Especialistas comentam sobre os impactos da inteligência artificial no cotidiano

28 de abril de 2023 às 22h42m

Da educação até a música, a inteligência artificial está trazendo transformações que ainda não foram vistas na sociedade; especialistas comentam sobre os impactos que essa nova tecnologia trará nas nossas vidas/Texto de Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub

Fazer uma pergunta ao computador e imediatamente ter um texto pronto para imprimir parecia ficção científica até bem pouco tempo, mas a disponibilização para testes de uma ferramenta chamada ChatGPT mostrou que a ficção científica já virou realidade.

O ChatGPT é uma inteligência artificial de linguagem natural onde as pessoas podem conversar com um robô em uma sala de bate-papo. O ChatGPT é treinado para aprender com as perguntas e responder sobre diversos tipos de assuntos. Por meio de comandos digitados no chat, a inteligência artificial consegue realizar vários tipos de textos e reúne informações amplas em uma linguagem simples e clara. A inteligência artificial foi disponibilizada para testes do grande público em novembro do ano passado.

Desde o lançamento, a capacidade de respostas e formatações de textos surpreendeu diversas pessoas, fazendo ressurgir o debate sobre os impactos das ferramentas tecnológicas no dia a dia.

Para especialistas, o momento é de conhecimento das potencialidades da inteligência artificial, mas também de ponderação já que a inteligência artificial pode apresentar aspectos positivos e negativos em relação ao seu uso.

Um dos primeiros aspectos a serem vistos é que a inteligência artificial se tornou uma nova forma de compartilhamento de informação, segundo o professor de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), Sergio Kulak. “Isso é uma mudança de paradigma diante do cenário que nós nos encontramos. Basta pensar que hoje o aluno tem um papel que ele precisa ir atrás da informação e o ChatGPT traz muita informação pronta. Lógico, ele ainda está em fase de testes. Eu acho que o momento mais crítico ainda não chegou em relação a eventuais cópias, mas pensar que nesse momento, o ChatGPT contextualiza determinados conceitos, ele pode fazer indicações de onde encontrar determinadas leituras, entre outras possibilidades”, explica.

Professor da Unicentro, Sérgio Kulak, alerta que o ChatGPT não possui uma busca aprofundada sobre determinados assuntos, o que pode fazer com que uma informação inverídica seja repassada como verdade. Foto: Arquivo Pessoal

O ChatGPT foi alimentado com uma série de textos e informações até o ano de 2021. Esse banco de dados permite que a inteligência artificial traga informações e compile em um texto claro e objetivo. No entanto, o ChatGPT ainda não possui poder de buscar informações na internet, o que faz com que as informações estejam desatualizadas. Por exemplo, se alguém perguntar que se Pelé morreu, o ChatGPT dirá que ele está vivo.

A inteligência artificial é treinada para aprender com informações de usuários que podem atualizar esses dados. Mas como está em período de testes, algumas informações ainda não são atualizadas. Para Sérgio, essa ação de aprender pode trazer um novo conceito para a área da educação. “Algumas informações entram em choque porque ele ainda não está aprendendo com aquilo que é inserido dentro dele. Com o passar dos anos e o objetivo da inteligência artificial é gerar o aprendizado próprio, vamos ver que a dinâmica vai mudando totalmente. Por consequência, isso vai potencializar significativamente o ensino. O aluno que hoje tem um caráter mais passivo, que ele não procura tanta informação, ele vai ter condições de entrar no ChatGPT, estabelecer diálogos com a máquina. Essa máquina pode sugerir determinados textos, ele fazer a leitura desses textos, entender os conceitos, viabilizar maneiras de aplicação, então ele também tem o seu aspecto positivo”, disse.

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A capacidade da inteligência artificial em criar textos também traz o desafio de combater o plágio entre estudantes. Ferramentas atuais já auxiliam professores a reconhecerem se um aluno copiou um trabalho escolar. Mas com a inteligência artificial, o combate ao plágio poderá ser ainda mais desafiador.

O professor da Unicentro destaca que a inteligência artificial forçará o educador a repensar as atividades propostas em sala de aula. “O professor não vai poder simplesmente pegar uma folha copiada como era antigamente, uma folha impressa e julgar que aquilo é escrita do próprio aluno. Por outro lado, já tínhamos essa perspectiva. Já há muito tempo eu utilizava, por exemplo, a ferramenta do CopySpy, que era para ver se os alunos não copiaram da internet, de copiar o texto na sua íntegra e passar de uma mídia para outra. A questão é o olhar do professor porque, na prática, temos que estar atento em relação a essas eventuais cópias que surgirem e agora facilitou para o aluno que não tem tanta vontade, joga aquele material mais pronto, vai demandar um olhar mais atento do professor quanto a isso”, conta Sérgio.

A boa notícia é que já está sendo desenvolvida uma inteligência artificial que conseguirá descobrir se um texto foi escrito ou não por outra inteligência artificial. Para o professor, o mecanismo auxiliará os profissionais, que ainda precisam estar atentos no momento da avaliação. “Lógico que ele também desenvolve uma questão própria textual e que isso um professor menos atento pode deixar que passe. Por outro lado, existem ferramentas que estão na versão Beta, em fase de teste, que é justamente para identificar se aquela abordagem foi desenvolvida por uma inteligência artificial ou se foi desenvolvida por uma pessoa de fato, que envolva um aspecto de subjetividade. Nesse sentido, vamos ter então, enquanto professor, uma maneira de avaliar a forma que aquele texto foi desenvolvido e, eventualmente, participando ou não de uma inteligência artificial”, disse.

Sérgio ainda destaca que, apesar dos avanços, a inteligência artificial ainda não consegue ser aprofundada, podendo trazer riscos aos alunos que optarem em usar a ferramenta em seus trabalhos. “Pegando uma perspectiva do modelo que nós temos hoje, que como eu falei ele ainda está em fase testes, vemos uma série de conceitos que ainda são muito errados. Vou te dar um exemplo. Esses dias, em sala de aula, eu testava com alguns alunos a aplicação de alguns conceitos numa teoria que se chama semiótica, da qual eu sou especialista. À medida em que o Chat trazia para mim informações, ele fazia algumas considerações que eram bastante erradas. Um especialista, uma pessoa estudiosa daquele assunto, vê que existiam várias relações que eram inverídicas e que, de alguma maneira, se isso fosse apresentado pelo aluno, ia resultar em uma nota zero, qualquer coisa nesse sentido. Porque, de fato, ele não entendeu a teoria”, conta.

As informações inverídicas ocorrem principalmente porque a inteligência artificial ainda está em uma versão inicial. Segundo o professor, a ferramenta se aprimorará com o tempo, podendo apresentar futuramente informações ditas como verdadeiras. “Se eu chego com pouca informação, eu posso ser enganado e acabar reproduzindo informação falsa. Entretanto, com o tempo e essa adequação, no qual ele [ChatGPT] tenha o próprio aprendizado e vá corrigindo os seus eventuais bugs, pode ser que a informação acabe sendo verídica”, explica.

Apesar do alerta sobre a veracidade das informações surgidas a partir da inteligência artificial, o professor destaca que o uso positivo ou negativo da ferramenta ficará ao cargo do usuário. “Depende muito do indivíduo que está interagindo com a máquina, essa perspectiva de avançar em relação ao conteúdo que ele está recebendo ou de ficar somente naquilo que, eventualmente, aparece no próprio chat”, conta.

Para o professor da Unicentro, há situações positivas que precisam ser reconhecidas. “Eu diria que ele traz situações que devem ser entendidas como positivas, sobretudo nessa ideia de compartilhamento de informação, de busca por determinadas estruturas conceituais, até mesmo indicações de materiais que muitas vezes nós não temos acesso, dada à pluralidade de informações que temos na internet. Ele pode pegar, por exemplo, um material em inglês, um material em espanhol e a partir do conhecimento dele, ele faz essa tradução para mim dos conceitos. Isso vai me estimular, enquanto indivíduo que está interagindo com ele, a buscar a leitura desses materiais que, eventualmente, por termo chave em português, eu não encontraria num Google Acadêmico ou plataformas semelhante”, explica.

Contudo, Sérgio ressalta que é preciso atenção, especialmente na educação, para que a inteligência artificial não seja usada para algo ruim. “O aspecto negativo é que não tendo um olhar atento, tanto professor na hora da correção, quanto o aluno no contexto da elaboração dos trabalhos que são passados, eles podem acabar reproduzindo informação errada, além de ter também toda aquela questão de plágio, ter também aquela questão de não ser um material da própria autoria do indivíduo. Na parte do professor, de acabar passando, dando boas notas ou até mesmo aprovando alunos que não tenham desenvolvido as competências necessárias, os aprendizados necessários naquela disciplina. Isso acaba sendo um problema porque podemos acabar formando profissionais ruins”, disse.

O cuidado no momento da avaliação é reforçado pela jornalista e comunicadora da Massa FM Serra Gaúcha/RS, Ana Cristina Bostelmam, que destaca que os jovens tendem a incorporar o uso da inteligência artificial de forma rápida. “Os educadores, principalmente, aqueles de português e de redação que eu acho que vão ser bastante afetados com essa ferramenta, vão ter que se adaptar e vão ter que conviver com ela porque ela vai fazer parte da vida dos alunos. Isso não tem como negar. Os alunos mais novos têm uma facilidade muito maior, inclusive do que os professores, de lidar com essas ferramentas. A adaptação, o conhecimento é que vai fazer toda a diferença”, conta.

A jornalista também salientou que a inteligência artificial pode trazer situações boas se for usada de uma maneira correta. “Ela pode ser uma boa ferramenta para melhorar os estudos, servindo como uma assistência personalizada para um aluno com dificuldade. A inteligência pode ser uma alternativa de uma segunda explicação, por exemplo, que faça a pessoa compreender melhor um conteúdo que ela não entendeu com o professor. Isso pode ser bem positivo”, disse.

Jornalista Ana Cristina Bostelman diz que os profissionais precisam se adaptar ao uso da inteligência artificial assim como ocorreu no passado com a popularização dos computadores e calculadoras modernas. Foto: Arquivo Pessoal

E para quem trabalha com texto, a inteligência artificial pode ajudar nos momentos de falta de inspiração. “Eu acho também que pode ser uma fonte de inspiração sobre um assunto, um ponto de partida na realidade. É um novo momento de desenvolver ideias e quem sabe resolver aquela bendita síndrome da página em branco, que é quando vamos começar a fazer um texto, uma redação e não consegue iniciar. Claro que tudo isso usado com bastante cuidado”, explica.

Para Ana Cristina, para que esse uso seja positivo é preciso que os professores sejam incentivados a conhecer a ferramenta para que vários aspectos possam ser discutidos. “Um incentivo para que os educadores entendam o processo e criem metodologias ativas na construção da sua atividade. Vamos ter que ter essa discussão mais breve possível com os alunos e mostrar para eles, mostrar para as pessoas como um todo quais são os critérios de ética, de responsabilidade, até de conhecimento para o futuro, que a inteligência artificial vem trazendo”, conta.

De acordo com a jornalista, a adaptação das novas tecnologias é algo inevitável. “Assim como tivemos que nos adaptar a várias coisas, várias tecnologias, várias novidades que surgiram. Por exemplo, os professores e profissionais na década de 1990, quando surgiram com mais acessibilidade os computadores ou as calculadoras modernas. Entre outras coisas que foram surgindo, nós vamos ter que se adaptar e achar caminhos”, explica.

Além da preocupação dentro da área da educação, outras profissões podem ser afetadas com a popularização da inteligência artificial. Para alguns, a inteligência artificial poderá se desenvolver a tal ponto de substituir algumas profissões já conhecidas.

Mas para o advogado e comunicador, André Nogueira, essa realidade ainda está longe de acontecer, especialmente na advocacia. “Nós achamos até o momento que é muito difícil que a tecnologia venha substituir a totalidade do trabalho do advogado. Afinal de contas, o conhecimento jurídico é muito amplo e se baseia não só na própria legislação, de acordo com a área que o advogado atua, mas se baseia na questão da jurisprudência, que é o conjunto de decisões a respeito de algum tema, e também no que nós chamamos de doutrina, que é o conjunto do estudo que é feito na ciência do Direito, o que os especialistas, o que a academia pensa a respeito de determinadas questões em cada área do direito. Essa doutrina é muito ampla. É uma doutrina nacional, a qual é utilizada no direito nacional e também a doutrina internacional, a qual é utilizada para fundamentar muitas alterações e mudanças na legislação. E também no entendimento a respeito de questões jurídicas aqui no âmbito nacional”, conta.

André Nogueira avalia que a inteligência artificial não vai substituir o trabalho realizado pelos advogados e jornalistas, que são as suas áreas de atuação. Foto: Arquivo Pessoal

Contudo, a inteligência artificial poderá ser um bom auxiliar para os advogados. “Ele pode auxiliar à formatação de petições ou qualquer peça processual que o advogado venha desenvolver, mas não substituir. Até porque nós temos a Lei Geral de Proteção de Dados aqui no Brasil que nos faz um alerta muito importante a respeito do plágio. Todo mundo sabe que a inteligência artificial funciona a partir de balizas já pré-estabelecidas. Ela não vai pensar e desenvolver um texto extremamente novo. Ela vai desenvolver a partir de premissas artificiais desenvolvidas por uma tecnologia. Nós entendemos que ela pode auxiliar, mas nunca pode substituir”, explica.

Outra profissão questionada é a de jornalista. Com a possibilidade de fazer textos em segundos, será que esta profissão poderia ser substituída? Para o comunicador André Nogueira, isso não deve ser uma realidade, pois o trabalho do jornalista vai mais além do que escrever textos, incluindo etapas importantes como a de verificação de notícias e registro de fatos. “[A inteligência artificial] pode auxiliar no levantamento de informações, mas não vai nunca substituir o raciocínio, a montagem de um texto e, principalmente, substituir a questão prática do dia a dia do jornalismo, que é da averiguação, da investigação dos fatos. Um fato que acontece, por exemplo, agora nesse momento, nesse horário, até você ter um conjunto de premissas estabelecidas na internet para que a tecnologia artificial possa criar um texto e te passar uma informação vai demandar um certo tempo. Nada como a presença do jornalista, a presença do comunicador no local, averiguando esse fato. A partir daquela notícia publicada, por exemplo, no site da Rádio Najuá ou publicada num conjunto de outros portais e emissoras de TV e rádio, lá na frente o sistema de tecnologia vai utilizar essas premissas pré-estabelecidas para poder transformar informação a ponto de ela ser utilizada pelo usuário”, conta.

Além da inteligência artificial baseada em texto, outras ferramentas que também usam inteligência artificial se popularizaram nos últimos meses. É o caso de ferramentas que trazem artes inspiradas em fotos e até mesmo na área da música, com ferramentas que auxiliam na composição de novas melodias e letras.

O compositor e vocalista da banda Rádio Radar, Vitor Martim, conta que essas novas ferramentas podem ameaçar quem realiza um trabalho automatizado que não explora a criatividade. “Essas inteligências artificiais não vão fazer nada mais além do que já está sendo feito hoje em dia. As músicas estão sendo mais do mesmo já tem um bom tempo. Você pode perceber na programação que uma música fala sobre um tema. A outra também está falando sobre o mesmo tema. Elas usam as mesmas palavras. As mesmas rimas. Muda-se a batida, mas se você for olhar o contexto, os temas são os mesmos. Eu acho que a inteligência artificial vai continuar fazendo o que o ser humano já está fazendo ultimamente”, disse.

Vitor Martim é vocalista da banda Rádio Radar. Ele opina que as músicas atualmente têm letras parecidas e que o uso ada inteligência artificial não deve mudar a realidade do meio musical. Foto: Juarez Oliveira/Arquivo Najuá

Para Vitor, quem opta pela inovação e pela criatividade não irá se sentir ameaçado pela ferramenta, já que ela não consegue reproduzir as emoções que o ser humano sente. “Vai ser cada vez melhor para quem trabalha inovando. Vai ser cada vez melhor para quem trabalha utilizando o sentimento humano. Eu acredito muito no sentimento humano. Eu acho que isso vai ser fonte de destaque. Já está sendo. Cada vez quando alguém tem uma sacada diferente, uma ideia diferente, isso se destaca. Eu acho que isso não vem a atrapalhar. Acho que isso vai poder ajudar a dividir quem está sendo mais do mesmo ou quem está tendo naturalidade e genialidade numa ideia nova”, conta.

Embora o aparecimento da inteligência artificial tenha acirrado o debate sobre a realidade das profissões, o momento pode servir para que as pessoas conheçam as potencialidades das novas ferramentas. “Acho que o conhecimento, o entender, o ler, fazer uma leitura aprofundada, ver como é a ferramenta, eu acho que esse é o grande momento que vivemos agora e que há necessidade de conhecer isso. Para os nossos filhos, para os mais novos isso vai ser mais fácil porque entra na vida deles com uma facilidade incrível. Eles entendem disso de uma maneira bem diferente do que nós, uma geração um pouco mais antiga, entendemos. Mas eu acho que nós temos que nos esforçar e fazer um movimento em relação a este conhecimento também. O quanto é importante fazermos isso de forma bem prática e bastante informativa mesmo”, explica Ana Cristina.

De acordo com a jornalista, o tempo é de parar e encontrar as possibilidades que a inteligência artificial tem a oferecer para todos. “No meu ver, parcimônia e entendimento sobre a ferramenta, eu acho que sejam os principais itens que precisamos olhar nesse momento. Em especial, para comunicadores e professores, o momento agora é de entendimento e de conhecimento”, disse.

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