Prefeitura de Irati cogita possibilidade de doar uma parte do terreno para construção do novo Fórum da Comarca. Audiência será na quarta-feira, às 19 h, na Câmara Municipal/Texto de Karin Franco, com reportagem de Paulo Sava
Uma audiência pública discutirá a possibilidade de doação de parte do terreno do Centro Cultural Denise Stoklos para o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) para construção do novo Fórum da Comarca de Irati. O evento está marcado para quarta-feira (08), às 19 h, na Câmara Municipal.
Atualmente, os atendimentos do fórum são realizados em dois endereços, sendo um no bairro Rio Bonito e outro na rua 19 de Dezembro. A intenção é unificar os dois locais em um novo prédio. No entanto, a prefeitura ainda não encontrou um novo local. Dois terrenos já foram sugeridos: um próximo à obra do ginásio de esportes, na Avenida Perimetral João Stoklos, e outro ao lado do Fórum Eleitoral. Ambos foram rejeitados.
O motivo não foi divulgado, mas especula-se que o Tribunal de Justiça teria recusado as áreas por não serem centralizadas, dificultando o acesso à população, e por ser uma área de alagamento.
Com as rejeições, a Prefeitura cogita a possibilidade de disponibilizar parte do terreno do Centro Cultural Denise Stoklos, que está com as obras paralisadas. O terreno tem uma metragem de 10.979 metros quadrados, sendo que 5 mil metros quadrados seriam doados para o Tribunal de Justiça, que exige essa metragem.
Alguns representantes da área da cultura que foram entrevistados pela reportagem de Najuá reprovam a doação e criticam a marcação da audiência. Clique aqui para assistir a entrevista completa. “Nós soubemos dela [audiência] com uma semana de antecedência, em plena semana que tinha um feriado prolongado. Vários artistas não estão aí, não poderão participar. Era importante passar pelo conselho [deliberação do conselho municipal de Cultura]”, explica a artesã e integrante do Conselho de Cultura, Milene Aparecida Galvão.
A audiência é também mais um capítulo da longa história da construção do Centro Cultural Denise Stoklos, que começou em 2005 e se arrasta até os dias de hoje. O terreno era inicialmente do município de Irati que passou ao governo estadual para a construção da obra. “Nesse cenário, o governo do Estado entrou com o projeto e com o início da obra. Posteriormente, teve problema com a empreiteira que acabou abandonando a obra e mudança de um governador para o outro. Isso acabou parando a obra naquele momento, como nós sabemos. Mas a necessidade de conclusão daquele espaço como centro cultural é extremamente importante”, relembra o professor Rafael Ruteski, que já foi secretário de Cultura de Irati na gestão do ex-prefeito Sérgio Stoklos.
Após mudanças de governo, o atual governador Ratinho Junior declarou que não vê a obra como prioridade para o estado. Desde então, o setor cultural de Irati tem buscado se movimentar para exigir que a obra seja terminada.
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A proposta de doar parte do terreno é reprovada por alguns representantes culturais ouvidos pela Najuá. O presidente da Academia de Letras, Artes e Ciências do Centro-Sul do Paraná (ALACS), Herculano Batista Neto, explica que a lei que passou o terreno para o Estado exige que o espaço seja usado para a cultura. “Mudaram as convergências, mudaram os interesses, principalmente, políticos, e ali parou. Mas eu quero lembrar que na lei de 2005 prevê, está escrito, que não se deva utilizar aquele terreno para outra finalidade que não seja o projeto terminado, que servia para cultura. Nós estamos, depois desse espaço, entrando em conflitos que percebemos notadamente que são interesses políticos e a obra parou. A classe artística, a classe literária, sente isso, espera dos nossos comandantes, as nossas lideranças políticas, que as bandeiras não sejam recolhidas e, muito pelo contrário, que elas sejam levantadas, esses interesses realmente cheguem a finalizar esse projeto”, disse.
Herculano explica que não se opõe à nova construção do fórum, mas que a lei precisa ser respeitada. “Obviamente que Irati merece um fórum. Claro que merece. Isso não se discute. O que se discute é você simplesmente pisar em cima daquilo que um dia foi escrito como lei, dizendo que o espaço que está ali deveria ser exclusivamente demanda cultural”, explica.
Uma das razões para a manifestação contrária a possibilidade de destinação de parte do terreno é que o espaço é o do estacionamento. Para o presidente da ALACS, não ter esse espaço dificultaria a logística para trazer grandes grupos no Centro Cultural. “Como que você vai ver alguém chegar com uma companhia de teatro que precisa de espaço para descarregar o seu material, com um estacionamento de quem precisa entrar nesse espaço, vai ficar lá na rua? Vai conflitar de tal forma que a entrada do teatro praticamente se avizinha à parede do Tribunal. Tem situações que nós não estamos entendendo. Tem situações que está sendo burlado e a classe não está sendo consultada. É justamente essa a nossa aflição, a nossa preocupação, que os destinos daquilo que foi programado está se colocando de lado”, conta.
A artista plástica, professora membro da ALACS, presidente do Grupo de Teatro Ir a Ti/Unicentro e ex-secretária da Cultura, Claudete Basen, destaca que apesar dos espaços que Irati possui, ainda há dificuldades de locais para apresentação de grupos de teatros e dança. Ela conta que, durante a gestão do ex-prefeito Odilon Burgath, teve dificuldades com grupos de dança. “Quando nós estivermos à frente da Secretaria da Cultura, nós tínhamos um grande desafio: organizar, a pedido da comunidade ucraniana, o Festival Nacional de Danças Folclóricas. Nós não tínhamos um espaço apropriado e específico para o festival, que trazia, junto com o grande evento, mais de 500 bailarinos. Nós tivemos que fazer no ginásio de esportes. Tivemos que montar um palco. Os bombeiros não deferiram o evento. Eu e então prefeito assumimos todas as responsabilidades”, disse Claudete.
Ela ainda relembrou que chegou a faltar luz no local. “O evento seria no dia seguinte. À noite, no dia anterior, com tudo ligado, a luz ficava caindo. Como é que fazemos com grupos vindo de cidades do Brasil todo? Essa realidade que nós artistas enfrentamos”, disse.
Outra experiência com a falta de infraestrutura envolveu um grupo internacional. “No mesmo período, veio um grupo da Polônia se apresentar. Se apresentou e muito bem lá no Italiano. Ninguém via os pés dos dançarinos, que é a parte mais bonita, que são os pés”, detalha Claudete.
Rafael Ruteski destaca que é preciso mais infraestrutura para a área cultural. “A população de Irati e da região é extremamente rica, entende a necessidade da cultura. A cultura é um movimento que tem que ser constante nesse processo. Nós precisamos pensar em cultura. Pensando no aspecto educacional, de neuroaprendizagem, a cultura, a arte, a música, o teatro fazem a conexão do lado esquerdo com o lado direito do cérebro, criando pessoas mais criativas, pessoas mais empoderadas”, destaca.
Para Milene, é preciso rever as razões para a rejeição dos terrenos que seriam destinados ao Tribunal de Justiça para construção do novo fórum da Comarca. “Existem terrenos doados para o Tribunal de Justiça. ‘Ah, mas alaga’. Mas se alaga o terreno, por que construíram na Secretaria de Educação lá? Que era para ser a guarda municipal, que era para ser a Prefeitura. Por que foi construído lá se é área de preservação ambiental? Por que a Escolinha Matilde [Araújo do Nascimento] está em área de alagamento? As crianças são menos importantes que o Poder Judiciário? Por que que colocaram o Fórum Eleitoral? É menos importante a Justiça Eleitoral do que a Justiça Cível? Tudo tem que ser embargado que está lá. Porque lá é área de várzea. Todo mundo sabe”, afirma Milene.
A artesã chama atenção que a cultura não é apenas lazer, mas pode virar uma fonte de renda. “Para a cultura, segundo dados da Fundação Itaú Cultural, que eu já trouxe aqui uma vez e eu vou trazer de novo, para cada R$ 1 que se investe em cultura, se retornam R$ 11. Imagine um investimento dentro dessa potência na nossa cidade. ‘Ah, mas é um desperdício de dinheiro’. ‘Vamos investir na cultura’. ‘Cultura é lazer’. A cultura é economia. A cultura é emprego, é renda, é transformação social, cultural, educacional, é retirada da vulnerabilidade, cultura é transformação”.
Milene avalia que não há diálogo com o setor cultural. “É obrigação do município pactuar ações com o conselho [Municipal de Cultura]. É dever. Por que existe conselho se não vamos deliberar tudo junto? Ainda que haja discordância. A primeira é, que há uma falta de diálogo. Segundo, é uma lástima, porque me parece que todas essas deliberações já estão dadas. Eu tenho muita tristeza porque me parece que elas já estão dadas. Embora lutemos parece que sempre tem alguém na frente e, infelizmente, parece que estamos nadando contra a maré. Vamos continuar nadando porque não existe desistir na classe artística. Existe descansar e retomar, mas desistir não existe. É uma lástima”, conta.
De acordo com Milene, o setor cultural irá reagir e lutar para que o projeto original seja mantido. “A lei que passou de reversão daquele espaço do Centro Cultural para o município foi retirada a justificativa, mas retirada a justificativa, não retira a intenção. A intenção de doar permanece, mas a lei que doou aquele espaço para fazer o Centro Cultural diz lá no seu artigo segundo ou quarto, que o fim de doação daquele espaço é exclusivamente cultural. Essa lei não foi revogada. Nós não vamos admitir, enquanto fazedor de cultural, que a lei seja revogada porque não vamos deixar de lutar”, disse.