Cartilha da CNBB traz informações sobre eleições municipais, como se proteger de desinformações e o papel da igreja na política/Texto de Karin Franco, com entrevista realizada por Juarez Oliveira
A Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Cartilha de Orientação Política 2024 – A esperança não decepciona. O material traz informações sobre como ocorre o processo eleitoral, noções de política, como se proteger de desinformações e qual o papel da igreja na política.
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Um dos autores da cartilha é o iratiense, professor Rogério Carlos Born, que é formado em Direito e Relações, com doutorado em Direitos Fundamentais e Democracia. Especialista em direito eleitoral e partidário, o professor explicou que a cartilha tem o objetivo de auxiliar o público com informações sobre o debate político. “A primeira função é separar a discussão do debate. A discussão, o que vem na cabeça, no sentido genérico é que a discussão é briga, é intriga, é enfrentamento. O debate é diferente. O debate significa que as pessoas vão discutindo, conscientemente, as qualidades e os defeitos de cada candidato para depois, tirar uma média, para saber qual é o candidato que reúne as melhores condições. A função da cartilha é estimular, sem direcionar para qualquer candidato ou qualquer partido, a reflexão antes das eleições. É garantida a liberdade religiosa, a liberdade religiosa de escolher sua religião e, dentro da igreja Católica, também é garantida a liberdade na religião. A igreja estimula o debate, mas não direciona a escolha para qualquer candidato”, esclareceu durante entrevista à Najuá.
A cartilha é dividida em três partes: “A Igreja e a sociedade”, “Eleições Municipais” e “Noções básicas sobre política”. Na primeira parte, a cartilha aborda desde o papel da igreja na política até a necessidade de tolerar as diferenças. “A primeira parte fala quais são os deveres e os direitos dos cristãos perante à igreja e o pensamento sobre a política dos Papas. Nós temos cada Papa, que teve um pensamento, nós extraímos os mais recentes e a visão que eles têm da democracia, do estado e da política”, disse.
Em um dos momentos da primeira parte, a cartilha destaca a importância do debate político e faz uma analogia sobre a frase “Política, futebol e religião não se discutem”, propondo o oposto por meio de um diálogo sobre os três assuntos. “Ideologias, geralmente, elas provocam discussões e não debates. Acaba, em certas situações, provocando o ódio. A igreja tenta fazer, dentro da política, uma comparação porque é uma questão popular. Dentro da política, ela estimula o debate porque se for pensar bem o que nós deveríamos fazer é discutir, dentre os candidatos que nos oferecem, dentre esses candidatos, você escolher qual é o melhor para você. Só que depois das eleições, seja aquele candidato que você escolheu, seja aquele candidato que você não escolheu, mas foi vitorioso, é o dever de cobrar o bem comum. Cobrar uma política honesta e correta”, conta.
O professor explica ainda que a primeira parte aborda o que é fundamentalismo e fanatismo. “O fanatismo é quando as famílias brigam no WhatsApp para o resto da vida ou por muitos anos, brigam por causa de política, futebol e religião. O fundamentalismo é quando esse fanatismo vai às últimas consequências. Por exemplo, num estádio de futebol, quando a torcida começa a depredar o estádio e agredir um ao outro. Isso já é fundamentalismo. O que a igreja quer preservar é a ideia cristã, que nós temos que debater dentro do bem comum de todos. A igreja tem que debater para que todos vivam bem, independentes de sua escolha”, explica.
A segunda parte é focada em explicar como as eleições municipais funcionam, incluindo a explicação de como são contabilizados os votos. “A segunda parte, chegamos mais nos detalhes das eleições municipais. As eleições municipais tem um diferencial das eleições gerais. As eleições municipais é a escolha do prefeito, vice-prefeito e os vereadores do local aonde você vive. O município é mais antigo que o país. Quando o Brasil não existia, os municípios já existiam. A segunda parte é para explorar as peculiaridades das eleições municipais e as competências do prefeito, vice-prefeito e do vereador e a situação de cada município”, conta.
Nesta parte, a cartilha aborda assuntos como a corrupção nas eleições. “A corrupção eleitoral é entendida, no meio comum, como compra de votos. Só que esse termo compra de votos confunde muito o eleitor porque não é só a compra de votos. É a venda de votos também. No artigo 299, do Código Eleitoral, fala do crime de corrupção eleitoral. Por exemplo, se um político compra voto de um eleitor, ele está cometendo crime e o eleitor também. Se o político oferece voto para um eleitor e o eleitor não aceita, o político está cometendo crime por oferecer a compra de votos”, explica.
O professor alerta que pedir dinheiro para um político durante a campanha também pode ser enquadrado como crime. “Se um eleitor pedir dinheiro para um político e o político não der, só o eleitor responde pelo crime de corrupção eleitoral”, disse.
Para Rogério, a corrupção eleitoral acontece mais nas eleições municipais do que em outros períodos porque o custo da compra de votos é menor. “O crime de corrupção eleitoral aumenta na proporção do tamanho do município. Quanto menor o município, maior o crime de corrupção eleitoral. É cesta básica, PIX, combustível. No município bem pequeno vale a pena para o político investir na compra de votos porque fica muito barato. Por exemplo, a eleição de um vereador precisa de poucos votos para se eleger. Em um município, quando a eleição é para deputado, essa corrupção eleitoral não se torna um investimento barato. Não compensa o investimento para o candidato”, destaca.
Por isso, o professor destaca que a sociedade precisa estar atenta neste período e denunciar as situações de corrupção que presenciar. “Pode ser denunciado pelo aplicativo Pardal, da Justiça Eleitoral, pode procurar o Ministério Público. O Ministério Público pode fazer a denúncia porque o eleitor não atua diretamente na Justiça Eleitoral. Quando alguém conclamar na Justiça Eleitoral, é encaminhado para o Ministério Público e o Ministério Público, se entender que é pertinente, ele vai fazer essa denúncia”, conta.
No dia da eleição, o eleitor também deve estar atento no comportamento de candidatos. “O cuidado que se deve tomar no dia da eleição é crime de boca de urna e transporte de eleitores. Boca de urna é fazer propaganda no dia eleição, o que é crime. O transporte de eleitor no dia da eleição também é crime. São crimes associados à corrupção eleitoral”, explica.
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A segunda parte da cartilha possui um tópico dedicado sobre como ocorre a desinformação e como a inteligência artificial pode ser usada para enganar eleitores. Rogério explica que a desinformação pode acontecer de diversas maneiras. “A primeira é quando o fato que é vinculado à notícia é inverídico, é inexistente ou é falso. É a informação falsa. Nesse contexto é a mais comum que temos”, disse.
A desinformação também pode aparecer no formato de boatos. “Nós conhecemos como fofocas. São aquelas informações que podem ser verdadeiras ou podem não ser verdadeiras, mas não se tem comprovação. São fatos que, mesmo que sejam verdadeiros, podem causar um dano muito grande para quem é dirigida esta informação. São fatos não comprovados”, conta.
A outra forma de desinformação é quando há fatos descontextualizados. “São fatos verdadeiros, mas da forma em que é colocada na notícia, induz ao leitor ou ouvinte a pensar de forma diferente da realidade. Esse é um tipo de desinformação”, explica.
O professor alerta que há desinformações que podem fazer com que os eleitores sejam estimulados a ter ódio a algo ou alguém. São os chamados discursos de ódio que estimulam o enfrentamento entre eleitores. “A nossa Constituição garante a liberdade de expressão. Em princípio, você pode publicar o que se quiser na sua rede social, mas tem alguns filtros. Primeiro: para você publicar uma informação, você deve assinar embaixo. Não é possível, não existe liberdade anônima. Segundo: a informação tem que ser verdadeira. Terceiro: não pode veicular ódio, difamação, calúnia, preconceito, instigar a violência ou qualquer crime. Esses são os filtros da liberdade de informação”, disse.
Os eleitores também precisam estar atentos aos tipos de informação que compartilham. “Os ouvintes que tem rede social devem evitar colocar resultado de pesquisa porque quando você veicula uma pesquisa eleitoral, não mostrada na Justiça Eleitoral, não precisa ser muito elaborada. Por exemplo: ‘Segundo pesquisas candidato A está na frente, candidato B está na frente’. A multa por cada veiculação é de R$ 52 mil. É um fato muito perigoso”, conta.
Rogério explica que a maioria das desinformações são veiculadas em redes sociais e no WhatsApp. “Eu já peguei situações de notícias verdadeiras de jornais, que ela começa exatamente igual como está no jornal de grande circulação, que chamamos de Lead no jornalismo, e no contexto, na segunda parte, ele coloca outra informação. Tem que ter muito cuidado. Procure aquela notícia diretamente na fonte”, conta.
A cartilha traz dicas para que o eleitor se proteja de desinformações. “Veja quem escreveu. Essa pessoa existe? Essa emissora ou esse jornal existe? Depois, é verificar no site. Não pegue direto no link. Vai no site e vê se aquela notícia é verdadeira. Mesmo que seja de jornal conhecido. Verifique a fonte”, explica.
O professor conta que o indicado é buscar informações em veículos confiáveis, pois esses meios de comunicação são regulados. “A Rádio Najuá é uma fonte confiável porque são profissionais idôneos. A Rádio Najuá é fiscalizada pelo Ministério das Comunicações. Nós temos jornalistas e radialistas que estão submetidos a um código de ética, dentro da profissão de jornalista e radialista. Tem que haver 100% de checagem. Tem que haver 100% informações. É uma fonte confiável. Você não precisa concordar com tudo que essa rádio, televisão ou jornal falam. Mas você pode saber que a chance de ser verdadeira é quase que 100%. Agora, você recebe uma informação dentro de um WhatsApp, uma informação que você clica no link, cai num veículo de comunicação que você não conhece. Então, procure saber a vida desse órgão de comunicação”, disse.
Outro alerta para reconhecer uma desinformação é que há uma atribuição falsa à autoria da mensagem. “Eu já recebi notícias de jornalistas que não existem. Na verdade, não são jornalistas. Eles colocam, geralmente, nomes fortes. Professor tal, da universidade tal, para dar credibilidade na notícia”, conta.
Com a inteligência artificial, a desinformação passa a ser mais elaborada, especialmente com as deep fakes. “São imagens reais de pessoas com a inteligência artificial alterando o texto que aquela pessoa está falando. É como se eu estivesse falando aqui e alguém colocasse outras palavras na minha boca, por inteligência artificial, com a minha voz. A inteligência artificial copia a voz as pessoas perfeitamente”, explica.
A inteligência artificial tem sido usada também para dar golpes em pessoas, usando celebridades e nomes conhecidos para vender produtos que não existem. Famosos como o ator Antônio Fagundes, o jornalista Pedro Bial e o médico Dráuzio Varella já usaram suas redes sociais para desmentir as desinformações que utilizavam as suas imagens. “Nós temos muitos artistas sofrendo com isso. Um deles é o professor Dráuzio Varella. São captadas imagens do Doutor Dráuzio Varella. Com a voz perfeita igual à dele, ele está oferecendo produtos medicinais que curam tudo. Ele tem denunciado isso porque ele não faz e não vende, porque ele tem a ética médica”, conta.
Na política, a inteligência artificial é usada para criar imagens falsas de políticos. Os vídeos falsos recriam a voz e a imagem do político dizendo sobre um determinado assunto, no qual o político nunca falou. A cartilha produzida pelo CNBB traz dicas de como o eleitor pode se prevenir. “Preste atenção no movimento dos olhos. Geralmente, quando alguém está sob inteligência artificial, a imagem vai piscar porque tem que fazer a edição da imagem. Preste atenção no movimento da boca. O movimento da boca não combina com o som. Prestem bastante atenção sobre isso. Preste atenção na cor das imagens. Quando você vai editar, para quem entende de edição de imagem, cada corte que você vai fazer, dá uma diferença da tonalidade da cor. Veja a qualidade do áudio, se tem som externo que a imagem não teria. Essas são algumas dicas que colocamos na cartilha”, explica.
A Justiça Eleitoral autorizou o uso de inteligência artificial nas campanhas políticas. Porém, é preciso sinalizar para o eleitor que a foto, imagem ou vídeo está usando esse tipo de plataforma. Já o uso de chatbots, os robôs de textos usados em conversas nas redes sociais de profissionais, está proibido. “Você vai numa empresa, numa loja, fez uma pergunta, ele começa a responder automaticamente. Ele nunca vai responder o que você quer que seja respondido. Dentro da política, esses robôs, que trazem a resposta, estão proibidos. Quando o eleitor faz uma pergunta para o chatbot, o computador vai responder o que ele quer ouvir. Ele está preparado para dar resposta que o eleitor quer ouvir. Fica essa questão artificial, ele não está falando com o político, não é a opinião sincera daquele político, daquele candidato, daquela candidata”, conta.
A cartilha finaliza com a terceira parte que trata de noções básicas sobre política, como a explicação do que é democracia, cidadania e ética, além de contar sobre como a propaganda política é feita. “A terceira parte explora mais a propaganda eleitoral. Ela explora mais os meios de conquista de votos. Ela explora mais os artifícios utilizados pelo marketing e pelos políticos para conquistar o voto do eleitor”, disse.
A Cartilha de Orientação Política é um documento que é publicado desde 2008 e foi inspirado no documento 82 da CNBB, intitulado “Eleições 2006 – Orientações da CNBB”. O documento encorajava as igrejas a criarem cartilhas adaptadas às diferentes realidades brasileiras. A versão impressa pode ser comprada no valor de R$ 1,50 no site da Regional Sul 2 da CNBB (https://cnbbs2.org.br) ou adquirida pelo WhatsApp no número (41) 3224-7512. Há ainda paróquias que possuem versões para serem distribuídas. Contate sua paróquia para mais informações.