Cleverson Fábio Farias, de 39 anos, foi condenado por matar a ex-mulher Veridiana dos Anjos com golpes de faca no centro de Irati em março de 2022
O Tribunal do Júri de Irati condenou Cleverson Fábio Farias, de 39 anos, a 30 anos de prisão em regime inicialmente fechado pela morte da ex-mulher Veridiana dos Anjos, ocorrida no dia 29 de março de 2022, na Rua Dona Noca, área central de Irati. A vítima foi morta com golpes de faca. Três qualificadoras foram sustentadas durante o julgamento: crime praticado por motivo fútil, utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio.
O Júri Popular começou na manhã de quarta-feira, 20, e terminou já na madrugada de quinta-feira, 21, no Fórum da Comarca de Irati. Na sentença, o juiz Dawber Gontijo, havia fixado a pena em 32 anos e 8 meses de prisão. Porém, o Código Penal estabelece que a pena máxima para crimes de feminicídio vai de 12 a 30 anos de reclusão. Por esse motivo, o juiz reduziu o tempo de prisão do acusado para 30 anos. Ele permaneceu preso por 1 ano, 5 meses e 24 dias, e por isso deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado.
Somente no ano passado, 77 mulheres foram vítimas de feminicídio, conforme dados divulgados na 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Outras 69 mulheres sofreram tentativas de feminicídio, que ocorre quando a vítima é morta pela condição do sexo feminino. Por conta destes dados, uma das advogadas de acusação, Flávia Pinheiro Fróes, destacou que o julgamento foi simbolicamente muito importante.
“Entendemos que a resposta dada pela sociedade iratiense serve de referência para todo o estado. Infelizmente, a violência contra a mulher é uma realidade que não escolhe classe social e nem raça. A condenação do réu serve para que cada mulher que sofre violência no silêncio de sua casa saiba que o machismo e a misoginia estão sendo combatidos duramente pela Justiça e pela sociedade”, afirmou.
O promotor Eduardo Ratto Vieira diz que o Código Penal determina algumas condições que potencializam o crime praticado contra uma mulher. “Sempre que estivermos diante de uma ação dolosa em que uma vítima mulher for morta em um contexto de violência doméstica e familiar, seja no âmbito da unidade doméstica, seja no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, estaremos diante de um crime de feminicídio”, afirmou o promotor, que ainda salientou que esse tipo de crime possui uma pena maior.
Vieira afirmou que as provas obtidas ainda na primeira fase do processo foram expostas aos integrantes do Conselho de Sentença. “Na sequência, ao longo dos debates, elas foram devidamente expostas e valoradas perante o Conselho de Sentença, sendo que, ao final dos debates, que se estenderam até por volta de meia-noite, a sociedade local, representada pelos sete jurados, acolheu todas as teses sustentadas pelo MP em plenário, reconhecendo a existência de um crime de feminicídio triplamente qualificado, razão pela qual o réu foi condenado a uma pena de 30 anos de reclusão”, comentou.
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O réu já havia sido preso em flagrante no início de 2021 por ameaçar a esposa. Depois disso, os dois terminaram o relacionamento. Já a mulher solicitou uma medida protetiva. No dia do crime, Cleverson encontrou Veridiana na Rua Dona Noca com o objetivo de reatar o relacionamento. No entanto, após a recusa da ex-mulher, o homem atingiu golpes de faca na ex-esposa, que não resistiu aos ferimentos e morreu no local. Ela deixou quatro filhos.
Já o advogado de defesa do réu, Josué Hilgemberg, disse que respeita a decisão do conselho de sentença. Entretanto, ele alega que o acusado afirmou que estava sob efeito de entorpecentes no momento do crime. “O próprio acusado, já no seu depoimento, disse que não sabia nem por que tinha feito aquela situação e disse que estava sob efeito de drogas”, frisou.
O texto do artigo nº 45 da Lei nº 11.343/2006 (Lei antidrogas) estabelece que “É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Na visão do advogado, neste caso, seria necessário solicitar uma prisão para tratamento psiquiátrico.
“Estamos discutindo esta matéria via habeas corpus, ontem mesmo reiterei os pedidos e houve um novo indeferimento. Provavelmente iremos recorrer da decisão porque o Conselho de Sentença e o princípio que rege o Tribunal do Júri, que é a plenitude de defesa, ou seja, valer-se de todos os meios legais para exercer este contraditório e a ampla defesa. Diante da falta deste laudo, onde vai se atestar se ele tinha o entendimento do caráter ilícito do que estava fazendo e que acabou vitimando a sua própria companheira de 19 anos, e principalmente mãe dos quatro filhos deles”, contou.
Por conta da falta do laudo do Incidente de Sanidade Toxicológico e Mental, a defesa vai recorrer da decisão. “Por mais que o Conselho de Sentença tenha reconhecido a autoria, no quesito se condenava ou absolvia, acabaram condenando, reconhecendo que foi um feminicídio e as qualificadoras sustentadas pelo MP. Faremos a nossa parte em recorrer para que seja dado um equilíbrio e que sejam garantidos os direitos do acusado”, comentou.
Sobre este laudo, o advogado disse que só teria validade se fosse aprovado pelo complexo médico penal do Paraná, Porém, o laudo não foi elaborado. “Esta é a nulidade que existiu, porque nós sempre pedimos [o laudo]. Desde que entramos no processo, dissemos que precisávamos do laudo. Nos negaram e fomos para o júri sem o laudo. Este é o prejuízo que a defesa técnica está arguindo, porque precisamos saber se ele é um criminoso ou doente. A questão da dependência química do Cleverson Fábio Farias infelizmente é um fato notório na cidade de Irati. Quem conhece ele desde antes da prisão sabe que ele era dependente químico, do crack e da maconha”, comentou.
Segundo Josué, o pedido de elaboração do laudo do Incidente de Sanidade Mental foi feito há cerca de dois meses, assim que ele assumiu o caso juntamente com sua esposa Isis. “Eu requeri, mas o Ministério Público foi contra, e o juiz acolheu o pedido do MP, que cerceou a defesa e criou um prejuízo até para a sociedade. Ninguém deve ser condenado sem respeitar todas as garantias fundamentais que competem. Por isso, fomos para o júri engessados, faltando este laudo”, comentou.
No entendimento do promotor Eduardo Ratto Vieira, o laudo somente poderia ser considerado como algo importante dentro do processo a partir do momento em que as investigações revelassem indícios de que a pessoa não tenha condições de entender o caráter ilícito de suas ações.
“Na nossa ótica, macroscopicamente, não era o caso dos autos. Ou seja, não basta a mera alegação do vício em drogas ou de dependência química, para que este tipo de prova se revele pertinente. Este tipo de laudo paralisa o processo até que esta perícia seja elaborada. Em razão desta complexidade, este tipo de prova só tem cabimento a partir do momento em que houver um dado concreto, comprovado, ainda que de forma indiciária, de que aquela pessoa não tinha condições de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento”, comentou.
A legislação estabelece que a embriaguez ou o uso de drogas voluntário não exclui a culpabilidade do autor do crime, na visão do promotor. Nestes casos, aplica-se a chamada “ação livre na causa”. Vieira detalhou como funciona este tipo de ação. “Nós temos que avaliar se aquela pessoa fez o consumo daquela substância de forma de voluntária. Se isto ocorreu, não pode ser alegado como uma circunstância que afasta eventual responsabilidade penal, pois, se assim fosse, estaríamos diante de uma grande injustiça, nos casos concretos que fossem submetidos a apreciação”, frisou.