Exposição na Casa da Cultura mostra história dos indígenas na região de Irati

Exposição está aberta até o dia 16 de maio e oferece uma imersão nas tradições…

07 de maio de 2025 às 19h13m

Exposição está aberta até o dia 16 de maio e oferece uma imersão nas tradições e na arte dos povos que antes eram chamados de indígenas/Paulo Sava

A Casa da Cultura de Irati está promovendo uma exposição única e significativa: Iraty, Histórias Ancestrais. Com curadoria de Milene Aparecida Padilha, Fabiana Orreda e Júlio César Dias, a mostra celebra o Mês dos Povos Originários e oferece uma imersão nas tradições e na arte dos povos indígenas.

A exposição está aberta ao público desde o dia 29 de abril e permanecerá em cartaz até o dia 16 de maio, com entrada gratuita. Os horários de visitação são de segunda a sexta-feira, das 9h às 11h30min e das 14h às 16h30min. A exposição também estará aberta às terças e quintas à noite, das 18h às 21 horas. A Casa da Cultura está localizada na Rua 15 de Julho, em frente ao Centro Cultural Clube do Comércio.

Em entrevista à Najuá, Fabiana afirmou que a exposição traz uma parte da história de Irati de uma forma que não vinha sendo contada com tanta frequência, através do olhar de pessoas que descendem dos povos originários que habitavam a região no final do século XIX e início do século XX. “Estamos trazendo, acredito, de uma forma inovadora, uma história de Irati que não estava sendo contada com muita frequência. O que nós falamos é que Irati é uma cidade que foi fundada em cima de um grande território indígena, pois aqui existiam muitos povos e pessoas que tinham vida aqui antes da chegada dos primeiros colonizadores, dos imigrantes. Foi um programa do governo brasileiro para acolher pessoas que vinham da Europa e de outros lugares”, comentou.

Duas artistas apresentaram seus trabalhos em fotos produzidas por Fabiana. Uma delas é Tereza Quarité, que aparece em uma das fotos fazendo cestas de taquara, que têm desenhos característicos que representam a memória do povo caingangue. Outra artista que está com sua arte exposta na Casa da Cultura é a menina Alice, que foi fotografada aos 02 anos de idade em 2012. Ela teceu cestos em formato de fruteira, produzindo do maior para o menor.

Fotos

A exposição conta com fotos dos indígenas quando ainda estavam ocupando a obra inacabada do Centro Cultural Denise Stoklos e depois, já na Casa de Passagem, inaugurada em 2019 na Avenida Perimetral João Stoklos, durante o primeiro mandato do ex-prefeito Jorge Derbli. Além disso, no local, os visitantes poderão encontrar materiais utilizados pelos indígenas, como arcos e flechas, cerâmica e uma ferramenta utilizada para fazer fogo.

Relatos

No local também há relatos de descendentes de indígenas, como o de Jennifer Luly Babes e da mãe, Daniele Barbosa. Em um trecho, ela diz que carrega “uma história que muitas vezes foi silenciada: a presença viva dos meus antepassados indígenas, chamados por muitos de bugres. Cresci ouvindo fragmentos, ecos de uma ancestralidade que resistiu ao tempo, ao preconceito e ao apagamento. Mesmo sem registros claros ou sobrenomes famosos, sei que o sangue que corre em minhas veias tem a memória da floresta, da terra, do silêncio e da sabedoria”.

Origem do povo de Irati e da América do Sul

O texto revela a origem da formação do povo iratiense e de toda a América do Sul, que tinha mais de 70 milhões de pessoas em 1500, época da colonização espanhola e portuguesa no continente, de acordo com Fabiana. “É uma história muito dolorida, de violência e isto não está escrito abertamente e as nossas crianças não estão estudando. O maior genocídio que tivemos na Terra foi a colonização do Brasil e da América. Nós estamos num tempo de reparação, não queremos perpetuar violências, mas queremos acolhimento, recuperação e valorização. Esta exposição está neste marco, de um olhar amoroso e fraterno, que buscamos sempre como pessoas evoluídas e que vão caminhando neste processo todo da vida”, frisou.

Chegada de mais indígenas a Irati

Em 2012, uma grande quantidade de indígenas Caingangues chegou a Irati, somando-se aos que já estavam aqui e haviam se integrado à cultura local, junto com os alemães, poloneses, ucranianos e outros povos. No total, eram 33 pessoas, incluindo idosos e crianças, que vieram em um ônibus da terra indígena Ivaí, que fica em Manoel Ribas. Fabiana acompanhou esta chegada e conta um pouco da história deles e da ligação destes indígenas com a obra inacabada do Centro Cultural Denise Stoklos.

“Estes indígenas sempre frequentaram a nossa cidade porque aqui é um caminho de passagem, então eles ficavam em lonas na antiga rodoviária, que foi demolida para ser construída uma nova. Quando a rodoviária passou a ser na frente do Teatro, que está abandonado, eles viram ali um lugar de acolhida, um telhado, um teto onde poderiam estar. Então, eles começaram a vir porque a vida deles já não é mais na natureza, como era antes. Eles estão integrados na cultura nacional, movida por dinheiro e questões econômicas. Então, eles buscam vender os seus trabalhos e interagir com a cidade. Irati é uma cidade muito acolhedora, as pessoas são muito gentis e acolhedoras. Então, eles encontraram um lugar muito interessante para vir, muitas organizações da cidade levavam comida, roupas, atendiam com remédios, e foi isto que aconteceu a partir de 2012 no Teatro abandonado”, comentou Fabiana.

Pesquisas

Nos anos 70 e 80, o professor José Maria Orreda, pai de Fabiana, começou a fazer pesquisas mais profundas sobre a história de Irati. Em 1980, durante uma visita às localidades do interior, ele chegou em uma casa, conversou com um idoso de 93 anos que era neto de Cipriano Francisco Ferraz, um dos pioneiros da região. Ele relatou que o avô havia contado a história do casal mais antigo do mundo, com 100 anos de casados: Pacífico de Souza Borges (Nhô Pacífico) e Maria da Piedade. A notícia havia sido publicada em 1929 na revista “Ilustração Paranaense”. Fabiana conta o que o pai fez para recuperar esta publicação.

“José Maria Orreda foi até a Biblioteca Pública e recuperou esta revista em 1980. Esta notícia histórica e inusitada, que causou muita surpresa, foi motivo para ele escrever o 3º volume da história de Irati, motivado para contar esta história, que é uma recuperação da oralidade. Ele diz no livro que aquilo não é toda a verdade, mas foi a história que chegou para nós. Temos aqui na origem da nossa cidade um casal que chegou navegando pelo Rio das Antas, que era navegável, e os rios são caminhos. Eles navegavam do Rio das Antas para o Rio Tibagi, e toda esta população que morava aqui circulava entre as aldeias, entre os povoados indígenas que nós tínhamos”, destacou.

Na época da entrevista, Pacífico tinha 122 anos e Maria da Piedade, 119. Na entrevista, os dois afirmaram que o que os levou à longevidade foi o “elixir da vida”, que era como eles chamavam a erva-mate. Por conta disso, Fabiana ressalta que é possível afirmar que os dois eram indígenas. “Eles disseram que a longevidade deles se devia ao uso da erva-mate. Então, podemos entender que Pacífico de Souza Borges e Maria da Piedade eram indígenas. A nossa cidade tem origem dos povos indígenas. Estamos fazendo uma conjectura: eles poderiam ser caboclos misturados com portugueses, mas tinham uma forte tradição do povo originário daqui através do uso da erva-mate, que é uma tecnologia, um conhecimento e um alimento que herdamos do costume do povo indígena”, ressaltou.

Outros materiais

O acervo disponível na Casa da Cultura também reúne artefatos de pedra, chamados de Pedra Polida, datado de mais de 10 mil anos atrás. Isto leva à compreensão que esta região já era habitada naquela época, de acordo com a pesquisadora. “Podemos entender que, neste local, há 10 mil anos, há 8 mil anos, há 3 mil anos, já existiam pessoas que habitavam aqui. A prova material disso é esta coleção de objetos que tem aqui na Casa da Cultura e sabemos que muitas pessoas têm nas suas próprias casas. Agricultores, quando vão lavrar a terra, nestes 120 anos de história do município, em que começou intensa a agricultura e todo o mais, encontravam as pontas de flechas, as cerâmicas e as machadinhas. Em 2014, um proprietário rural do Riozinho encontrou uma coleção volumosa de flechinhas muito bonitas, de cores diferentes, que vale a pena vir dar uma olhada”, afirmou.

Para Fabiana, ter a presença do povo caingangue em Irati é um privilégio. “É um privilégio para nós termos o povo Caingangue aqui na nossa cidade. É como um presente porque eles, frequentando a nossa cidade, nos dão a oportunidade de interagir com uma cultura que ficou, de alguma forma, preservada na sua língua, no seu tecido, nas suas histórias e no seu modo de vida que nós temos a oportunidade de olhar como um presente. Muitas pessoas criticam, e naquela época eu ouvi pessoas dizendo “O que é que estes índios estão fazendo aqui, se eles têm a terra deles?). Aqui é a terra deles também e eles têm o direito de ir e vir, nós somos livres no território”, afirmou a diretora.

Casa de Passagem

Irati conta com uma das poucas casas de passagem para indígenas do Brasil, sendo exemplo para todo o país, segundo Fabiana. “Nós estamos numa vanguarda, numa contemporaneidade que é um modelo e exemplo para todo o país. Com todo o nosso reconhecimento à administração que fez este movimento, à Sybil (Dietrich, vereadora e ex-secretária de Assistência Social) e ao prefeito Jorge Derbli (atualmente ex-prefeito)”, comentou.

Contação de histórias

A exposição também conta com um local preparado para contação de histórias. Milene Aparecida Padilha, uma das curadoras, conta como o espaço foi preparado. “O que pensamos com a Fabiana e o Dias (Júlio César Dias, um dos curadores da exposição), que nos ajudou a montar a exposição, foi o seguinte: queríamos ocupar um espaço onde as crianças e visitantes que vão à exposição pudessem sentar, que fosse no chão mesmo, porque os indígenas têm muito disso, do contato com a terra e a natureza. Então, buscamos criar um espaço aconchegante, que tivesse elementos representativos da cultura indígena, para que as crianças pudessem vir e sentar e que pudéssemos contar um pouco da história dos indígenas na cidade de Irati. Eles já estavam aqui, não vieram para cá, eles são daqui. Nós somos indígenas, com a herança dos que estavam aqui no começo. Montamos a sala aqui para contar esta trajetória”, frisou.

No espaço, que fica ao lado da exposição, foi instalada uma TV onde são exibidos documentários sobre os indígenas. Milene contou quais são os vídeos mostrados para as crianças das escolas que visitam a Casa da Cultura. “Naquela TV são passados relatos audiovisuais das crianças falando dos indígenas, vídeos que já estão no YouTube, como o Pajerama, que é um documentário bastante conhecido, para as crianças visualizarem isto. A criança é muito do lúdico, você pode falar o dia inteiro para ela, mas quando você mostra, materializa aquilo que você está falando, ela vai se sentir pertencente”, afirmou.

Artesanato

Ao visitar a exposição, as pessoas também encontrarão peças de artesanato produzidas pelos indígenas com materiais retirados da natureza, segundo Milene. “Tem coisas de primeiro mundo e tudo feito com elementos da natureza. As bolinhas são de rosário de Nossa Senhora, tem pedaços de madeira, tudo entalhado. O indígena se utiliza da natureza, que são elementos sagrados para eles. Nós, adultos, também temos a necessidade do lúdico, do materializar. A gente sempre lê muito, mas quando tomamos forma das coisas e as materializa, aprende a matemática na prática do artesanato. A exposição deve ter cheiro e cor, para que as crianças e os adultos tenham esta experiência do contato com os indígenas”, pontuou.

No sábado, dia 17, encerrando a exposição, está prevista uma atividade prática de vivência com os Guaranis, que virão fazer suas pinturas étnicas, grafismos, falar sobre sua cultura religiosa, dança e alimentação, de acordo com Milene. “Os indígenas estão aí, somos nós que passamos por aí, trabalhamos na cidade, e precisamos reforçar a cultura indígena e que também nós o somos como eles. Temos que tirar o estereótipo de que o indígena está lá no mato, não interage com a sociedade, não tem celular e nem TV. Pelo contrário, ele tem e até pinta o cabelo, eles usam roupas assim como nós, estudam, interagem na internet, estão nas políticas, na sociedade e nas escolas. Nós temos muito mais a aprender com os indígenas do que ficar naquela bolha do estereótipo de só pintar o dia do índio (que não é mais, pois desde 2022 é dia dos povos originários), um indiozinho de cocar. Hoje, podemos levar para a escola uma mostra de que as crianças se reconhecem como indígenas, que seus avós eram indígenas e que elas têm estas histórias para contar”, finalizou.

Desde 2022, a palavra “Índio” passou a ser considerada como termo pejorativo, ou seja, que desqualifica as pessoas que estavam aqui antes da chegada dos portugueses em 1500, de acordo com a legislação brasileira. Também foi abolida a palavra bugre.

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