Na semana passada, a direção do hospital só conseguiu pagar 50% dos salários dos funcionários devido às dificuldades financeiras; Expectativa é que recursos estaduais complementem o salário nesta semana/Texto de Karin Franco, com reportagem de Jussara Harmuch e Paulo Sava
A Santa Casa de Irati anunciou na última semana que conseguiria pagar apenas 50% dos salários dos seus funcionários. A direção do hospital comunicou que a falta de pagamento dos salários é uma das consequências das dificuldades financeiras que a instituição está passando nos últimos anos. A expectativa da gestão é que recursos estaduais sejam depositados nesta semana para realizar o pagamento integral. No entanto, para a gestão do hospital, é preciso que os municípios da região aumentem o repasse de recursos para custear a manutenção, incluindo o pagamento dos colaboradores.
Quer receber notícias pelo whatsapp?
O hospital é a referência de atendimento dos municípios da região, especialmente nos locais que não possuem pronto-socorro ou Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Além disso, muitas pessoas da região procuram a Santa Casa para atendimento quando os postos de saúde de seus municípios estão fechados. Para a gestão do hospital, o valor repassado para esse tipo de atendimento não corresponde ao alto custo que o atendimento possui na instituição.
Dados de dezembro de 2022, divulgados pela Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (FEMIPA), mostram que a Santa Casa de Irati teve 431 internamentos, sendo 182 internamentos de pacientes de Irati e outros 249 de pessoas que mora em outros municípios. Nas consultas nos ambulatórios, a diferença é maior. Das 2.799 consultas no ambulatório, apenas 249 consultas foram de Irati e 2.557 foram de fora do município.
Em compensação, o valor que os municípios repassam mensalmente para os internamentos são fixos, independente do tempo que o paciente permanece no hospital. Atualmente, a Santa Casa recebe R$ 510,24 por paciente internado e os internamentos realizados por meio de convênios do Estado sobe para R$ 725. Para o provedor da Santa Casa de Irati, Ladislao Obrzut Neto, o valor é insuficiente. “O custo, o valor médio é muito pequeno. R$ 500, se você for ver dá duas diárias em hotel. Acho que não dá para você ir jantar com alguém, com mais de duas pessoas, você paga bem mais que isso uma janta e nós recebemos isso durante o mês”, disse.
O diretor administrativo do hospital, Sidnei João Barankievicz, também revelou que o custo médio para manter o hospital funcionando é de R$ 2 milhões e 800 mil, sendo que R$ 1 milhão e 200 mil são da folha de pagamento bruta, incluindo todos os encargos. Desse valor, R$ 800 mil são apenas de honorários médicos. Contudo, o hospital recebe somente R$ 1 milhão e 500 mil de contratos do Governo do Estado. “Não paga nem a folha de pagamento e o plantão”, afirma Sidnei.
O provedor revelou que nesta semana a diretoria do hospital deve buscar o Conselho Deliberativo para encontrar alternativas para resolver a situação. “A partir do dia 12, nós vamos conversar com o Conselho Deliberativo da Santa Casa para vermos qual vai ser o caminho que nós vamos seguir. Eu quero essa liberdade do conselho para poder criar uma situação diferenciada e quem sabe possamos achar o caminho junto com a comunidade de Irati, mas vai ser uma situação bem complicada porque nós precisamos urgente”, conta.
A Santa Casa de Irati continua trabalhando com um déficit de cerca de R$ 400 mil por mês. De acordo com o diretor administrativo do hospital, o aumento de medicamentos e insumos, além da inflação em outros materiais básicos tem dificultado com que o hospital mantenha o caixa após a pandemia de coronavírus. “Também estamos trabalhando de lá para cá sem nenhum tipo de reajuste. Nos contratos com a Santa Casa não teve reajuste do Governo Estadual. Não teve reajuste do Governo Federal. Tivemos uma ajuda nesse período por seis meses, onde a Prefeitura de Irati nos auxiliou com um repasse de R$ 600 mil, parcelado em seis vezes. Foram seis meses de R$ 100 mil. Com todos os aumentos que ocorreram com energia elétrica, alimentação, gás, medicamento, material, reajuste na folha de pagamento, no mínimo, pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), com tudo isso, o hospital, mesmo absorvendo todo esse aumento, sem ter reajuste, estamos conseguindo manter [o déficit] na casa desses R$ 400 mil”, explica Sidnei.
Ladislao afirma que a direção do hospital tem buscado mais verbas para subsidiar os atendimentos da Santa Casa. “Desde 2013, nós estamos fazendo uma peregrinação em termos de solicitar apoio aos deputados, às autoridades constituídas, porque sabemos que a população em geral já está bem penalizada através de impostos. Vamos e estamos continuando a ir atrás dos deputados, dos prefeitos, batendo em cima dessa tecla de que haja um financiamento por parte das prefeituras e o repasse de verbas parlamentares para custeio da Santa Casa”, conta.
O hospital conseguiu melhorar a infraestrutura por meio de recursos públicos que auxiliaram na compra de equipamentos. Segundo o provedor, o desafio agora é manter as operações do hospital com a atual infraestrutura. “O que falta é como manter a casa. Como pagar as contas? Como pagar o fornecedor? Esse dinheiro teria que ter vindo através do pagamento dos procedimentos. Os reajustes que são necessários fazer dos SUS que há mais de dez anos não são não são feitos e não se tem condição de vislumbrar que ocorra o reajuste ou o acréscimo desse valor nas contas”, explica.
A Santa Casa tem realizado empréstimos para conseguir manter o pagamento e não aumentar o déficit do hospital. “Hoje a Caixa Econômica é a maior dos nossos financiadores. Devemos bastante para Caixa Econômica. As nossas contas estão todas elas equalizadas, até um mês atrás, até no começo do fim do mês de março, nós estávamos mais ou menos em dia. Agora nós já estamos devendo para fornecedor, estamos devendo para os colegas médicos, vamos dever para os nossos funcionários. Por causa da falta desse dinheiro”, conta o provedor.
O hospital tem feito o pagamento de algumas obrigações por meio de empréstimos, mas há outros direitos dos funcionários que acabam tendo atrasos nos pagamentos por falta de recursos. Segundo o diretor administrativo, a Santa Casa já realizou parcelamentos e atrasou alguns pagamentos desses direitos. O temor é que com esses pagamentos atrasados, o hospital não consiga emitir certidões negativas, correndo risco de não estar habilitado para receber recursos públicos. “Através de parcelamento do INSS, Fundo Garantia, imposto de renda, deixava de pagar, parcelava, pagava a folha, pagava o médico, mas hoje chegou no momento que todos esses parcelamentos absorvem o valor de R$ 400 mil por mês. É um valor muito alto. Se não pagar, não tem mais certidões negativas. Não tem a certidão negativa do Fundo Garantia, da Receita Federal. Se você deixar de pagar um tributo ou uma conta vinculada ao Estado, não tem essa certidão. Nós temos que pagar todos esses encargos”, disse.
Durante a pandemia, o hospital chegou a receber doações e recursos públicos, especialmente por meio de emendas parlamentares, para auxiliar na manutenção do hospital. Mas após a pandemia, esses recursos pararam de serem recebidos, justamente em uma época em que há um aumento no custo dos insumos hospitalares. “Pós-pandemia, parou-se. Não conseguimos mais nenhuma emenda de custeio. Essas emendas de custeio, conseguíamos comprar o medicamento, comprar material, pagar um plantão médico e equalizava um pouco. Como já fazem mais de dois anos que essas emendas deixaram de vir, com o aumento dos encargos, o nosso fluxo de caixa estrangulou-se. Hoje, o que o hospital recebe não é mais suficiente”, conta Sidnei.
O pagamento dos funcionários nesse mês só será possível após o recebimento de um recurso público do governo estadual no valor de R$529 mil. De acordo com o diretor administrativo, esse recurso deverá ser liberado apenas esta semana, o que possibilitará o pagamento do restante devido aos funcionários. “Nós temos ainda um convênio em andamento com o Estado, que é para pagamento de honorários médicos. Esse convênio foi feito em dezembro e existe uma promessa por parte do Estado de pagamento nesta semana. Entrando esse recurso, conseguimos pagar os plantões que ficaram, também foram pagos 50%, e o que vai entrar no início do mês, que é a contratualização, que é o contrato do Estado para atendimento do SUS, que entra agora no início do mês, conseguimos pagar a folha de pagamento”, disse.
Uma das alternativas para trazer mais recursos para o hospital é tentar conseguir que ele também atenda pacientes com câncer. O tratamento oncológico auxiliaria a Santa Casa a receber verbas maiores dos governos estadual e federal. No entanto, o provedor da Santa Casa destaca que para conseguir ter isso, é preciso adaptar o hospital e credenciá-lo para o atendimento. “Os hospitais que partiram para a questão do atendimento oncológico, eles tiveram incremento melhor. Isso sabemos também. Mas isso é uma coisa que é para daqui a algum tempo. Vai ter que ter credenciamento, montagem da equipe, toda uma questão que nós não podemos fazer um dia para noite”, explica Ladislao.
O provedor também relembrou que no passado já houve negociações para ter esse tipo de atendimento na Santa Casa, mas que acabou não dando certo. “A questão da Santa Casa vir a atender de alguma forma oncologia é uma questão que nós já tentamos no passado. Existe uma norma operacional, questão de estabilizar núcleos de atendimento à oncologia que são Uncacon [Unidade de Alta Complexidade em Oncologia], o Cacon [Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia], que tudo isso tem número populacional [500 mil na região] e, na época, que nós tentamos fazer isso, estávamos aquém do número da população. Nós só conversamos mais tarde com o Adriano [Lago- Superindente do hospital Erasto Gaertner, que realiza atendimento aos pacientes com câncer], sobre algumas situações que nós podemos fazer e parou por aí. O restante não tivemos nada. Realmente os pacientes que chegam à Santa Casa, que vem de pós-quimioterapia, paciente com anemia, isso nós vamos continuar atendendo e vamos sempre atender. Não vamos deixar eles desassistidos”, conta.
Enquanto não há uma forma de encontrar mais recursos para a Santa Casa, a gestão do hospital tentará rever alguns contratos para conseguir adaptar o valor do custo do atendimento ao que é pago ao hospital. Sidnei explica que cada município possui um contrato que repassa um valor para os atendimentos. “A Santa Casa, por ser referência, os pacientes deveriam ser todos encaminhados via Central de Leitos. O paciente tem que ser atendido no pronto atendimento do seu município ou do município de Irati e ser referenciado pelo SAMU, que hoje temos o SAMU, ou pela Central de Leitos. Mas existem realmente alguns municípios que ainda não tem o pronto atendimento 24 horas, mas que tem um contrato com a Santa Casa. Tem um contrato onde no horário que o pronto-socorro ou pronto atendimento deste município não está em funcionamento ou está fechado, o paciente que vem até a Santa Casa de Irati, é atendido, seja de emergência ou atendimento básico. Mas é pago. Isso, esse município acaba pagando”, disse.
O diretor administrativo revelou que realizou uma pesquisa em outros municípios com hospitais do mesmo porte que a Santa Casa de Irati e verificou que há diferenças entre os contratos realizados em outros locais.
É o caso de Telêmaco Borba, que recebe cerca de R$ 900 mil por mês dos municípios para realizar os atendimentos quando o pronto-socorro ou o pronto atendimento está fechado ou não existente. A situação é diferente do que em Irati, onde a Santa Casa recebe R$ 32 mil do Governo do Estado para manter o pronto-socorro aberto a outros municípios. “O que Telêmaco Borba tem de diferente que nós? Eles não têm esse contrato com o Estado para o pronto-socorro. Eles não têm esse contrato. A porta de entrada do pronto-socorro de Telêmaco Borba é fechada. Só entra o paciente encaminhado pela Central da Leitos”, explica.
Como não há um contrato estadual, os municípios tiveram que entrar em acordo com o hospital para o atendimento. “Eles entraram num acordo e os municípios repassam R$ 900 mil por mês para o hospital de Telêmaco Borba manter a porta aberta, atendendo a todos os municípios. Existem várias formas que nós podemos estar trabalhando”, conta o diretor.
Por isso, a intenção da gestão é rever os contratos com os municípios. “É um contrato que vamos rever, vamos analisar porque eu tenho estudado bastante esses últimos meses como que outros municípios têm feito os contratos com os hospitais e prefeituras. Vamos manter esse contrato com as prefeituras, mas temos que rever os valores. Os nossos valores estão muito abaixo do que todos os municípios praticam”, explica o diretor.
Sidnei destaca que as prefeituras precisarão encontrar maneiras de conseguir melhorar os contratos. “O Jurídico da prefeitura tem que buscar junto ao Tribunal de Contas a forma legal. Cada município consegue uma forma legal, mas não é a Santa Casa que tem que buscar o modelo, tem que buscar a solução, porque o Tribunal de Contas não aceita nós encaminharmos uma solicitação de parecer. Tem que partir do município. O município tem que provocar o Tribunal de Contas”, disse.