Um dos objetivos da Campanha Agosto Lilás é ajudar a trazer informações para a mulher reconhecer se está sendo violentada. Em entrevista à Najuá, psicóloga e advogada repassaram informações sobre o combate da violência à mulher/Karin Franco, com reportagem de Juarez Oliveira
As informações passadas na campanha ajudam a conseguir alcançar um dos desafios do combate: a dificuldade de muitas vítimas perceberem que estão sendo violentadas. “Muitas vezes acaba sendo naturalizado como natural uma geração com outra geração enfrentar violências que até então são normais. Até que: ‘Opa, não é’. E quantas mulheres recebi no consultório, que por conta de informações elas acabaram se olhando e percebendo: ‘não pode ser dessa forma’”, conta a psicóloga.
A advogada especialista em Direito Civil e Familiar, Ana Carolina Zarpelon, destaca que há diversos tipos de violências, além da física. Uma das mais comuns é a violência psicológica. “Muitas mulheres pensam: ‘Nossa! Mas ele não está me batendo. Não está atirando nada em mim. Está tudo ok. Está tudo ok ele me xingar. Está tudo ok ele me desprezar na frente das pessoas. Em ele não deixar dinheiro disponível para o nosso sustento. Ou ele furtar meus bens que eu gosto tanto. Está tudo ok, não estou sofrendo violência’. Sim, amiga. Você está sofrendo violência”, afirma Ana Carolina.
Esse tipo de violência é mais difícil de identificar porque muitas vítimas acabam sendo convencidas de que elas mereceram passar por isso. Além da psicológica, a violência moral também pode ocorrer neste momento. “O agressor faz a vítima se sentir a culpada da situação. Faz ela questionar o que ela está fazendo que está causando a agressão, que está causando a humilhação. A violência moral, quando ele desqualifica a companheira, moralmente, inclusive na frente de outras pessoas”, explica a advogada.
Outra dificuldade neste tipo de violência é que não é só a vítima que não consegue perceber, mas a sociedade ao redor também pode normalizar uma violência. “Normalmente é uma pessoa no social, transitando como um bom homem, um bom pai de família, até mesmo quando chega a, vamos supor, não estar mais junto, ela consegue sair dessa relação, muitas pessoas falam: ‘Nossa! Parecia tudo tão bem! Tudo tão bom! O marido perfeito. Casal romântico, tudo ia bem’. Mas só essa mulher sabe o que ela vivia dentro das quatro paredes”, alerta a psicóloga.
Sem conhecer a intimidade do casal, a sociedade pode acabar julgando a vítima que acaba tendo mais dificuldade em reconhecer o problema e denunciar. “’Ele era tão bom, o que aconteceu?’. ‘Só pode ser ela a culpada’. ‘Só pode ser uma mulher muito ruim’. ‘Uma esposa que não conseguiu dar conta do seu casamento’. Então, as mulheres que estão ouvindo isso, só você sabe da sua história”, explica Stephanie.
A advogada aconselha que quando uma situação de violência for percebida por alguém de fora da intimidade do casal, é preciso alertar a vítima sobre o que ela está sofrendo. “Quando alguém de fora percebe, é interessante que se converse com essa mulher, se invista um pouco mais nessa situação”, disse.
Aumento de casos: A violência contra a mulher aumentou durante a pandemia, principalmente por causa do isolamento social. “Nós realmente acreditamos que isso se deve ao fato daquela companheira acabar se obrigando a conviver mais com o agressor, por conta da segregação das suas residências. O que acontece? Ela estava agora em uma pandemia, numa situação que ela não poderia sair de casa, tiveram que trabalhar em casa, muitos perderam emprego, e acabou se obrigando a ficar dentro de casa. O seu convivente, o seu esposo também. Os filhos também. Todo mundo ali”, relata a advogada.
Ana Carolina conta que recebeu muitos relatos de mulheres que acabaram tendo que ficar um maior tempo com os agressores e não sabiam como reagir a isso. “Para muitas mulheres sair de casa para trabalhar ou sair de casa para fazer atividades que sejam necessárias, é uma libertação. Um momento que podem respirar. Então, você imagine para mulheres que já vivem em situação de risco, em situação de abuso, acabar se obrigando a conviver o tempo todo com o agressor”, disse.
Denúncia: Mas a advogada destaca que é preciso que as mulheres consigam se reconhecer nessas situações e conseguir quebrar o ciclo de violência. “Olhar para si e tomar uma iniciativa e decidir algo para sua vida. Tanto porque são responsáveis por elas mesmas, quanto são responsáveis pelos seus filhos e pelo que vai acontecer a eles. A mulher tem a escolha de não continuar ali naquele lugar, naquela forma, de se tutelar, de pedir a tutela em favor dos seus filhos”, explica.
A mulher que consegue fazer denúncia tem seus direitos garantidos. “Elas têm o direito de procurar uma autoridade policial, informar que elas estão sofrendo essa violência, detalhar a violência sofrida. Não esperar acontecer a próxima violência, senão elas podem não estar vivas para irem relatar essa próxima. E aí a autoridade policial vai lavrar um boletim de ocorrência, vai perguntar se elas querem representar para o Ministério Público tomar iniciativa. Vai ser feito uma medida protetiva em favor dela”, conta a advogada.
Ana Carolina alerta que apenas denunciar não resolverá todos os problemas, porque muitas mulheres são casadas, dependem financeiramente do agressor e possuem filhos com ele. “Temos que tutelar sim a violência para dar paz a essas mulheres, para que consigam reconstruir suas vidas, mas temos que pensar nas outras situações também”, destaca.
A advogada explica que há maneiras legais de melhorar a situação. “Se elas são casadas, viviam em união estável, elas vão ter que pedir o divórcio, vão ter que pedir para que a união estável seja declarada encerrada pelo juiz. Elas podem, imediatamente, e devem, inclusive, pedir uma separação de corpos que é um pedido que pode ser feito liminarmente pelo advogado, perante um juiz, conjuntamente ao tempo da medida de proteção. Quer dizer, com base no pedido de proteção já pedir uma separação de corpos. Pedir para que o juiz ordene que o agressor seja retirado do lar. Via de regra, eu não oriento que a mulher saia da casa – mas cada caso é um caso, tem que ser analisado individualmente -, mas via de regra, não. Não saia do lar. Peça que se tire o agressor do lar para que nessa casa permaneça a mulher, os seus filhos, durante o tempo da medida, durante o tempo da separação de corpos para que ela possa pensar em reconstruir o lar”, conta.
Para essa reconstrução, a mulher tem várias alternativas que a ajudam a se reerguer e ajudar os filhos. “Ela pode vir pedir uma pensão alimentícia, se ela não trabalhar, se ela depender economicamente deste marido, e se ele tiver condições de custear. Os filhos são dever do casal, eles têm o direito da pensão do pai. Ela pode pedir a guarda unilateral dessas crianças para evitar que as crianças também sofram com os destemperos do pai”, aconselha Ana Carolina.
A pensão alimentícia é feita com base em três situações: a necessidade de quem receberá, as condições de quem pagará e a proporcionalidade. A advogada destaca que a pensão alimentícia para a esposa pode acontecer em situações onde ela trabalhava em casa, nos serviços domésticos, e o marido tinha uma atividade fora. “Evidente que se ela se separar dele imediatamente ela não vai ter meios de suprir as próprias necessidades. Então, para estes casos a lei prevê a possibilidade de ela pedir uma pensão alimentícia. Porém, essa pensão não é vitalícia, não é para sempre. É durante um tempo determinado até que ela possa se recolocar no mercado de trabalho, para que ela possa se reequilibrar, começar a sua vida’, conta.
Quando o casal possui filhos, a mulher com a medida protetiva pode pedir a guarda unilateral, para evitar que a violência se estenda às crianças. “Neste caso, via de regra, ela pede a guarda unilateral para ela e é fixado uma visitação para que o pai não perca os laços com essas crianças até que se avalie, se tutele a situação, se verifique se vai ser sadio ele continuar dessa forma ou não, se é possível reconstruir, aumentar os laços dele com os filhos. Mas nesse caso geralmente se fixa visitações assistidas, que o pai vai ter contato com os filhos na frente de um assistente social, do sistema de apoio do judiciário, profissionais que trazem o apoio para essas situações de agressão”, disse.
Uma etapa que a mulher deve estar atenta é a reunião de documentos que provarão diversas situações do casamento. Entre as principais estão os documentos pessoais, incluindo certidão de casamento e de filhos, além de testemunhas que tenham visto alguma agressão ou comportamento. A advogada destaca que as testemunhas são provas a mais no processo, já que a Lei Maria da Penha acaba dando credibilidade à mulher que denuncia. Mas ela alerta que também é preciso reunir provas do campo patrimonial. “Ter documentos que comprovem qual era o nível de vida do casal, quais eram os bens do casal. Porque tem alguns bens que não estão no nome do casal, estão no nome de terceiros”, explica.
A advogada alerta que a burocracia não pode impedir a mulher de procurar ajuda. A denúncia pode ser feita sem toda essa documentação. “Você não vai deixar de levar uma informação que você sofreu hoje uma agressão, que você sofreu ontem uma agressão para uma autoridade policial porque você não tem os documentos. Não. Vai atrás. Não dá para esperar. A agressão não espera. Não dá para esperar acontecer a próxima”, disse.
Contatos: Quem precisar de atendimento pessoal ou tiver mais dúvidas, pode entrar em contato com a psicóloga Stephanie Sonsin na Clínica Schimdt ou no Instagram, no perfil @stephanie_sonsin.
A advogada Ana Carolina Zarpelon atende no escritório Zarpelon Bedin Advogados na Doutor Correa, nº 550, em Irati. No Instagram, no perfil @zbadvogados e no Facebook, Zarpelon Bedin Advogados.