Médica tira dúvidas sobre microcefalia e sua relação com zika vírus

Doença que afeta o sistema nervoso de crianças, por desenvolvimento abaixo do normal do cérebro,…

26 de fevereiro de 2016 às 10h59m

Doença que afeta o sistema nervoso de crianças, por desenvolvimento abaixo do normal do cérebro, tem preocupado gestantes desde o surto registrado em 2015

Edilson Kernicki, com reportagem de Rodrigo Zub e Paulo Henrique Sava

A preocupação com o risco de a criança nascer com microcefalia, diante do surto de zika vírus que se alastra pelo país, tem feito mulheres pensarem em adiar eventuais gestações. As que já estão grávidas se cercam de muitas dúvidas a respeito das causas e das consequências dessa condição neurológica grave, que afeta crianças, que nascem com o cérebro em tamanho significativamente menor ao de outras de mesma idade e sexo. 

Sem crescimento suficiente do cérebro durante a gestação ou após o nascimento, a criança vai enfrentar problemas de desenvolvimento. A microcefalia não tem cura; apenas tratamentos que, se realizados desde os primeiros anos, podem contribuir para melhorar a qualidade de vida e o desenvolvimento da criança.

Para tirar dúvidas sobre o que é a microcefalia, quais suas causas e como evitá-la, o programa Meio Dia em Notícias recebeu a médica Márcia Cristina Marins Martins, que atua na Santa Casa de Irati. De acordo com ela, a microcefalia é o nome genérico dado a um subdesenvolvimento cefálico, ou seja, a criança nasce com a cabeça pequena demais: nem o crânio, nem o cérebro crescem o suficiente. A medicina considera microcéfala a criança com perímetro cefálico menor que 34 centímetros. Essa medida é observada geralmente durante os trabalhos de puericultura, quando a criança é pesada e medida (em comprimento e em perímetro cefálico).

Confira a entrevista completa abaixo



   


Mesmo que hoje o zika vírus seja apontado como o principal fator causador da microcefalia, ele não é o único. Outras doenças no período intra-uterino podem levar a criança a nascer com microcefalia: sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes viral e outros agentes infecciosos  durante o primeiro trimestre gestacional. “Sobre o vírus zika, existe evidência de que a pior manifestação de microcefalia ocorre nos três primeiros meses de gestação e não depende da gravidade da doença, pois 80% das pessoas adquiriram o zika e nem sabiam. Uma pequena parte da população manifesta sintomas. A maioria não manifesta e esse é o grande problema”, adverte.

 A microcefalia pode também ser causada por malformações no sistema nervoso central; diminuição de oxigênio para o cérebro fetal (em complicações na gravidez ou no parto); exposição a drogas, álcool e certos elementos químicos durante a gestação; desnutrição grave na gestação e fenilcetonúria materna. Pode, ainda, ocorrer por doenças genéticas, como as síndromes de Down, de Cornelia de Lange, Cri du Chat, de Rubstein-Taybi, de Seckel, de Smith-Lemli-Opitz e Síndrome de Edwards.

“A maioria dos exames que se faz na gestação é justamente para prevenir e diagnosticar precocemente essas doenças, tratá-las e a criança não nascer com microcefalia”, aponta a doutora Márcia.

{JIMG0}Os principais sintomas do zika vírus, para os quais as gestantes devem estar alertas, são: exantema (manchas vermelhas no corpo); febre e sintomas parecidos com os da gripe, como dores nas articulações, dores musculares,mal estar geral. “No Paraná não temos nenhum registro [de zika vírus] e podemos ficar tranquilos por enquanto”, salienta a médica. Boletim divulgado pelo Ministério da Saúde (www.portalsaude.saude.gov.br) na terça-feira (23) indica que, até o dia 20 de fevereiro, o estado do Paraná tem apenas dois casos que permanecem sob investigação e outros 13 foram descartados. Apenas no Amapá e no Amazonas não houve qualquer registro de microcefalia por zika vírus, nem mesmo casos notificados.

O mesmo boletim apresenta 4.107 casos de microcefalia sob investigação em todo o Brasil. Esses casos representam 72,8% de todos os 5.640 casos notificados desde o dia 22 de outubro de 2015 até 20 de fevereiro de 2016. Os casos notificados se distribuem entre 1.101 municípios brasileiros, espalhados em 25 estados. Já foram notificados 120 óbitos por microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central após o parto (natimorto) ou durante a gestação (aborto ou natimorto). Destes casos, 30 foram confirmados para microcefalia, 80 permanecem sob investigação e outros 10 foram descartados.

Dentre o total de confirmados, 67 foram notificados por critério laboratorial específico para o zika vírus. Ainda assim, o Ministério da Saúde adverte que o dado não representa, adequadamente, a totalidade do número de casos relacionados ao vírus. Segundo o Ministério, a maior parte das mães que tiveram bebês cujo diagnóstico final foi de microcefalia tiveram o zika durante a gestação.

Há circulação autóctone do zika vírus em 22 unidades da federação: Goiás, Minas Gerais, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Roraima, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Por enquanto, estão livres: Acre, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Amapá e Sergipe. Houve confirmação de transmissão do vírus em 29 países das Américas.

De acordo com a médica, o Ministério da Saúde ainda não baixou nenhuma normativa que altere a rotina do pré-natal ou dos partos a fim de lidar com os eventuais casos de microcefalia por zika vírus, uma vez que ainda investiga se efetivamente é o vírus que tem causado a anomalia. “Em termos de pesquisa, existe um indício de que [a microcefalia esteja relacionada] com a epidemia de zika, mas ainda não está confirmado. Inclusive, o Brasil trouxe agora pesquisadores dos Estados Unidos – e abriu vagas para mais pesquisadores do resto do mundo – para que consigamos realmente saber a causa do aumento da incidência de microcefalia no Nordeste”, observa. No Nordeste, entre outubro e fevereiro foram notificados 4.583 casos de microcefalia, 568 confirmados, 3.253 em investigação e 762 descartados.

Segundo Márcia, os poucos estudos que havia sobre o zika vírus e sua incidência sobre a África e a Polinésia Francesa indicavam que se tratava de uma doença benigna, sem maiores complicações. “No Brasil é que houve esse boom [de casos de microcefalia], que gerou a suspeita. Não dá para esquecer que na África e, principalmente, na Polinésia Francesa, as pessoas têm o direito ao aborto. Então, se a mãe faz o exame e vê que a criança tem microcefalia, ela pode fazer o aborto sem nenhum problema. Essas coisas poderiam não estar bem notificadas nesses países”, justifica.

A médica recomenda que, por enquanto, se leve em consideração o planejamento familiar através de métodos contraceptivos e que os casais adiem a gestação. Da mesma forma, redobrar o cuidado quanto aos focos do Aedes aegypti. “Temos que intensificar o combate ao mosquito, que traz uma série de outras doenças. Creio que, para nós, no Paraná, estamos numa situação confortável, por enquanto. Não quer dizer que isso vai durar. Mas é bom para nos conscientizarmos de que temos que exterminar o mosquito, a princípio, até que se prove o contrário”, ressalta Márcia.

Mitos e verdades

De algumas semanas para cá, tem ocorrido divulgação na internet de outras possibilidades para que as gestantes deem à luz filhos com microcefalia. Nessas hipóteses, associam a microcefalia a vacinas tomadas durante a gravidez e, até mesmo, ao larvicida adotado pelo Ministério da Saúde no combate ao Aedes aegypti, o Pyriproxyfen, que  teve uso suspenso no Rio Grande do Sul, na semana passada.

Conforme Márcia, não há nenhuma confirmação de que as vacinas possam causar microcefalia. “Não existe nenhuma evidência de que essas microcefalias estejam relacionadas à vacinação na gestação. Não existe nenhuma confirmação, não podemos afirmar isso”, enfatiza a médica. Ela observa que as vacinas são adquiridas em lotes, pelo Ministério da Saúde, que são distribuídos pelo Brasil inteiro. Se houvesse relação entre a vacina e os casos de microcefalia, eles não teriam maior prevalência no Nordeste e, sim, no país todo, explica.

Ainda de acordo com Márcia, os pesquisadores americanos vão investigar a hipótese de que os mosquitos Aedes aegypti mutantes que foram desenvolvidos em laboratório e soltos na natureza a fim de exterminar os mosquitos selvagens tenham ocasionado o surto de microcefalia. O mosquito geneticamente modificado cruzaria com o selvagem e geraria mosquitos defeituosos – sem pernas e/ou sem asas, para reduzir a sua proliferação ou, ainda, seria incapaz de depositar ovos e gerar novas larvas. “Os pesquisadores acreditam que esses mosquitos tenham tido um comportamento diferente ao serem lançados no meio ambiente e, em contato com algum antibiótico, que teria levado a alguma mutação que o permitiu continuar a se reproduzir. Dentro desse mosquito, o vírus poderia estar se comportando de maneira anômala”, explica.

Consequências

A microcefalia apresenta diferentes estágios de gravidade. O mais leve pode fazer com a que a criança tenha dificuldades de aprendizado leve, mas vai andar e falar na idade certa. Já nas manifestações moderadas e graves, a criança vai apresentar problemas cognitivos mais graves, com complicações de aprendizado, de motricidade (não conseguem ou têm dificuldades para andar), de comunicação (não conseguem ou possuem dificuldades para falar). Na opinião da médica, a preocupação nesses casos não é apenas de saúde, mas também social, por envolver a questão da inclusão de crianças com necessidades especiais, futuramente, nos ambientes escolares, por exemplo.

Procedimentos

Diante da suspeita de ter contraído o zika vírus, a gestante deve primeiro procurar o obstetra que faz seu acompanhamento pré-natal. É ele quem vai encaminhá-la ao médico infectologista. “Nossos exames para detectar o zika ainda são bem precários. Temos que isolar o vírus do líquido amniótico. É um procedimento altamente invasivo, de risco. Então, não é uma coisa que se faz todo dia, toda hora. O que mais se faz é juntar os fatores epidemiológicos, se naquela região existe uma grande incidência de zika, e se a gestante tem sintomas sugestivos de zika, é considerado positivo e vai para uma investigação mais profunda”, informa a médica.

A próxima etapa de evolução da pesquisa para a detecção de resultados dos exames seria a dosagem de anticorpos, “um marcador para identificarmos se a pessoa está mesmo infectada com o vírus ou não”, explica.

Quem tiver mais dúvidas sobre o tema pode procurar a doutora Márcia na UTI Neonatal da Santa Casa de Irati. 

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