Pedido aconteceu após a ACIAI e Observatório Social se manifestarem contra o projeto/Texto de Karin Franco, com entrevista de Juarez Oliveira e Rodrigo Zub

O Executivo de Irati encaminhou um ofício à Câmara de Vereadores pedindo a retirada do projeto sobre o orçamento impositivo. Em ofício, o prefeito de Irati, Emiliano Gomes, destacou que o projeto precisa analisado melhor antes de ser votado. O pedido foi lido na sessão da Câmara do dia 25 de fevereiro.
O pedido para que o projeto seja retirado de pauta acontece após a manifestação da Associação Comercial e Empresarial de Irati (ACIAI) e o Observatório Social contra o projeto. Em entrevista à Najuá, o presidente do Observatório Social de Irati, Gerson Musial, disse que o projeto precisa ser discutido com a sociedade. “Apareceu no Observatório uma manifestação desse projeto e que achamos estranho porque já tinha tramitado antigamente esse projeto. Nós nos reunimos e achamos que o assunto é muito sério para não ser debatido com a sociedade. Acho que a sociedade precisa participar muito desse projeto”, avalia Gerson.
O projeto chegou a entrar em pauta na sessão do dia 17 de fevereiro, mas a vereadora Silvana Rzepka (PSD) pediu vista para analisar mais o projeto. Na mesma semana, a ACIAI e o Observatório Social divulgaram um comunicado explicando porque são contrários a votação do projeto. As entidades também enviaram ofícios à Câmara pedindo a realização de audiências públicas. Os ofícios foram lidos na sessão de terça-feira.
Para Gerson, a forma com que a tramitação do projeto está sendo feita não permite um debate. “Eu acho que é muito sério. Um negócio muito sério, que eu acho que tem que ser muito mais debatido. O tempo de apresentação desse projeto, acho que teria que ter um tempo mais árduo para poder debater isso tudo e ser claro para população”, afirma o presidente do Observatório Social.
A presidente da ACIAI, Samara Coelho, destaca que o projeto pode engessar o planejamento do município e atrapalhar as obras prioritárias que precisam ser realizadas. “É começo de ano, é uma nova gestão. Nos preocupa, como que vai ser daqui para frente. Independente de qual fosse o prefeito. Nós não estamos defendendo nem um, nem outro, mas a gestão nova. É isso que nos preocupa porque pode engessar essa verba que vai ser destinada, todo ano vai ser destinado. Será que para onde que vai essa fiscalização, como que vai ser feita? É isso que nos preocupa. Se acaba engessando, tem coisas que tem prioridade a ser feita, não vai poder. Acaba atrapalhando até a questão do planejamento do município e estagnando também o próprio município”, disse.
O presidente do Observatório ainda fala sobre a falta de debate do assunto com o Executivo. “Quer dizer, tem que engolir uma coisa no início de governo. O governo está com 60 dias. Nem está com todo o orçamento na mão. Não está sabendo da real situação ainda. Nós temos que dar aqueles 100 dias de prazo para eles, para eles poderem se posicionar. E, de uma forma muito rápida, vem um projeto desse aqui, impondo condições que vai mexer em todo o orçamento. Está abrindo uma falta de diálogo entre as partes”, explica.
De acordo com a apuração da nossa reportagem, o projeto permite que os vereadores determinem onde serão investidos cerca de R$ 3,8 milhões do orçamento municipal, um valor equivalente a R$ 380 mil para cada vereador. Diferente das indicações, onde o prefeito pode decidir se fará ou não o investimento proposto pelo vereador, o projeto do orçamento impositivo faz com que a prefeitura seja obrigada a fazer a obra estipulada pelo vereador.
Uma das preocupações das entidades é o impacto financeiro que o projeto terá no município, conforme Gerson. “Tem algum estudo de impacto financeiro que vai dar isso no município? O que vai prejudicar na saúde, o que vai prejudicar? Ou o que vai beneficiar na saúde? Nós não sabemos. Precisa ser claro, isso precisa ser esclarecido para a população”, afirma o presidente do Observatório.
O texto do projeto estabelece que a metade do percentual do orçamento impositivo deverá ser destinado às ações e serviços públicos da saúde. O projeto ainda proíbe que o recurso seja destinado a pagamento de pessoal e encargos sociais. Gerson comenta que ainda é preciso mais esclarecimentos sobre o projeto. “Metade vai para saúde, está dando metade, mas o restante? Há uma necessidade em um bairro, outra coisa. Isso precisa ser visto. Quanto cada vereador vai ter pra poder usar? Não está claro na lei”, comenta.
O projeto de Irati é baseado na Emenda Constitucional nº 86/2015, que implementou mudanças no processo legislativo da União, trazendo a reserva obrigatória, do percentual de 1,2% da receita corrente líquida, dentro da proposta orçamentária apresentada pelo Poder Executivo, destinada às emendas individuais dos parlamentares à Lei Orçamentária Anual (LOA). O ex-vereador e ex-presidente da ACIAI, Rogério Kuhn, entende que o projeto iratiense não pode se fundamentar em uma emenda federal. “Eu acho que esse projeto é inconstitucional e ilegal. Primeiro porque se baseia num projeto federal, trazendo para os municípios. Vão dizer que algumas cidades já têm. Claro, é fácil de adivinhar isso. Onde não tem oposição, qualquer projeto passa”, disse.
Para Rogério, a proposta de mudar a lei orgânica é danosa. “É uma lei que vai contra a lei orgânica do município. Por isso que eles estão mexendo na lei orgânica do município, que é a nossa carta magna. Isso é danoso para o sistema legislativo. Legislativo, legisla. Executivo, executa. Nós não temos o direito e o poder, como vereador ou como qualquer membro da sociedade, de aprovar que usem o dinheiro do orçamento do povo, que é dinheiro recolhido do povo, para que o vereador faça um evento, uma piscina no Faxinal do Sabugo Sujo e venha se vangloriar com isso”, conta.
O ex-vereador ainda destaca que o projeto dá margens para a corrupção no município. “Vai surgir a possibilidade da corrupção. Eu contrato o Gerson por R$380, ele me dá R$20 e fica por R$360. Ele toca o projeto e faz a piscina, faz o campinho de futebol, o campinho de vôlei, a estátua do prefeito”, explica.
Outro ponto abordado por Rogério é que o projeto pode dificultar a renovação de pessoas na Câmara. Para ele, os eleitores podem votar apenas em vereadores que fizeram alguma obra em uma região. “Isso diminui a concorrência e a permanência do vereador no poder. Porque isso vai estimular as pessoas. ‘Ah, que beleza, o vereador Rodrigo fez uma piscina pública para nós aqui em tal lugar’. Você vai ser o dono daquilo. O dinheiro é do Executivo, do povo”, disse.
Rogério destaca que é preciso discutir o projeto em uma audiência pública. “Caberia uma audiência pública, o que eles não farão, com certeza absoluta, mas caberia uma audiência pública para isso. O jurídico da Câmara devia se atentar. Não sabemos o parecer dele, porque muitas vezes, um projeto é votado com o parecer negativo do jurídico da Câmara. Por incrível que pareça. Porque ninguém dá atenção ao jurídico. Ele está lá só para fazer enfeite. E trabalhar, logicamente, dentro das regras. Eu duvido que o jurídico esteja plenamente acertado com esse projeto”, conta.
O ex-vereador lembra que parte do orçamento municipal é destinado à Câmara Municipal, que não usa o valor total. Para Rogério, a Câmara deveria refazer o seu orçamento. “Eles têm direito a um orçamento anual, que inclusive é sempre acima do que eles gastam. No final do ano, aparece na reportagem, o presidente devolvendo um cheque de R$ 1 milhão, R$ 2 milhões para a prefeitura. ‘Estamos devolvendo, nós economizamos’. Não, eles fizeram um orçamento errado. O nosso gasto era, por exemplo, quando eu era vereador, de R$ 1,8 milhão. E o pedido do orçamento: R$ 4 milhões. Então, sobrou no final. Apareceu no jornal, na rádio, o presidente da Câmara, em nome dos seus vereadores, devolve ao município R$ 2 milhões. Que absurdo isso! Como devolve ao município? Tinha que falar que fizeram um orçamento errado”, aponta.
Outro questionamento sobre o projeto é a origem dos recursos para o projeto. “Quando você é vereador e faz um projeto, você tem que definir a fonte de dinheiro. Você tem que correr lá no prefeito e falar: ‘Vou fazer um projeto de lei, mas eu quero saber se o senhor paga ou a senhora paga’. Ele fala: ‘Tudo bem, pode tocar’. Você faz o projeto dizendo que a fonte é do Executivo. O dinheiro será tirado do Executivo. Aqui não diz claramente de onde que sairá o dinheiro. O Executivo que vai ter que assinar, vai ter que concordar, mas todo o projeto deve ter uma fundamentação financeira, orçamentária, bem definida. Aqui não está definido”, disse o ex-vereador.
Segundo Rogério, há um risco do projeto ser usado para coagir a nova gestão municipal. “É claro que o Executivo pode ceder, e talvez ceda, mas é sob coação, sob pressão, sob: ‘Nós vamos apoiar o senhor ou a senhora, se esse projeto for aprovado, se o senhor nos der R$ 3,8 milhões. Senão nós não vamos aprovar mais os pedidos que são essenciais para o município’”, explica.
Em ofício lido pela primeira secretária, a vereadora Sybil Dietrich, na sessão do dia 25 de fevereiro, o prefeito de Irati, Emiliano Gomes pediu que o projeto fosse retirado de pauta. “É uma temática deveras complexa, cuja adoção deve ser precedida de amplo debate com os setores governamentais, e com a própria sociedade ser alcançada com a drástica mudança na condução da política orçamentária do ente que cogita a transição de modelo. Cabe considerar que a literatura científica que se debruça sobre o assunto não é unânime, havendo sólidas vozes que se erguem desfavor do modelo impositivo ora proposto. Defende-se, de um lado, que mesmo no modelo autorizativo, há protagonismo na atuação dos parlamentares dos diversos entes, o que seria decorrência natural do caráter mandamental das leis orçamentárias, que já logram garantir participação dos legislativos nas decisões financeiras do ente”, explica o prefeito em ofício.
O ofício ainda pontua dificuldades no planejamento, caso o projeto seja aprovado. “Considera-se ainda que o modelo plenamente impositivo é prejudicial, pois fragmenta o planejamento financeiro e a própria formulação de políticas públicas pelo município. Devendo-se considerar que o debate sobre as reformas orçamentárias brasileiras tem negligenciado aspectos inerentes à própria dinâmica de decisão dessas reformas, como as configurações de poder, atuação de múltiplos atores, cultura, políticos, preferências conflituosas, além da influência do comportamento organizacional de atores e identidades. Isso constitui um problema grave para a implementação, pois, segundo Levi-Spiller, citado por Veloso, para que sejam obtidos resultados esperados, não basta que a política seja adequadamente definida, é necessário que ela também seja compatível com as demais instituições políticas”, diz em ofício.
O prefeito de Irati ainda destacou a dificuldade de implementação com o orçamento do município. “Ademais, se considerado o difícil quadro orçamentário do ente municipal, que já não goza de margem nem elasticidade para o manejo orçamentário, ante ao elevado valor de gastos fixos a serem dependidos neste e nos próximos anos, sem embargo das majorações já previstas para tais gastos fixos, é ainda mais temerária a tramitação, sendo verdadeiramente imprudente o seu seguimento, sem que antes seja avaliada a sua exequibilidade, o que certamente requer maiores estudos”, diz em ofício.
O Executivo de Irati ainda enviou para a Câmara uma documentação com um resumo contábil para demonstrar a situação das projeções financeiras para o município.
O presidente da Câmara Municipal, Helio de Mello, também se manifestou na sessão do dia 25 de fevereiro sobre os ofícios enviados. Ele comentou que os vereadores se reuniram com o Observatório Social na segunda-feira (24) e com a ACIAI na terça-feira (25) para discutir o projeto. “Os vereadores que conseguiram, pudemos ouvir ontem [24] o Observatório Social, viemos aqui na Câmara, depois das 18, ficamos aqui, atendemos, e hoje [25], em uma reunião muito importante, também uma conversa com a ACIAI, que, na verdade, nós achávamos que viria só a ACIAI, mas compareceu a ACIAI, o Observatório Social, a imprensa, o ex-prefeito Rodrigo, representantes de sindicato, a professora Ana Radis, coordenadora que foi candidata à prefeita, secretários municipais compareceram, o comandante Jorge Augusto, do Corpo de Bombeiros. Foi uma reunião, na minha conta, tinham 34 pessoas que participaram, um bom entendimento, a palavra que pesa ainda é a palavra impositivo. Impositivo é porque é o nome da lei, é impositivo, é o nome da lei, então não podemos alterar esse nome, houve um bom entendimento, houve grandes avanços para esta matéria aqui, e, com certeza, estamos abertos para maior entendimento, maior discussão, com a nossa comunidade”, disse.
Atualmente, o projeto recebeu pedido de vista da vereadora Silvana e pode voltar a ser discutido na próxima reunião da Câmara, na terça-feira, dia 11.