Atualmente, apenas cinco municípios paranaenses contam com esse tipo de serviço
Da redação, com reportagem de Paulo Henrique Sava
Fotos: Denis César Musial/Secretaria de Assistência Social

Inaugurada no início de dezembro, a Casa de Passagem Indígena, localizada na Perimetral João Stoklos, possui capacidade de atender entre 20 a 30 pessoas em abrigo provisório. “Nosso pensamento vai além de um espaço que acolha essa população, mas instituir uma política indigenista, envolvendo as demais Secretarias, pensando na venda de artesanato, na saúde indígena. É um processo que demora e que requer a união de Secretarias, da população, da sociedade civil. Não é algo que acontece do dia para a noite”, observa a secretária de Assistência Social, Sybil Dietrich.
Para acolher a população indígena de forma adequada e digna, foi estabelecido – e permanece em construção – um regimento interno para a conduta e a convivência durante a utilização do espaço, que recebe adultos e crianças. O conjunto de regras foi formulado, inicialmente, pela secretária Sybil, com sua equipe de referência, que atua na casa, baseado no regimento das Casas de Passagem existentes em Curitiba e Maringá. Posteriormente, ganhou sugestões dos próprios índios.
“Depois que fizemos esse regimento, fomos até a aldeia, apresentamos para as lideranças, discutimos, em conjunto com eles, as regras. É um instrumento que não está acabado, porque é contínuo. De tempos em tempos, temos que discutir se todas as questões ali estão funcionando e sendo efetivas”, acrescenta. Entre as regras, está a proibição do consumo de álcool, a preservação do silêncio após as 22h, a capacidade de abrigo de 20 a 30 pessoas e o período de permanência de 30 a 40 dias.
A permanência é limitada para que haja rotatividade. A cada vez que houver troca de ocupantes na casa, a Secretaria de Assistência Social receberá uma listagem com nome e documento dos indígenas acolhidos. “Inclusive, para que possamos entrar em contato com o pessoal do Posto de Saúde que fica dentro da Terra Indígena Ivaí. Precisamos desse contato porque, às vezes, eles vêm em período gestacional. Uma das regras é essa: no período anterior à vinda deles, eles encaminham para a técnica de referência a lista com o nome de quem são os indígenas, com a assinatura do líder da aldeia”, diz.
Caso algum dos acolhidos infrinja as regras, a equipe entra em contato com o líder da aldeia e providencia o retorno. Nesse caso, quem descumpre as regras fica suspenso e não pode retornar à Casa de Passagem pelo período de um ano.
A Prefeitura fornece semanalmente a alimentação básica para os indígenas que permanecem na Casa de Passagem. O cardápio é complementado pelos próprios índios, que usam a renda obtida com a venda de artesanato na cidade.
O plano de ação de desenvolver um trabalho da Assistência Social do Município voltado à questão indígena começou a ser executado a partir de 2017, quando a secretária reuniu o prefeito e os responsáveis por outras pastas para debater a necessidade de oferecer esse atendimento de alta complexidade.
A primeira ação adotada foi buscar o contato com as lideranças das aldeias indígenas da região para tentar entender quem é essa população, quais os motivos que a traz ao município e quais seriam suas principais necessidades durante sua permanência em Irati. “Para que pudéssemos intervir da melhor forma possível, no início de 2018, tivemos contato com a antropóloga Aila Vilela Bozan, que nos deu esse suporte. Ela veio até Irati e fez uma formação para todos os técnicos da Secretaria de Assistência Social, para que entendêssemos um pouco mais sobre a cultura indígena e, em especial, da etnia que passa por Irati – a Kaingang, que difere da Guarani. Precisamos entender essa especificidade, qual o modo de vida de cada um e quais suas necessidades, para podermos fazer um trabalho social adequado”, detalha.
Concluída essa etapa, a secretária definiu uma equipe de referência – formada por uma pedagoga e por uma assistente social – para atuar na Casa de Passagem e estabelecer “pontes” com as demais Secretarias, para as necessidades que surgirem. Em março de 2019, um grupo da Secretaria visitou a aldeia indígena Ivaí, da tribo Kaingang, no município de Manoel Ribas, no Centro-Norte do Estado. Na ocasião, a comitiva conheceu as tradições da aldeia que reúne cerca de 900 índios. “Eles já passavam por Irati há muito tempo. Antes, por causa da caça e da pesca. Hoje, para a venda do artesanato. Mas sempre em função de sua própria sobrevivência, que agora envolve renda”, pontua Sybil.
As técnicas de referência, que atuam na Casa de Passagem, têm conversado com a vizinhança, a fim de colocá-la a par dos costumes e da cultura indígenas. “Tentar trocar informações a respeito da população indígena com a população iratiense, para facilitar todo esse processo”, comenta.
Ao longo de todo esse período, foi executado o trabalho de adequação da estrutura para a acolhida dos indígenas, com a reforma e ampliação do imóvel. Em gestões anteriores, a casa havia sido designada para o trabalho com crianças e adolescentes nas medidas socioeducativas. Alguns impedimentos na realização desse trabalho naquele espaço fizeram com que o local ficasse sem utilização, pelo fato de ser uma área que ficava sujeita a alagamentos. “Teve a dragagem do rio, foi feita a drenagem da rua atrás da casa para que não ocorresse mais esse tipo de problema com alagamento. E também a legalização do espaço para uso que não fosse específico para criança e adolescente”, diz.
Sybil enfatiza que, desde a concepção do projeto, houve a participação de lideranças indígenas, desde a visita e escolha do local. “Desde a nossa intenção em colocá-los lá, do mapeamento de todo o território iratiense, para ver se tínhamos outros locais, trouxemos representantes da população indígena para discutirmos esse processo conosco”, comenta.
Os indígenas haviam solicitado, em princípio, que a Casa de Passagem ficasse próxima à Rodoviária, local ao qual estavam mais habituados e por questões logísticas – tanto a facilidade para eles retornarem para suas aldeias quanto a grande circulação de pessoas que chegam e saem de Irati diariamente. Conforme Sybil, o município não dispunha de nenhum terreno mais próximo à Rodoviária e, por isso, o local escolhido se tornou a opção viável. A localização é estratégica, uma vez que permite o acesso a serviços como saúde pública, entre outros, durante sua estadia.
“Quando mapeamos, foram chamadas as lideranças, foi levado até a terra indígena a questão de que o mais próximo seria aquele local. Eles puderam ir até lá antes de tomarmos a decisão de que seria lá. Foi uma decisão consensual, em conjunto, em coletivo com a população indígena, de que lá seria o local mais adequado”, ressalta.
Reforma e adequações
A reforma e as adequações do imóvel que sedia a Casa de Passagem Indígena foram projetadas de modo a atender peculiaridades da cultura indígena quanto para garantir um abrigo salubre e seguro. A mudança do telhado para o formato de “quatro águas”, por exemplo, foi uma opção que levou em conta as características das aldeias.
Outra importante adequação diz respeito à drenagem do terreno, que fica numa área que outrora esteve sujeita a alagamentos. Nos três quartos do imóvel, por opção dos índios Kaingang, não há camas, nem colchões. Sybil explica que a Secretaria, em alternativa, ofereceu redes para descanso. Entretanto, os Kaingang responderam que a etnia não utiliza redes. “Todo o local foi estruturado sempre em conversa com eles e, claro, pensando na questão de segurança contra alagamentos. Fizemos diversas adequações pensando nessas questões todas”, aponta.
O investimento do município na reforma, ampliação e adaptação do prédio foi de aproximadamente R$ 180 mil. A casa, que tinha área de 80,32m², ganhou uma ampliação de 72,81m² e passou a contar com área total de 153,13m². O imóvel possui três quartos, sala, cozinha, copa e dois banheiros.