Medida sancionada visa melhorar o aprendizado, mas provoca preocupações sobre comunicação em emergências e desafios para fiscalização/ Reportagem e texto de Diego Gauron
No último dia 15 de janeiro foi sancionada a lei que restringe o uso de celulares nas escolas durante aulas, recreios e intervalos, o que tem gerado debates. Assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a medida visa promover um ambiente escolar mais saudável, protegendo a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes. O ministro da Educação Camilo Santana, ressaltou que o objetivo da lei não é proibir o uso de celulares, mas restringi-lo de forma que o uso excessivo dos aparelhos não prejudique o aprendizado dos alunos.
Em Irati, as diretoras Maria Amelia Ingles, do Colégio Estadual Antônio Xavier da Silveira, e Euzélia Teresinha Voronhuk, da Escola Estadual Antonio Lopes Júnior, destacam que a medida vem em um momento oportuno, já que o uso indiscriminado dos celulares tem sido um fator de distração durante as aulas.
Maria Amelia relembra que, até 2023, o uso de celulares já era proibido no Colégio Xavier e uma tentativa de flexibilização do uso do aparelho foi testada. “Em 2024, a gente liberou um pouquinho mais de amplitude para que o aluno trouxesse e o professor pudesse utilizar, visto que os laboratórios estavam em reforma, mas não foi uma experiência muito positiva. Os alunos não têm maturidade para a utilização pedagógica desse instrumento”, comenta.
Ela acredita que a introdução do celular como ferramenta pedagógica não trouxe os benefícios esperados. A diretora destaca que o aluno não tem controle sobre o aparelho, e quando uma mensagem chega enquanto o professor tenta dar a aula, o estudante acaba se distraindo, o que prejudica seu aprendizado.
A diretora da Escola Estadual Antonio Lopes Júnior concorda com Maria Amelia sobre a crescente dependência do celular pelos alunos. “O que a gente percebe em sala de aula é que a gente está tendo uma diminuição da atenção dos alunos no professor, na explicação. Aparece uma notificação e eles querem ver, e isso tira a atenção deles. Então, pelo bem da aprendizagem e pela retomada de atenção dos estudantes no geral, eu acredito que seja bom essa lei para nos amparar, para nos ajudar”, comenta Euzélia.
O que pensam os pais
No entanto, a medida também levanta algumas preocupações entre pais. Maria Isabel Lopes Mika, mãe de um aluno da rede estadual, expressa sua preocupação com a comunicação entre alunos e pais, em casos de emergência. “Lógico que também, sendo mãe, fico preocupada tipo assim, de uma emergência, mas eu acredito que as escolas vão conseguir fazer um jeito de avisar os pais, pelo bem do aluno”, comenta.
A diretora Euzélia reforça que as escolas já têm protocolos estabelecidos para emergências individuais. “Em caso de emergências individuais, a gente já tem a prática de ligar para os pais, para o responsável. Felizmente, até hoje, não precisamos de uma evacuação coletiva, mas se for o caso, a gente faz toda a segurança, e depois a gente comunica via grupos, faz uma força-tarefa para avisar”, explica.
A diretora do colégio Xavier também explica que a instituição possui um plano de abandono, que assegura a segurança de todos os alunos, incluindo os com necessidades especiais, em situações extremas. “Nós já temos um plano de abandono que com a Brigada Escolar. São dois exercícios obrigatórios que a gente tem que fazer por ano, em que a gente tira todos os alunos de dentro dos espaços escolares, fiscaliza se não ficou nenhum. Aí tem todo um procedimento para os alunos com mobilidade reduzida, para os cegos, para os autistas, é um protocolo que já é treinado dentro das escolas estaduais”, enfatiza Maria Amelia.
Interação Social
As diretoras concordam que a restrição do uso de celulares nas escolas pode beneficiar a interação social entre os alunos. Maria Amelia ressalta que, ao restringir o uso, os estudantes se voltam mais para a interação direta, estabelecendo relações mais saudáveis com seus colegas. “A gente percebeu que quando a gente proibia o celular, eles se conversavam entre si, havia interação social, eles trocavam informações, riam, conversam, brincam, jogam bola; e quando o celular é liberado, o que que acontece? Ficam numa rodinha, mas cada um no seu celular, eles não se olham nos olhos, eles não conversam, a gente não os vê sorrindo. Então eu acho que tem esse lado também”, detalha.
Já para as necessidades pedagógicas, Euzélia explica que as instituições já dispõem de diversos recursos tecnológicos. A escola onde ela atua conta com dois laboratórios de informática, tablets, Chromebooks e outros equipamentos necessários para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, de modo que os alunos não precisam trazer seus próprios aparelhos.
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Desafios para a implementação da lei
Entretanto, a implementação da lei enfrenta desafios práticos. A fiscalização do uso de celulares em escolas com um grande número de alunos, pode ser uma tarefa difícil. Maria Amelia explica que, em uma escola com tantas turmas e alunos, não há como monitorar constantemente o uso dos aparelhos. “Essa parte da legislação é bem difícil de ser cumprida, porque numa escola como a nossa, que é gigante, que tem 21 turmas no período da manhã, por exemplo, 20 turmas à tarde, mais as turmas da noite, não tem como monitorar. Primeiro que você não vai revistar o material do aluno, isso é proibido; segundo que se tiver que levar uma demanda para ficar procurando isso em todas as escolas, a gente não dá aula. A gente vai mesmo no lado de aconselhamento dos pais, do quanto é bom que ele fique sem celular pelo menos essas 4 horas do dia”, descreve a diretora.
Alunos sofrerão penalidades?
A aplicação das penalidades, como o recolhimento dos celulares, também é uma medida prevista nas escolas. Euzélia revela que o regimento da Escola Estadual Antonio Lopes Júnior já prevê a retirada do aparelho caso o aluno faça uso inadequado, algo que também já é previsto no colégio Xavier. “Nós já tínhamos a prática de recolher os celulares em caso de uso indevido, o regimento da escola já prevê isso, que se o aluno estiver usando, de forma incorreta, a equipe pedagógica pode retirar o celular e aí ficar retido”, explica.
A diretora Maria Amélia comenta que a lei que regula o uso de celulares nas escolas foi fundamentada em estudos sobre o impacto da tecnologia no aprendizado. Segundo ela, o excesso de informações e o uso de linguagem abreviada prejudicam o desenvolvimento de um aprendizado profundo, afetando até mesmo a comunicação correta dos alunos em situações como redações de vestibular ou entrevistas de emprego.
Maria Isabel Lopes Mika, mãe de aluno, acredita que ao limitar o uso dos celulares nas escolas, os estudantes ficariam mais focados nas aulas. Para ela, sem a distração do aparelho, os alunos estariam mais atentos, aproveitando melhor o momento escolar e evitando que o celular se tornasse um obstáculo ao aprendizado.
União entre família e escola
A diretora Euzélia destaca os prejuízos cognitivos que o uso excessivo pode trazer, não apenas para crianças e adolescentes, mas também para a capacidade de atenção e aprendizado em geral. “As telas estão tomando uma proporção muito grande na vida das pessoas – não digo nem só das crianças e adolescentes – no sentido cognitivo, traz um prejuízo muito grande. A gente tem notado a falta de atenção, o prejuízo na leitura, a escrita, o cálculo básico está cada vez mais comprometido. E está mais do que provado por especialistas que escrever ou saber a tabuada, não é só uma questão de ‘quando que eu vou precisar disso na minha vida?’. É uma questão cognitiva, ajuda a desenvolver o cérebro”, descreve.
Maria Amélia faz um apelo aos pais para que participem das reuniões escolares, enfatizando a importância de a família e a escola estarem alinhadas. “Por favor, venham nas reuniões da escola pra gente conversar sobre isso. Agora no início do ano letivo vai ter as reuniões para a gente tirar as dúvidas, para todo mundo falar a mesma linguagem, porque escola e família têm que caminhar juntos, caso contrário, a educação desanda”, conclui a diretora.