa inversão: regiões consideradas mais frias têm registrado temperaturas mais altas, ao passo que, no litoral, por exemplo, as máximas têm sido mais baixas. Conforme Reinaldo, o calor mais intenso é resultado justamente da massa de ar seco que predomina sobre o continente e que não alcança o litoral.
“Olhando de Curitiba para o interior do estado, para o Centro-Oeste do País, o vento está soprando nessas regiões para o Paraná e, quando chega aqui na Serra do Mar, sobre a Região Metropolitana, como não é muito forte, acaba não ultrapassando a Serra do Mar até o litoral. Nessa época do ano, esperamos um vento predominando de Nordeste e Norte sobre o litoral. Nas últimas semanas, estamos com vento predominando de Sul ou de Leste, do mar para o oceano. Como, nessa época do ano, as águas, não só no Paraná, mas São Paulo e Santa Catarina, tem a corrente das Malvinas, de Sul para Norte. A temperatura da superfície do mar está bem baixa, como tem um ar muito quente sobre a superfície, acaba mantendo essa nebulosidade, que está persistente há algumas semanas, com nevoeiro em alguns momentos. O ar está bastante estável na região litorânea, associado a essa temperatura da água muito baixa e à ausência de vento, que tem mantido as nuvens presentes e temperaturas baixas”, diz.
O Simepar disponibiliza, em seu site (http://simepar.br), uma plataforma com a previsão diária para os próximos 15 dias, que auxilia os agricultores a planejar o plantio, a colheita e o manejo de solo. Além disso, tem o boletim climático, que é uma previsão mais estendida, como o clima vai se comportar ao longo do próximo mês e da estação do ano. O Simepar ainda está desenvolvendo um aplicativo para smartphones, segundo Reinaldo. Também é possível se informar a respeito das condições meteorológicas pelo telefone (41) 3320-2000.
Chuva deve melhorar condições: O Simepar prevê a chegada da chuva neste final de semana, o que deve melhorar as condições de umidade e da qualidade do ar. “Durante o final de semana, uma frente fria, que é um sistema mais organizado, que provoca chuvas significativas e mudança do vento, vai predominar sobre o estado do Paraná tanto no sábado (14) quanto no domingo (15). Esperamos de 20 a 30 milímetros, associados a essa frente fria. Por isso que vamos ter uma melhora na qualidade do ar, a umidade vai voltar a ficar em índices adequados. A atmosfera se ‘limpa’: a chuva vai tirar todo esse material [particulado] que está suspenso”, afirma Reinaldo.
Porém, a tendência é que em setembro ocorram chuvas abaixo da média, tanto que as chuvas previstas para o final de semana devem ocorrer quase na metade do mês. “A segunda quinzena de setembro vai ser um pouco mais úmida. Esperamos um pouco mais de chuva, mas nada ainda muito significativo. Outubro, sim, deve ser um mês mais típico, e devemos ter uma recuperação das chuvas, muito próximo do normal. Mais para frente, novembro e dezembro, especialmente no final do ano, esperamos muita irregularidade nas chuvas. Esses índices, que estão negativos, devem permanecer pelo menos até o início de 2025”, adverte o meteorologista do Simepar.