“Não é hora de julgar flores”, de Maygon André Molinari, foi lançado no dia 27 de julho. Ficção trata de uma pessoa que se depara com a morte de uma pessoa muito próxima/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista realizada por Juarez Oliveira
Numa terça de carnaval, um jovem visita o túmulo onde, no sábado anterior, uma amiga fora sepultada e reflete sobre o que foi, o que não foi e o que não mais será e sobre o embate com o que restou. O livro “Não é hora de julgar flores”, do iratiense Maygon André Molinari (Editora Simplíssimo, 2024, 108 páginas) debate não só a dor do luto, mas a espera pela sua cura, a beleza e até o eventual humor na espera pela sua superação.
“’Não é hora de julgar flores’ é sobre aqueles momentos em que todos nós suspendemos nossos julgamentos. Vou dar um exemplo: dois irmãos que não se falam há muitos anos, aí morre o pai ou a mãe e voltam a se falar. ‘Ah, eu não falo com aquela pessoa de jeito nenhum!’. Se uma pessoa comum entre elas estiver precisando, estiver doente, voltam a se falar. ‘Não é hora de julgar flores’ é quando suspendemos nossas exigências, quando somos exigentes demais com nós mesmos e chega uma situação da nossa vida –uma perda, uma morte, a doença, o desemprego – em que paramos de ter aquela rigidez e paramos de ter aquele comportamento excessivo”, descreveu o autor durante a entrevista à Najuá.
A ficção trata de uma pessoa que se depara com a morte de uma pessoa muito próxima. Apesar do tema, Maygon salienta que o livro não é pesado, nem com divagações filosóficas sobre a morte. “É um livro bastante claro e objetivo, que trata sobre essas ausências do nosso dia a dia de uma maneira que nos faz pensar que o peso da ausência está muito relacionado ao que foi o peso da presença”, observa.
A história se baseia em perdas que o próprio autor enfrentou, entre 2002 e 2004, e foi escrito durante a pandemia de Covid-19, período em que Maygon acredita que muitos vivenciaram momentos de medo em função da incerteza sobre o que acontecia ao nosso redor. Segundo o autor, apesar de não mencionar a pandemia em si, a experiência abre espaço para a reflexão que a obra propõe ao nos fazer encarar dúvidas sobre o que, até então, eram convicções. “A intenção é colocar em pauta esse tipo de pensamento, de sentimento sobre o que é você se deparar com uma falta de uma pessoa que está aqui, como nós dois, e, de repente, não está mais, com essa cadeira vazia e o que você faz com essa cadeira vazia”, explica o escritor.
O autor reflete também sobre a afirmação do filósofo e filólogo alemão Friedrich Nietzsche “detesto quem rouba minha solidão sem oferecer verdadeira companhia”, numa sociedade em que as pessoas expressam sua necessidade de companhia sem oferecer nada em troca.
Maygon exemplifica com as relações superficiais presentes nas festas, lotadas de pessoas, que sequer vivenciam o instante, enquanto estão presas ao julgamento alheio sobre a imagem que projetam de si mesmas em postagens. O escritor acredita que as relações e a companhia devem se basear na reciprocidade, que só podemos buscar nos outros aquilo que nós mesmos somos capazes de oferecer. “Por isso, creio que a caridade, o amor ao próximo, só funcionam na medida que eu consigo dar algo a mim mesmo: se eu sei cuidar de mim, eu cuido de você, eu me importo com você. Se eu não estou nem aí para mim, obviamente, não estou nem aí para ninguém, para um grupo social, para a família”, diz.
Mesmo que a obra seja inspirada em fatos vivenciados por Maygon, a narrativa não reflete experiências pessoais e reais do autor, ou seja, não é uma biografia. Ainda que aborde a morte de uma amiga do escritor, nos anos 2000, a maior parte dos personagens retratados no livro foram inventados, até por questões legais e éticas. “Faço essa mistura com o seguinte propósito: de que maneira você pode contar uma história e trazer recordações e apontar para um certo sentido dessa história? O livro não fica divagando, mas ele apresenta algumas ‘conclusões’ em relação à presença, à morte, mas, sobretudo, em relação à vida”, afirma.
Maygon até faz uma provocação: se debatemos sobre a vida após a morte, precisamos nos questionar se há vida antes da morte. “O livro é uma narrativa que vai contando algumas histórias entrelaçadas, histórias curtas, de uma maneira bastante simples e objetiva. O propósito maior não é apresentar uma exigência muito grande de reflexão. Tem suas exigências, porque acho que a literatura tem suas exigências normais, pois, se pensarmos, hoje tudo é muito mastigado. E a literatura, a filosofia, a própria espiritualidade exigem um pouco mais [de reflexão] para que não seja tão mastigada a coisa e que consigamos, pelo menos, pensar um pouco por conta própria. Não somos autômatos, não somos uma máquina”, provoca.
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O escritor avalia que a perda e o luto fazem parte da dinâmica das nossas vivências e que muitos diferentes sentimentos nos atravessam nesses momentos, ainda que em diferentes intensidades, pois cada experiência, nesse âmbito, é individual. “Você sente raiva – raiva do mundo; às vezes, raiva da pessoa que morreu ou de si mesmo; [remorso] – ‘ah, eu poderia ter feito mais coisas’. Você sente medo; você sente tristeza, mas você sente alegria também. Porque a morte, nós costumamos, na nossa cultura ocidental, olhar para a morte apenas como uma coisa triste, fúnebre. Claro que tem esse lado, mas quando você menciona uma lembrança alegre, você está remetendo ao fato de que isso faz parte da morte também”, pontua.
Baseado em Freud e outros psicanalistas, Maygon destaca que o luto nos ensina a olhar para dentro de nós mesmos, para nossa própria solidão e desamparo suscitados pela ausência gerada pela partida de quem amamos, seja ela abrupta ou reflexo de uma doença que a pessoa tratava há anos. Na visão do escritor, mesmo nesses casos a morte não é repentina, uma vez que, por mais que tenhamos certeza de que ela pode ocorrer, não sabemos quando ela vai ocorrer, de fato. “Parece-me que, quanto mais a gente qualifica nossa vida, mais o luto é uma experiência transformadora, porque aí em vez de eu ficar remoendo, vou lembrar do chimarrão que eu tomei com meu pai”, exemplifica.
Maygon também falou sobre o processo de amadurecimento – ainda que forçado – que o luto representa. “Por isso, digo que a reflexão do livro não é uma lição de moral, não tem nada a ver com isso. Não estou ensinando nada a ninguém. Cada um aprende com a sua experiência. Mas a ideia do livro é colocar um personagem se debatendo com essa sua solidão, com esse ‘abandono’ que surgiu e mostrar um crescimento, uma transformação. Sempre saímos diferentes de uma morte, sempre saímos mais velhos dela também, mais abatidos”.
O autor ainda falou que buscou abordar uma linguagem simples e de fácil compreensão aos leitores. “Acho que todo livro que tem essa proposta, como o meu, pretende que o leitor entre em contato, primeiramente, consigo mesmo, com as suas situações, com suas angústias e alegrias. Não é um livro que precisa nenhuma explicação para a pessoa ler. Acredito muito numa escrita clara. Não adianta fingir uma linguagem rebuscada e difícil, fingindo que é inteligente ou profundo, porque isso não traz acréscimo. Prefiro uma linguagem clara como um poço, que pode ter água clara e ser profundo”, compara.
Sobre o autor: Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Maygon André Molinari nasceu em 1984 em Irati e é graduado em Letras – Português pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro) em Irati (em 2005) e é também autor de “Bernardo, o Escultor” (2013); “Do grito de sobrevivência ao último silêncio” (2018); “Os Espelhos” (2022); “Os Sóis” e “As Evidências do Silêncio”. “Não é hora de julgar flores” (2024) está disponível no site da Amazon (Clique aqui para comprar), por R$ 45.
Em 2012, Maygon foi vencedor do Concurso Literário Foed Castro Chamma, da Academia de Letras, Artes e Ciências do Centro-Sul do Paraná (ALACS), nas categorias “Soneto” (“Navio de Sombras” – 1º lugar) e “Peça Teatral” (“Quase Suicida” – 1º lugar; “O Côncavo e o Convexo” – 1º lugar e “Nas Margens do Rio Mágico” – 3º lugar).
Confira algumas imagens do dia do evento que ocorreu no espaço do bar Taverna, em Irati