Trocas de sementes e de mudas, apresentações culturais e oficinas agroecológicas estão entre as atividades do evento, que ocorre no Centro de Eventos Miguel Belinoski/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista de Juarez Oliveira e Rodrigo Zub
O Centro de Eventos Miguel Belinoski recebe, nesta sexta (30) e sábado (31), a 1ª Feira Municipal de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade de Teixeira Soares. A programação do evento inclui trocas de sementes e de mudas, apresentações culturais, oficinas agroecológicas e a feira propriamente dita, entre outras atividades. Em 2017, Teixeira Soares já havia sediado uma Feira Regional de Sementes.
Cerca de 100 agricultores familiares de várias regiões terão bancas na Feira em Teixeira Soares. “Vamos ter 100 expositores, com três metros cada banca. Vamos ter sementes crioulas, artesanatos e panificação”, comenta a guardiã de sementes Maria Alves.
“A importância da Feira de Sementes é trazer e resgatar esse conhecimento tradicional, que já vem das famílias guardiães. Trabalhamos bastante com a agricultura familiar, com a agroecologia, então, nós temos bastante parcerias com o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Teixeira Soares, com o Coletivo Triunfo, com a FETAEP [Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná], para divulgarmos as sementes crioulas. É muito importante que possamos resgatar, valorizar e mostrar o trabalho dessas famílias agricultoras, que trabalham com as sementes crioulas, preservando o que é um patrimônio da humanidade”, complementa a agrônoma Ana Júlia do Nascimento.
Os almoços e o jantar que serão servidos ao longo do evento incluem em seus cardápios vários produtos da agroecologia e da agricultura familiar, como legumes, verduras e feijão. Segundo Ana Júlia, no cultivo agroecológico, há todo um cuidado e técnica que favorece o consumo saudável, sem o uso de agrotóxicos.
Em sua propriedade, Maria cultiva abóbora, melão, melancia, pepino e alface. “Sou filha, neta e bisneta de agricultores. Na década de 1970, meus avós perderam o café com a geada preta. De lá para cá, viemos para a cidade. Tem 15 anos que estou na agricultura outra vez”, conta.
Nesse retorno à agricultura, Maria se dedicou, primeiramente, ao cultivo de feijão, milho e algumas hortaliças. “Nas feiras, eu comecei com cocada, mas chegou um determinado momento que falaram que a cocada não poderia ser [comercializada na feira] porque eu não tinha sementes crioulas. Depois, alguém disse que a cocada poderia continuar, desde que eu tivesse cinco variedades de sementes diferentes. Eu tinha as variedades: milho, feijão, mais algumas outras coisas, mas eu não levava. Decidi continuar com as cocadas e as sementes e, hoje, tenho mais de 40 variedades de sementes crioulas”, relata. Maria é guardiã das sementes crioulas há cerca de oito anos.
Troca de sementes: Nas trocas, cada guardião de sementes monta sua respectiva banca na feira e o intercâmbio entre eles é feito mediante troca, compra e venda e até mesmo doação de sementes. “Tem muitos que passam pela banca e falam ‘poxa, eu não tenho essa semente; queria, mas hoje não vou levar, porque não tenho dinheiro nem outra semente para trocar’. Eu simplesmente não deixo a pessoa sair sem levar a semente que ela quer. Eu doo para ela minha semente”, explica Maria.
Na compra e venda, os guardiães disponibilizam as sementes em pacotinhos que custam, em média, R$ 5. A quantidade de sementes varia de acordo com a espécie e os pacotinhos podem ser de dez até 100 gramas. “No meu caso, faço por colher: vendo por R$ 4 a colher ou três colheres por R$ 10”, detalha a guardiã.
Para Maria, trabalhar com a agroecologia melhorou a qualidade de vida da família tanto no aspecto financeiro, quanto no da saúde e no bem-estar da própria atividade que envolve a terra. Segundo ela, o apoio do Sindicato Rural à atuação das mulheres na agricultura familiar é bastante positivo.
Todo o cultivo agroecológico de Maria está passando pela certificação de produto orgânico e, para tal, existe todo um processo para verificar e atestar que não há aplicação de agrotóxicos ou de adubos químicos. “Tem todo esse processo: nós pegamos a semente, usamos como adubo esterco de galinha, ou de carneiro ou até mesmo compostagem. Temos também o ‘adubo da independência’. Nada de agrotóxico, só mesmo aquele naturalzinho”, garante.
Entre as vantagens e características que diferenciam as sementes crioulas está sua rusticidade. “Essas sementes crioulas, como são tradicionais, já são mais fáceis de cuidar. Então, uma pessoa que não tenha, digamos assim, nenhum tipo de conhecimento vai ter bem mais facilidade de cuidar dessas sementes, porque já são sementes que vão ter uma alta rusticidade, ou seja, serão bastante resistentes a pragas e doenças. Quem trabalha com as sementes crioulas trabalha com diversidade. Então, o guardião de sementes, normalmente, vai ter mais de 30, 40 variedades. Essa variedade que eles cultivam, armazenam e conservam vai fazer que seja mais fácil ainda de cultivar, porque uma diversidade ali dentro do seu quintal, da sua propriedade, vai trazer vários benefícios, inclusive, essa facilidade de cultivo”, ressalta a agrônoma.
Conforme Ana Júlia, cerca de 25 famílias trabalham com sementes crioulas em Teixeira Soares e, somados os municípios ao redor, esse número chega a 100. Por isso, o evento não se restringe à participação de agricultores de Teixeira Soares; o convite se estende a todo o entorno. Agricultores familiares e entusiastas de pelo menos 22 municípios da região devem participar da Feira.
Oficinas e estandes: A Feira terá algumas oficinas tanto na sexta (30) quanto no sábado (31). No sábado, as atividades são voltadas aos estudantes das escolas municipais e estaduais que vão visitar o Centro de Eventos. “Os estandes técnicos reúnem cinco universidades, o Instituto Federal (IFPR) e outras instituições e organizações que trabalham com a agricultura familiar, que vão apresentá-la aos jovens”, comenta o integrante a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Renato Kovalski Ribeiro. De acordo com ele, a finalidade é incentivar o jovem a se formar em áreas afins do trabalho no campo e dar continuidade ao cultivo familiar. Com isso, busca-se uma “renovação” dos guardiães.
A AS-PTA é uma organização não-governamental (ONG) que trabalha com a conservação da agrobiodiversidade e o desenvolvimento dos grupos locais. “Nossa intenção é que esses grupos se desenvolvam”, acrescenta Ribeiro.
Conforme ele, a Feira pretende expor para toda a sociedade, não apenas para agricultores, a discussão sobre a importância da agroecologia e da conservação das sementes crioulas. “Não é porque você mora na cidade que você não pode ter uma alimentação adequada e saudável, livre de agrotóxicos e de transgênicos. Nisso, dentro da Feira, teremos uma participação da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA) que, nesse ano de eleições municipais, faz uma programação nacional. Desde 2020, a ANA está fazendo um levantamento das políticas públicas de agroecologia que estão acontecendo no Brasil inteiro. Eles já levantaram mais de 700 políticas públicas. Fazemos o convite à população para que vá ver essas alternativas que existem para produzir agroecológicos, livres de veneno, em grande quantidade”, afirma Ribeiro, que convida os candidatos a prefeito de toda a região a participar do evento a fim de debater políticas públicas para a agricultura familiar e a agroecologia.
Teste de transgenia: Na Feira, sementes de milho e pipoca serão submetidos a teste de transgenia obrigatório. A orientação aos produtores é que levem uma amostra de um quilo para um teste gratuito. “Nossa feira é livre de transgênicos. É uma luta que temos, desde que saíram os primeiros transgênicos no Brasil. Eu sou biólogo e eu defendo o transgênico numa vacina ou no caso da insulina. Mas, no campo, sabemos que tem várias complicações, principalmente para a produção orgânica. O milho, como é uma planta de polinização aberta, o pólen voa cerca de 400 a 500 metros de distância e contamina as lavouras de outras sementes. Um cuidado que os guardiães têm, principalmente quem cultiva milho, é plantar a 400 ou 500 metros de distância de uma lavoura transgênica, ou plantar com 40 dias de diferença, para não ter essa contaminação”, explica o integrante da AS-PTA.
A comprovação de que a semente não foi contaminada por transgênicos é feita mediante o teste com a fitinha de imunocromatografia. Segundo Ribeiro, o formato do teste é semelhante ao de covid. Esse quilo de milho ou pipoca é testado e o resultado sai na hora. Se estiver livre de transgênicos, pode ser livremente comercializado na Feira. Se não passar no teste, deve ser retirado da Feira para evitar contaminação das demais sementes. “Nessas trocas de sementes, se um agricultor pega uma semente que seja de um milho transgênico e planta no meio, ele contamina toda a lavoura dele”, alerta.
Assistência técnica rural: A agrônoma Ana Júlia, que possui formação com enfoque na Agroecologia, relata que entrou no curso já com o propósito de trabalhar nesse segmento, pois além de agrônoma, ela já acumulava a formação técnica em Agroecologia, curso que ela fez no Colégio Agrícola de Palmeira. “Vim aqui para o IFPR fazer o curso de Agronomia com enfoque em Agroecologia porque ali o aluno sai preparado para trabalhar com a agricultura familiar e, principalmente, com a agricultura familiar aqui da nossa região, onde ela é bem forte”, diz. Ana Júlia frisa que também é agricultora familiar e produz produtos agroecológicos distribuídos na merenda escolar em Teixeira Soares e comercializados em mercados institucionais.
Ela também presta assistência técnica no projeto ATER Mulheres, que é uma chamada pública federal, em Irati, Rio Azul e Teixeira Soares. Esse projeto prevê assistência técnica para mulheres a fim de que elas desenvolvam, em suas propriedades, projetos produtivos que gerem renda, garantam a elas autonomia e que elas possam ter tempo livre para se socializar. “Sabemos que as mulheres, principalmente no meio rural, têm uma carga horária de trabalho muito elevada. Com a assistência técnica rural, mostramos à mulher que ela também pode ter tempo livre, de qualidade, bem-estar com a família. As mulheres estão muito ligadas à segurança alimentar da família e, por isso, a maioria dessas mulheres já trabalham com a diversidade da propriedade”, comenta.
Programação: Nesta sexta-feira (30), as atividades da Feira de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade são mais voltadas ao público interno, com a recepção de caravanas e expositores e o Café da Partilha, às 9h. A orientação é de que os participantes levem alimento a ser partilhado nesse café. A partir das 9h30, serão recebidas caravanas de estudantes das escolas municipais e estaduais e será feita a abertura das exposições, oficinas e estandes agroecológicos.
Ao meio-dia, será servido o almoço – gratuito para os agricultores familiares e guardiães de sementes e na faixa dos R$ 15 para o público externo. O cardápio inclui arroz, feijão, carnes e toda sorte de hortaliças cultivadas por agricultores familiares da região. A organização orienta a levar prato, talheres e copo para as refeições.
À tarde prosseguem as visitas das caravanas estudantis. Às 19h, será servido o jantar e, logo depois, haverá apresentações culturais locais, das 20h30 às 23h, com grupos de dança gaúcha e animação da banda “Filhos da Mãe Terra”.
No sábado (31), as caravanas e expositores serão recepcionados a partir das 8h30 com o Café da Partilha (trazer um alimento para partilhar). Às 9h, acontece a mística de abertura da feira e a abertura das exposições e, às 9h30, a abertura oficial da Feira.
Uma bênção inter-religiosa das sementes será concedida às 11h. Logo depois, ao meio-dia, haverá o almoço. Pela tarde, às 15h, ocorre a partilha das sementes e o encerramento será às 17h.