Do exame de gravidez ao parto, quais são os procedimentos realizados e quais orientações as gestantes recebem ao longo dos nove meses de gestação/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista realizada por Rodrigo Zub e Paulo Sava
Em recente entrevista concedida à Najuá, o obstetra Luiz Angelo Fornazari, que atua na Santa Casa de Irati, listou fatores que podem estar relacionados a uma suposta falta de esclarecimento dos critérios adotados para definir o tipo de parto a ser realizado, principalmente nas consultas pré-natal, que estariam fazendo as gestantes temerem o parto normal. Ele criticou a descentralização do acompanhamento pré-natal e atribuiu a falta de especialização a quem atende as gestantes.
Em entrevista à Najuá, a secretária de Saúde de Irati, Ismary Llañes; o médico Anderson Sprada e a enfermeira Suellen Moreira, que atua em Fernandes Pinheiro, explicaram como funciona o acompanhamento pré-natal nos dois municípios.
De acordo com Ismary, todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Irati têm profissionais capacitados para realizarem o pré-natal. “A mulher gestante chega ao posto de saúde, realiza o teste de gravidez, confirma essa gravidez e ela passa por uma avaliação – em termos técnicos, uma estratificação de risco. Nessa estratificação, a gestante é classificada como risco habitual, risco intermediário e alto risco. Esse risco é avaliado por condições sociais e condições biológicas da mulher – idade, raça e comorbidades (hipertensão, diabetes, por exemplo)”, explica.
A gestante classificada como “risco habitual” prossegue seu atendimento na UBS, com uma equipe composta por enfermeiro, técnico de enfermagem e clínico geral. As gestantes de “risco intermediário” e “alto risco” também continuam sendo atendidas na unidades de saúde, mas recebem, em paralelo, atendimento especializado com obstetra no posto Ademar Neves (ao lado do Estádio Municipal Abraham Najib Nejm). Era nesse posto que ocorria o atendimento pré-natal centralizado até 2022. Essas gestantes de risco intermediário e alto risco são também atendidas no Ambulatório de Especialidades (Modelo de Atenção a Condições Crônicas – MACC), do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS/Amcespar), na Rua 19 de Dezembro, número 280.
Quer receber notícias pelo Whatsapp?
“No ano de 2022, tivemos uma capacitação promovida pela SESA (Secretaria de Estado da Saúde), com um doutor renomado na obstetrícia, que é o doutor [Marcos] Takimura. Nesse ano, atualmente, na semana passada começou a primeira aula desse curso, novamente, para capacitação dos profissionais da atenção básica”, afirma Ismary. Sprada e Suellen complementam que essa nova capacitação contempla novos profissionais, que não participaram dela em 2022.
Para a gestante de risco habitual, as consultas pré-natal ocorrem uma vez por mês até as 28 semanas de gestação. Das 28 até as 36 semanas, o intervalo entre consultas cai para 15 dias. Das 36 semanas em diante acontece uma vez por semana. “No alto risco e risco intermediário, eles fazem também esse tipo de acompanhamento, mas intercalado entre o posto de saúde e o atendimento especializado”, esclarece a secretária de Saúde.
O médico Anderson Sprada, que atende na Unidade Básica de Saúde do Rio Bonito e também na Santa Casa de Irati, relata que o atendimento pré-natal em Irati segue os protocolos do programa Mãe Paranaense, da SESA-PR. O programa é uma estratégia do Governo do Estado em parceria com a Rede Cegonha, que é nacional. “Para que nós tenhamos vínculo com a gestante, a acompanhamos na UBS do território onde ela reside, com médico, enfermeiro, agente comunitário de saúde (ACS) e assim por diante. Isso é atrelado aos indicadores do Previne Brasil: no mínimo, tenho que prestar seis consultas para essa paciente. Se ela não está vinculada à minha unidade e vai para outro local, que não seja minha unidade, perco esses indicadores e, consequentemente, não recebo recursos do governo federal”, detalha.
Sprada comenta que nas três estratificações de risco cabe ao médico trazer à gestante as melhores orientações de saúde e informações sobre tudo o que envolva a gestação, o parto e métodos contraceptivos a serem adotados após o parto, no período de lactação, e solicitar exames de rotina.
“Além disso, na Unidade de Saúde do Rio Bonito, realizo também o pré-natal do parceiro, que é uma estratégia do governo federal e também do governo estadual. Aproveito e falo às gestantes: por favor, levem seus maridos, não deixem de levá-los; se precisar, dou atestado. O pré-natal do parceiro é necessário para que você mostre ao homem a importância de dar esse apoio à mulher que está gerando um filho e também para aproveitarmos e captarmos esse homem que, muitas vezes, não vai à UBS fazer exames de colesterol e glicemia”, frisa. O pai também é submetido a testes rápidos para a detecção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), para evitar casos de sífilis congênita, por exemplo”, alerta o médico.
De acordo com Sprada, no acompanhamento pré-natal, se busca prestar as melhores orientações, sempre em parceria com a Santa Casa de Irati, referência para nove municípios da região, a fim de evitar que a gestante recorra ao hospital por motivos que podem ser resolvidos na unidade de saúde ou no Consórcio, que é um nível secundário, com atenção especializada. “Eu, por exemplo, sou médico de Família e Comunidade. Sou um especialista na minha área. Tenho que saber de tudo um pouquinho. Faço capacitações constantes sobre isso, inclusive, estou terminando minha pós-graduação nessa área. Recentemente, iniciei um curso de Saúde Mental, promovido pela Escola de Saúde Pública do Paraná, para que eu tenha condições de atender aos meus pacientes que tenham algum transtorno mental, evitando os encaminhamentos para o especialista, que não temos muitos. Isso também vale na atenção básica relacionada ao pré-natal”, observa.
O médico comenta que, entre o final do ano passado e o início deste, participou de um curso oferecido pelo obstetra Luiz Angelo Fornazari e pela enfermeira Genilse Holtman sobre o exame de cardiotocografia (CTG), para avaliar o bem-estar fetal no final da gestação. “Foi bem proveitoso, ali na Santa Casa. Isso é muito legal. Esse tipo de parceria tem que ocorrer, constantemente, para que aprimoremos nosso serviço e sempre ofereçamos o melhor à nossa população”, diz.
Ismary reitera a importância de a gestante estar referenciada na Unidade Básica de Saúde mais próxima do local onde ela mora pelo fato de que, após o parto, esse bebê também será acompanhado, com a vacinação e puericultura. “Quando a equipe conhece esse bebezinho [e a mãe dele, que já fazia ali o pré-natal], ela pode diagnosticar precocemente anemia, diminuição de peso, alterações neurológicas da criança, desenvolvimento neuropsicológico da criança. A vacinação, que é sumamente importante. Se a equipe não tem vínculo com essa gestante e ela mesmo não tem vínculo com a equipe, não tem confiança, não tem aquela segurança de levar seu filho, você está quebrando um vínculo que, depois, não vai conseguir ter mais. É importante que essa gestante tenha esse vínculo com a unidade de saúde, para depois levar a criança para vacinar, fazer as consultas e o acompanhamento que é feito na unidade de saúde”, afirma. Sprada reforça que até mesmo as gestantes que fazem acompanhamento na rede privada de saúde estabelecem esse vínculo com a UBS e fazem com ele as seis consultas e exames, para manter indicadores e garantir melhor qualidade na assistência pré-natal.
A secretária de Saúde de Irati evita entrar na polêmica sobre a descentralização do atendimento à gestante. Entretanto, defende que a gestação é uma condição fisiológica da mulher e diz ter certeza de que todos os médicos, no geral, e os enfermeiros, são capazes de prestar orientações à mulher sobre o parto e o quadro de sintomas que indicam se ela precisa ir imediatamente ao hospital ou se pode aguardar em casa mais um tempo. Segundo ela, esses profissionais também são habilitados a orientar a gestante sobre os critérios clínicos que definem a necessidade ou não de realizar cesariana, que dependem da condição física da mulher e do critério do médico.
“Tudo o que seja para melhorar o atendimento sempre é importante. Como o doutor Luiz Angelo falou, sempre poder haver capacitações e especialistas. Não podemos deixar de ver que o especialista é sumamente importante e, para nós em Irati, está sendo levado o pré-natal dessa forma: se o clínico geral tem alguma dúvida, conversa com o obstetra. Temos muito acesso tanto aos médicos da Santa Casa quanto aos do Consórcio”, ressalta Ismary. Ou seja, é adotado o matriciamento, que consiste numa complementação de atividades entre equipes e diferentes profissionais.
Sprada salienta que a centralização do atendimento contraria tanto a estratégia do governo federal (Rede Cegonha) quanto do estadual (Mãe Paranaense). Entretanto, ele entende que o CIS/Amcespar, de certa forma, seria uma espécie de “centralizador”, porém, de nível secundário de atenção, pois se restringe a especialidades e a risco intermediário e alto nas gestações. O médico exemplifica que para o Consórcio são encaminhadas gestantes hipertensas, diabéticas ou com alguma má-formação uterina, que precisam de atendimento especializado. “Aí, digamos, seria a parte centralizada. Nesse aspecto, é importante ampliarmos o número de vagas. É legal os prefeitos dos municípios avaliarem ter mais um GO [ginecologista obstetra] lá para termos essa garantia porque, ainda que hoje esteja curta a espera, já aconteceu de ficar um pouco mais de tempo a gestante aguardando para chegar a esse especialista. A atenção primária é a porta de entrada do sistema e precisamos ampliá-la e qualificá-la”, argumenta.
Quanto ao acompanhamento da gestante na hora do parto, Ismary explica que as equipes das unidades básicas de saúde estão integradas com os profissionais da Santa Casa de Irati a partir de um grupo de WhatsApp, para comunicação instantânea e para atualizações necessárias sobre o prontuário das pacientes, por exemplo. Além disso, se ocorre mortalidade fetal ou de neonato, ou se for registrado algum caso de sífilis congênita, por exemplo, há um grupo de discussão estabelecido entre os profissionais da secretaria de saúde e da Santa Casa. O objetivo desse grupo é detectar onde ocorreu a falha para evitar ou minimizar casos futuros. Sprada pondera que há questões evitáveis e outras inevitáveis e, nesse grupo, é feita essa avaliação de mortalidade materna e infantil.
Sobre o fato de o atendimento pré-natal nas unidades básicas de Saúde ser conduzido por um clínico geral e não necessariamente por um ginecologista obstetra, a secretária municipal de Saúde de Irati justifica que o Ministério da Saúde orienta a forma de fazer esse acompanhamento, assim como a Linha de Cuidado Materno-Infantil (LCMI) do Governo do Estado do Paraná. Outro fator que leva a isso é o financiamento da atenção básica em saúde, que depende de indicadores que precisam ser cumpridos, pois é a atenção primária a porta de entrada no SUS, ou seja, é ali que inicia o atendimento de todo paciente. O terceiro fator é a quantidade de profissionais – nem sempre a questão é financeira, mas da oferta de profissionais com essa especialidade.
Caderneta da Gestante: Ismary destaca a importância de que toda mulher grávida carregue sempre consigo o documento de identidade e a Caderneta da Gestante. Nessa caderneta, o profissional de saúde anota todos os dados do pré-natal e registra as consultas, os exames, as vacinas e tudo o que for importante para o bom acompanhamento do pré-natal. Esse documento, que tem um formato similar ao da carteira de vacinação, funciona como um prontuário que acompanha toda a gestação e, ainda, é uma espécie de cartilha que orienta a mulher a respeito de todos os direitos que ela possui relacionados à maternidade – tanto os trabalhistas, quanto os sociais – e explica todas as etapas de desenvolvimento da gravidez.
“Nesse documento, está toda a informação que qualquer profissional da saúde que preste atendimento a essa gestante vai precisar: os exames realizados, o peso com que começou a gestação, a pressão arterial, se a gestante tem alergia a algum medicamento, as vacinas, o grupo sanguíneo, a tipagem sanguínea, os testes rápidos, comorbidades”, diz.
Pré-natal em Fernandes Pinheiro: No município de Fernandes Pinheiro, que também possui a Santa Casa de Irati como referência em Maternidade, o atendimento da gestante no pré-natal é igualmente descentralizado, em observância ao que recomenda a SESA. “Temos duas Estratégias de Saúde da Família (ESF), onde os médicos realizam esse pré-natal. Há três meses, conseguimos a contratação de uma profissional obstetra, para fazermos esse atendimento da Unidade de Saúde junto com o profissional, dentro do município, com especialista dentro do município, para que tenhamos um atendimento compartilhado. Essa profissional não atende de forma exclusiva as gestantes. Lá no município, ela faz o atendimento e o profissional médico da Unidade de Saúde também realiza. É um trabalho em conjunto da equipe”, explica a enfermeira Suellen Moreira.
Em paralelo aos profissionais do pré-natal, existe uma equipe multiprofissional, composta por fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e psicóloga. A primeira consulta de pré-natal em Fernandes Pinheiro costuma demorar entre 40 minutos e uma hora. Um enfermeiro acolhe essa gestante logo após o diagnóstico positivo da gravidez e a inclui na agenda de atendimento pré-natal. Dados como peso, altura e índice de massa corporal (IMC) são registrados. São feitos todos os testes rápidos (HIV, sífilis, hepatite B e C) nos três trimestres da gestação. Também é consultada a carteira de vacinação da gestante e verificado se há necessidade de atualizar sua imunização. As vacinas são pré-agendadas e se for possível aplicar alguma dessas vacinas já no início da gestação a mulher já a recebe.
“Não é só preencher papeis. Precisamos entender o contexto dessa mulher. Vem nisso a importância de essa mulher estar lá na Unidade de Saúde, porque somos nós que conhecemos esse contexto. Não é só a gestação, há inúmeros outros fatores que podem vir a prejudicar essa gestação – algum controle glicêmico, um caso de hipertensão. É na Unidade de Saúde que nós conhecemos, onde o agente comunitário de Saúde (ACS) está todo mês, que conseguimos acompanhar, efetivamente, essa gestante”, afirma a enfermeira.
Suellen pontua que o atendimento oferecido às gestantes pelo CIS/Amcespar é categorizado como atendimento secundário e integra a Linha de Cuidado Materno-Infantil (LCMI) do Paraná, que engloba gestantes e crianças de até dois anos. O critério para encaminhado ao CIS/Amcespar, em atendimento compartilhado com o município de Fernandes Pinheiro, é o mesmo: gestantes de risco intermediário ou alto risco. As de risco habitual são atendidas nas UBSs.
“Nesse compartilhamento, o Consórcio faz o manejo e nós que temos que dar conta desse manejo: como tratar, se mudou a medicação; se precisa de atendimento psicológico; se tem alguma demanda com parte financeira e não está conseguindo comprar comida. Às vezes, essas situações elas não levam para nós e acabam batendo lá no Consórcio”, acrescenta a enfermeira.
Suellen relata, a respeito da escassez de profissionais especializados em obstetrícia, que o município de Fernandes Pinheiro levou cerca de seis meses para conseguir contratar uma médica, devido à dificuldade de encontrar médicos especializados dispostos a sair dos grandes centros para atuar em municípios de pequeno porte.
Fernandes Pinheiro possui duas unidades básicas de saúde e cinco postos de apoio, nas localidades do interior.