Ator e diretor Douglas Kodi, de Maringá, vai apresentar a peça “O soldado, a tigresa e uma outra história” nesta quarta e quinta-feira, a partir das 20 horas/Paulo Sava

O CEU das Artes de Irati receberá nesta semana uma oficina de dramaturgia e também uma apresentação teatral da peça “O soldado, a tigresa e uma outra história”. A peça será apresentada na quarta-feira, 12, e na quinta, 13, a partir das 20 horas.
Já a oficina de dramaturgia para atores e não atores será realizada na quinta-feira, 13, das 09h ao meio-dia. Em entrevista à Najuá, o ator e diretor Douglas Kodi contou qual será o objetivo desta oficina.
“A ideia é de compartilhar um pouco do meu processo criativo na hora de escrever textos. É para artistas e não artistas porque é mais ampla, e não é dramaturgia no sentido mais estrito. Pensamos que a dramaturgia seria sentar e escrever um texto, o que eu gosto muito, mas primeiramente eu tenho um diálogo com os participantes, pergunto o que eles fazem, o que eles querem aprender, o que gostam e o que esperam deste curso. Depois disso, a gente vê formas de escrever um texto, que inspirações a gente pode ter para escrever um texto sem pensar muito. O que acontece quando queremos escrever ficção? A pessoa começa a colocar muitas travas e se julgar muito, a pensar se vai ficar bom e certo, sendo que temos que pegar e escrever, depois ler o que a gente escreveu e reescrever. Este é praticamente o processo todo: eu escrevo, leio e reescrevo”, comentou.
Os textos dramatúrgicos podem ser escritos a partir de inspiração em coisas simples, conforme Douglas. “Pode ser como está o sol hoje, a minha parede branca, uma pessoa que eu vejo na rua ou uma conversa que eu tenho com um amigo. A gente tem que estar atento para a sensibilidade da coisa mais simples para entender como ela é muito complexa. Vamos ver como podemos escrever uma ficção em histórias de coisas banais. Não precisa ser histórias da vida, podem ser a partir do nada, de uma caminhada que a gente fez na rua. Escreve tudo o que viu e disso se cria uma história, e dela vão sair coisas muito profundas que a gente nem pensava e nem olhava”, frisou.
Para Douglas, somente desta forma a pessoa consegue escrever textos simples e, ao mesmo tempo, profundos. “A única coisa que podemos colocar para fora na vida é o que absorvemos. Eu posso escrever sobre um gato que mora em Nova York, mas, por mais que eu escreva sobre este gato, eu vou estar escrevendo sobre mim, porque sou eu que estou escrevendo. Isto pode ser uma coisa tão profunda da gente que nem sabemos de onde veio. Eu acho que escrever é ótimo para quem não tem que levar isto como profissão necessariamente, mas a pessoa descobre que realmente consegue escrever histórias e descobrir sobre si e ainda mais sobre o que ela quer fazer amanhã da vida. Eu acho que é um processo muito bom, minimamente, para quem tem uma curiosidade sobre o assunto e mais profundamente para quem quiser isto como um trabalho para a vida”, pontuou.
Público-alvo da oficina
A oficina será voltada especialmente para os adolescentes e tem um limite de 20 vagas, intermediadas pela equipe do CEU das Artes. “Na oficina, serão adolescentes por intermédio do CEU das Artes, o que eu achei muito legal, pois a adolescência é uma idade muito boa. Eles têm muitas dúvidas, o que quer fazer ou não, muitos sonhos e energia. Ao meu ver, a adolescência é uma fase muito difícil da vida, porque estamos incertos. Um trabalho desses ajuda a trabalhar a concretude da imaginação. Tudo acabou sendo para adolescentes devido ao CEU, o que eu acho ótimo e adoro”, comentou.
As inscrições podem ser feitas através de um link disponível no Instagram da Companhia “Teatro do Alvorecer”.

Como surgiu a peça “O soldado, a tigresa e uma outra história”
Douglas contou também como surgiu a peça “O soldado, a tigresa e uma outra história”.
“Ela conta a história do meu bisavô, que sempre sonhou em ir para a guerra, e um dia ele vai para a guerra embarcando em um navio “Ashigarô”, gigante do Japão. Lá tem uma batalha em alto mar e ele toma um tiro na perna, foge da batalha e vai parar em terras que ele nunca soube me contar se era China ou Coreia. Era algum lugar da Ásia, tinha muita água lá. Ele é abandonado pelos companheiros com a perna furada, mas caminha sozinho e encontra uma caverna, onde morava uma tigresa. Meu bisavô morou com a tigresa e com o filhotinho dela, um tigrinho, numa caverna por muito tempo. Depois, ele voltou para casa com a ajuda de um amigo, mas isto é uma outra história. Esta peça se chama “O soldado, a tigresa e uma outra história””, comentou.
Para escrever a peça, Douglas se inspirou em textos de Paulo Leminski, Dario Foo (dramaturgo italiano) e Cláudio Seto (autor de mangás, que são quadrinhos japoneses). “Como eu tenho muita inspiração em Dario Foo, que é o único ator e autor a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura. Ele trouxe esta tradição para o teatro, de um ator poder escrever, dirigir e interpretar a própria obra”, comentou.
A peça é dividida em três atos: no primeiro, o soldado, ainda menino, vai para a guerra. Para isto, Douglas se baseou no livro “A Arte da Guerra”, que questiona a ideia de guerra. O autor buscou inspiração também em Paulo Leminski, através do livro “Guerra dentro da gente”, obra infanto-juvenil que narra a história de um menino que sonha em ir para a guerra. “Eu achei que isso tem um diálogo bem grande com a história do meu bisavô, por ser uma coisa mais infanto-juvenil e fantástica. Este menino, soldado, vai para a guerra e vê que não é aquilo que ele sonhou”, frisou.
No segundo ato, inspirado em Dario Foo e na história da tigresa, o personagem é um soldado que vai para a Guerra da Grande Marcha Chinesa e mora com uma tigresa numa caverna. “Eu peguei isto misturado com uma ideia de animação japonesa. Eu imaginei que seria muito possível em uma animação japonesa”, comentou.
No terceiro ato, a peça retrata um dos contos japoneses que vem se propagando desde o século VIII. “O terceiro ato já é uma outra história, que é a mais trazida pelos imigrantes do Japão, um conto fantástico japonês, destas fábulas japonesas, que datam desde o século VIII. Eu trago uma releitura muito mais contemporânea e misturo estas três coisas na peça, casa uma em um ato”, ressaltou.
Formato
A peça será apresentada em forma de monólogo e tem a proposta de ser mais intimista, ou seja, o ator deverá se aproximar mais do público. Haverá um número limitado de vagas para a população acompanhar a apresentação. “Ele é muito energético, explosivo e rápido, mas não é para muitas pessoas. A ideia é que não caibam muitas pessoas no espaço. O público fica bem perto de mim, é um monólogo, fica bem perto e vai ter muito equipamento de luz, tem um jogo de luz muito interessante na peça. Então, assim, são poucos lugares, e eu vi que o CEU das Artes tem um espaço muito grande, o que não tem problema nenhum, mas a peça é pensada para um público mais reduzido. Então, é bom chegar antes”, alertou.
Pesquisa
Douglas estreou a peça em 2022, mas começou a pesquisa sobre seu bisavô antes disso, quando teve acesso a alguns escritos de seu tio, que residiu com o soldado. “Meu tio morou com este meu bisavô japonês mesmo, meu avô também, é uma geração bem próxima. Pegou os escritos dele, que sempre sonhou em ir para a guerra, mas não foi. Eu pensei no que aconteceria se ele fosse para a guerra. É um processo que, na escrita e na literatura em geral, chamam de “alterbiografia”, que você escreve a biografia de uma outra pessoa e a fantasia, é um alter ego biográfico. Eu não conheci nem meu bisavô e nem o meu avô, inclusive, e a minha avó eu conheci muito pouco. Eu peguei estes escritos do meu tio que viveu com meu bisavô, ele falou que sonhava em ir para a guerra, que os irmãos e tios dele lutaram na guerra, descrevia como era a guerra, como se ela fosse algo interessante e legal, o que é completamente absurdo, ao meu ver”, comentou.
Depois, o ator e diretor começou a assistir filmes e ler peças que falavam em guerras. Ele teve acesso a obras curitibanas que falassem de guerra e tivessem relação com o Japão. “Eu gosto muito do Paulo Leminski, dos poemas e principalmente dos ensaios dele, dos textos ensaísticos, e ver o que ele falava sobre a guerra, este autor curitibano tão importante. Dario Foo escreveu muito sobre a guerra. Então misturando isto, “A Arte da Guerra”, este livro tão famoso, com a história do meu bisavô para tentar reconstruir ela de um jeito fantástico para questionar esta ideia de guerra. Uma coisa que eu questiono também é essa ideia de masculinidade, a coisa de o homem ter que ser forte e ir para a guerra. Mas o que é a guerra? É abordar uma questão que é muito filosófica, tipo o que é a guerra, o que é ser forte e ser homem, o quanto isto vale a gente sonhar com um ideal de algo e este ideal não acontecer”, finalizou.