Decisão cautelar assinada pelo Juiz de Direito, Henrique Kurscheidt, foi publicada na tarde de hoje, 1º. Ação popular foi ajuizada pelo advogado Felipe Molenda Araújo
O Juiz de Direito da Comarca de Irati, Henrique Kurscheidt suspendeu o artigo 4º inciso 39 do decreto 124/2020 que autorizava os setores de indústria e construção civil retornarem às atividades a partir desta quarta-feira, 1º, por serem considerados de caráter essencial. A decisão cautelar foi publicada na tarde de hoje e tem validade imediata.
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Confira o decreto 124
A prefeitura de Irati ainda não foi notificada, mas deve recorrer da decisão, pois avalia que a retomada das atividades comerciais atendeu solicitação de representantes dos setores de indústria e comércio durante reunião realizada no sábado, 28, que teve a presença de empresários, do prefeito Jorge Derbli, integrantes da administração municipal e representantes de órgãos de saúde como o Provedor da Santa Casa, Ladislao Obrzut Neto, e o chefe da 4ª Regional, Walter Trevisan.
A ação popular foi ajuizada pelo advogado Felipe Molenda Araújo. Ele sustenta que o decreto “seria lesivo ao meio ambiente e nulo, por ter sido praticado com excesso e desvio de poder, na medida em que ampliou a lista de serviços e atividades essenciais, em desacordo com a legislação que rege a matéria, autorizando a retomada de sua atividade, a despeito da suspensão das atividades de indústrias, comércio em geral e prestadores de serviços, anteriormente decretada pelo Decreto Municipal nº 122/2020, em razão da pandemia do COVID-19”. Por isso, o autor solicitou a suspensão dos efeitos do decreto 124.
O juiz ressalta que os setores da indústria e construção civil não são qualificados como essenciais no artigo 3º, §1º, do Decreto nº 10.282/2020 da Presidência da República, durante a vigência das medidas de isolamento social decretadas para contenção da pandemia do Covid-19. Por isso, no entendimento de Kurscheidt, não seria possível autorizar o retorno das atividades em função das determinações dos órgãos de saúde, que se não forem cumpridas podem colocar uma parcela dos trabalhadores iratienses e suas famílias ao risco de contágio da doença. “Além disso, a autorização do funcionamento de atividade não considerada essencial tem potencial para transmitir à população em geral a falsa ideia de que as medidas de prevenção e proteção definidas e recomendadas pelos órgãos de saúde podem ser injustificadamente flexibilizadas, comprometendo os diversos incentivos ao engajamento social no que se refere à necessidade de isolamento social. Tal situação se intensifica em um cenário digital, em que as informações são facilmente repassadas e dificilmente controladas”, diz um trecho da decisão judicial.
Kurscheidt também cita informações divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura de Irati, quando foi publicado o Decreto Municipal 122/2020, que determinou o isolamento social. Ele foi flexibilizado com a publicação de um novo decreto, número 124, na manhã de terça-feira, 31. Quando suspendeu as atividades da indústria e comércio até o dia 13 de abril, a administração municipal alegou que um dos motivos da decisão foi que a Santa Casa de Irati conta com apenas dez leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para atender pacientes diagnosticados com o coronavírus. Na ocasião, oito leitos estavam ocupados. Desta forma, o hospital não teria condições de atender a demanda caso tivesse três pessoas infectadas.
Um trecho da explanação de Derbli foi citado na decisão judicial. “Fizemos uma análise agora, com todo o setor de Saúde de Irati e confrontamos os números: na coletiva passada nós tínhamos um caso de suspeita, e nesta já são cinco. Então pela não compreensão da população em ficar em casa, de não sair para a cidade e não ir ao comércio ou passear, infelizmente fomos obrigados a tomar esta atitude severa”, disse o prefeito, que estava acompanhado da Secretária de Saúde, Jussara Aparecida Kublinski Hassen, e do provedor da Santa Casa de Irati, Ladislao Obrzut Neto.
O juiz ainda indica que no dia da publicação do primeiro decreto havia apenas cinco casos suspeitos de coronavírus no município. Porém, ele ressalta que agora o número de casos suspeitos subiu para 75, conforme boletim da secretaria Municipal de Saúde divulgado ontem, 31. Por esse motivo, Kurscheidt avalia que a situação configura “perigo de dano” em virtude da provável incapacidade da estrutura médica disponível no município não dar conta de atender a demanda em caso de agravamento da pandemia.
Em sua decisão, o juiz cita que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, tem o poder de determinar quais são os serviços públicos e atividades essenciais durante a pandemia do coronavírus. Ele também relata que os municípios devem cumprir as diretrizes estabelecidas no decreto federal. “Assim, embora o Poder Executivo Municipal detenha competência concorrente para editar medidas e determinar providências normativas e administrativas para enfrentamento da pandemia, o exercício de tal competência deverá ser realizado sempre em conformidade com as normas gerais editadas pela União, prevalecendo, em caso de colisão, a normativa federal”, diz um trecho da decisão de Kurscheidt.
Conforme a legislação federal, serviços públicos e atividades essenciais são aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. “Desta forma, existindo normativa federal estabelecendo o conceito legal de serviços públicos e atividades essenciais, a norma municipal, embora possa trazer lista exemplificativa mais ampla em vista das peculiaridades locais, deve obrigatoriamente observar os requisitos estabelecidos na norma geral federal para que determinada atividade possa ser considerada essencial”, sustenta o juiz.
Ele também relata que o decreto municipal repetiu alguns serviços considerados essenciais pelo governo federal, acrescentando algumas outras atividades e serviços específicos, como “serviços de zeladoria urbana e limpeza pública” (art. 4º, X), “lavanderias” (art. 4º, XI), “serviços de limpeza” (art. 4º, XII) e “assistência veterinária” (art. 4º, XIX), consideradas, pelo município como “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
“No entanto, além de inserir serviços e atividades específicas no rol de atividades essenciais, o Decreto Municipal impugnado também enquadrou, em seu art. 4º, XXXIX, como essenciais os ‘setores industrial e da construção civil, em geral’. Ao assim proceder, o Decreto Municipal garantiu o funcionamento, a despeito de sua natureza específica e enquadramento ao conceito previsto na norma geral federal, de toda e qualquer atividade industrial, ou seja, tendente a ‘produção de bens para o mercado, mediante a transformação de matérias-primas’, ressaltando a amplitude do alcance da norma com o uso da fórmula “em geral” em sua parte final. Embora exista certa margem interpretativa na definição de quais atividades podem ser consideradas “ indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, é certo dizer que a definição da essencialidade depende da natureza do bem ou serviço produzido por determinada indústria e não do caráter industrial de sua produção. Desta forma, ao salvaguardar o funcionamento de toda e qualquer atividade industrial e de construção civil, independentemente de sua natureza específica e a despeito da decretação das medidas previstas na Documento assinado digitalmente, a Autoridade requerida aparentemente incorreu em excesso de poder, invadindo a competência federal, ao definir serviço público e atividade essencial em desacordo com o conceito trazido pela norma geral editada pelo Poder Executivo Federal”, diz outro trecho da decisão judicial.