História da empresa foi registrada em um livro no ano passado para comemorar o centenário/Texto de Karin Franco, com entrevista de Rodrigo Zub e Juarez Oliveira
A empresa Dallegrave celebrou neste ano 101 anos de fundação em Irati. A história da empresa centenária se confunde com a história do município, registrando como o setor industrial evoluiu em Irati ao longo de mais de um século.
A história da empresa Dallegrave iniciou em Campo Largo, com a união de João Dallegrave, seu filho, Paulo Dallegrave, e seu genro, Virgílio Moreira. Os três já tinham experiência com madeira na época e, em 1923, vieram para a região, onde atualmente se encontra Irati, para iniciar o empreendimento, inicialmente, chamado Dallegrave e Moreira.
Em entrevista à Najuá, o empresário Marcos Dallegrave Góes, bisneto de João Dallegrave, relembrou o início da empresa. “Em Campo Largo, eles devem ter reunido um dinheiro e vieram aqui para a região, no tal do quilômetro 15, na estrada de Imbituva e Teixeira Soares. Irati praticamente ainda não existia ou estava em seu começo. Pelo que nós levantamos, tinham mais umas 12 ou 13 serrarias, ou seja, era um local que tinha muitos pinheiros e eles se instalaram ali. Começaram em 15 de junho de 1923”, conta.
Na década seguinte, próximo a 1930, a rede ferroviária começou a passar pela região de Irati, o que fomentou os negócios na região. “Automaticamente, eles se transferiram para o local onde a empresa está hoje, na Coronel Sabóia. A empresa chegou a ter um trapiche que carregava direto nos vagões da rede ferroviária, que era o transporte da época”, explica.
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Os negócios se expandiram em Irati. Os sócios investiram na empresa Auto-Irati, representante da Chevrolet, e criaram a Olaria Santa Terezinha, onde hoje está o Parque Aquático. Eles também seguiram com outros investimentos. “Talvez o segmento mais significativo, tenha sido junto com outros sócios, fazer a Companhia de Fósforo, a Fósforo Paraná. A empresa continuou no ramo da madeira. A empresa, no andar, deixou de serrar só pinheiro e passou a beneficiar a imbuia, sendo uma das primeiras empresas a produzir lâmina faqueada no município. Também, na sequência, entrou na linha de compensado e entrou na linha de lâmina torneada, para poder fazer o compensado. Serraria de pinus, com exportação, ou seja, ela foi evoluindo de acordo com o segmento”, conta.
Marcos entrou nos negócios da família a partir de 1983 e já de cara enfrentou desafios. “Em 83, um ano ou dois anos antes, o meu avô faleceu. Eu estudava em Curitiba e a família conversando, já tinha, mais ou menos, delineado que você vai cuidar dos interesses da herança da família. Em 83, eu vim e ganhei de presente a grande enchente de 1983. Quando eu cheguei, era mais ou menos fevereiro ou março, e foi uma grande enchente. Eu andava na Coronel Sabóia com água na cintura. Foi muito grande”, disse.
A empresa passou por uma nova mudança em 1993, com o falecimento de um dos administradores. “Em 1993, quando o meu tio, que administrava a empresa, o tio Rubens, faleceu, que era o irmão da minha mãe, ele faleceu uns dois anos antes, as famílias optaram em abrir a empresa. Ou seja, o meu primo, o Paulo, ficou com a parte de papel e eu fiquei com a parte de madeira. Desde 93, a o lado da minha mãe, a família da minha mãe está administrando a empresa”, conta.
Na década de 1990, a empresa Dallegrave já havia introduzido a cultura de plantar árvores para conseguir produzir mais tarde. “Eu acho que o tio Rubens também tinha uma boa visão. Ele já devia ter plantado árvores em 1960. Alguns pinos, coisa que pouco se falava. Se fez a experiência e, com o passar do tempo, nós fomos vendo que melhor do que tirar os pinheiros, que demoravam muito para crescer, – não que não seja uma atividade sustentável, só que hoje é proibida – se optou pelos pinos, que com 20 anos você tem. Nós, nesse passar dos anos, começamos a plantar e justamente foi o que sustentou a empresa”, explica.
A mudança dos mercados também influenciou na modificação dos negócios da empresa Dallegrave. “Em 2008, por força da exportação e da crise da madeira, nós optamos em fechar a parte industrial e ficarmos só com reflorestamento. Hoje a empresa trabalha única e exclusivamente com plantio e venda de toras. Nós saímos de corte do pinheiro, para venda de árvore reflorestada, que é uma atividade sustentável”, disse.
Toda essa história foi marcada no ano passado, nas comemorações do centenário da empresa. As celebrações incluíram o lançamento de um livro e uma exposição na Casa da Cultura de Irati.
O empresário conta que a ideia de registrar a história da empresa em um livro aconteceu após perceber em uma noite que o aniversário de 100 anos se aproximava. Ele recordava a data de fundação porque encontrou o contrato original da empresa em um armário, dentro dos objetos guardados de seu avô, Paulo. “O vô Paulo morava no casarão, em baixo da Santa, que muita gente conheceu e que depois pegou fogo. Eu morei um tempo lá. Quando eu morava no casarão, vasculhando o que ele tinha guardado, o vô gostava muito de guardar as coisas, tinha livros, uma série de coisas. Em um armário, eu achei um contrato que era o contrato original, de 15 de junho de 1923. Eu disse: ‘Isso não pode ficar aqui, eu tenho que guardar’. Acabei adquirindo o hábito do vô, de também começar a guardar as coisas. Quando acordei, nesse dia que deu estalo, eu pensei: ‘Eu acho que é importante’”, conta.
A jornalista Adriana Souza foi quem ajudou a escrever o livro e fazer a pesquisa, recuperando imagens e depoimentos. “As maiores dificuldades é que realmente nós partimos do zero. Nós tínhamos a ideia do livro. Foi iniciado um trabalho, desde um levantamento de documentos, entrevistas com pessoas, para que eu como conseguisse ter uma percepção da história, para conseguir escrever”, explicou Adriana durante o lançamento do livro em 2023.
Marcos destaca que buscou incluir no livro os funcionários que participaram de toda essa história. “Apesar das enchentes, nós tínhamos o arquivo dos funcionários guardado nos arquivos de aço. Eu falei: ‘Adriana, a condição para fazer o livro é que eu preciso de alguém que venha e vá vasculhar esses arquivos, as fichas de cada funcionário, que eu quero o nome do funcionário, o nome do pai e da mãe, a data da admissão e data de demissão’. Queira ou não queira, em 100 anos, foram quatro ou cinco gestores. Mas quem fez a empresa, foram os funcionários. São eles que fizeram, que obedeceram às determinações, ajudaram, contribuíram e fizeram a empresa durar isso aí”, disse.
O levantamento trouxe à tona a história de mais de 2.200 pessoas que colaboraram com a empresa. Para a jornalista, isso demonstra que o livro reúne a história da empresa e também de Irati. “Durante todo o percurso desse trabalho, conseguimos levantar informações muito importantes, que tratam não apenas a história da empresa, mas a história de Irati e da região. São mais de 2.200 nomes de pessoas de Irati e da região que constam nesse livro. É algo que é mais do que a Dallegrave ou os 100 anos da Dallegrave. É uma história realmente da região”, conta.
O livro foi lançado no ano passado e contou com uma exposição na Casa de Cultura de Irati, com cartazes que reuniam fotos e informações contidas no livro. A exibição ficou aberta durante um mês e também exibiu objetos antigos, como moedas. “Antigamente, o meu avô guardava moeda. Eu mexendo lá, achei uma moeda, que se usava na serraria. Estava lá, Serraria João Dallegrave e atrás estava impresso 1000. Deveria ser mil réis. Acho que, antigamente, se pagava os funcionários em dinheiro, mas usava-se essa moeda para trocar na bodega porque é comum as serrarias terem o seu armazém para abastecer os funcionários”, conta o empresário.
Outro objeto que ficou em exposição foi um livro-caixa antigo da empresa. “Na história do livro, eu tinha guardado um livro-caixa. Fui olhar o livro-caixa. Comecei a folhar e disse: ‘Espera aí, esse dia do caixa é o dia que eu nasci’. Olhei e disse: ‘Foi bom porque a empresa ainda teve um lucro naquele dia’. Tem que estar no livro. O livro-caixa com a data do meu nascimento, ou seja, 60 e poucos anos atrás. Mais uma série de coisas que fomos achando. O martelo que usava para marcar as toras, o relógio-ponto de antigamente, que os guardiões usavam. Coisas que eu fui guardando e isso tudo nós colocamos na exposição”, disse.
Atualmente, o acervo da exposição está disponível na empresa Dallegrave.
A exposição também ajudou a chamar a atenção para o livro, que foi vendido a R$ 50. A venda resultou na arrecadação de R$ 5 mil que foram revertidos para a APAE de Irati. “Nós sempre fomos bem ligados à APAE. No final do ano passado, depois das vendas, nós fomos lá e entregamos um cheque de R$ 5 mil para a APAE. Ou seja, acho suspeito para falar, mas acho que foi a exposição, o livro e a comemoração dos 100 anos foram uma coisa marcante porque Irati tem 117 anos, nós temos 100. É muita pouca diferença”, explica.
Para os próximos anos, o planejamento é dar continuidade ao trabalho de reflorestamento. “Como nós estamos trabalhando com reflorestamento, foi a virada do ‘vamos sair do empreiteiro para a colheita profissional com maquinário’. Nós investimos em maquinário, continuamos investindo em reflorestamento. Aproveitando as áreas, todo o nosso reflorestamento é em Inácio Martins, que eram as fazendas que ficaram da herança. Investimos em maquinário e melhoramos uma série de coisas. Hoje temos um trabalho, em termos de reflorestamento, de cuidado com a floresta, de cuidado do crescimento. Não adianta só jogar a muda, como se falava antigamente, tem que cuidar, tem que limpar, tem que fazer tratos para que a árvore, no final, dê um bom rendimento. Afinal, você tem que esperar 18 a 20 anos para poder ver o teu resultado”, conta.
Marcos ainda destaca que ter a história da família e da empresa reunida em um livro, mostrou que é preciso seguir com o negócio. “Mudou talvez o sentimento maior de responsabilidade, de não manter, mas dar continuidade a um trabalho, a um sonho, a um ideal lá atrás, que com certeza, tiveram ‘N’ dificuldades, de pessoas, os dirigentes e, principalmente, os empregados, aderiram a esse sonho e criaram uma história. Me veio uma certeza de que tem que continuar o trabalho e meu filho, o Bruno, acabou se formando em Engenharia Florestal. Está dando continuidade ao trabalho. Eu acho que, se tudo der certo, aos 150 anos chega e daí vai para frente”, conta.