Moradora de Irati percorre Caminho de Santiago de Compostela em 36 dias

De Bayonne, cidade ao Sul da França, próxima da fronteira, até Compostela, na Espanha, a…

24 de julho de 2024 às 19h12m

De Bayonne, cidade ao Sul da França, próxima da fronteira, até Compostela, na Espanha, a engenheira civil Rozenilda Romaniw Bárbara percorreu 900km de um trajeto que considera difícil e desafiador, mas não impossível/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista realizada por Juarez Oliveira

Rozenilda Romaniw Barbara realizou Caminho de Santiago de Compostela pelo terceiro ano consecutivo neste ano. Foto: Arquivo Pessoal

A engenheira civil Rozenilda Romaniw Bárbara, que mora em Irati percorreu, em 36 dias, cerca de 900km do trajeto norte do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, que faz parte de uma rede de percursos que levam peregrinos até onde se acredita estarem depositadas as relíquias do apóstolo São Tiago Maior. Desde o século IX, peregrinos de toda a Europa iam até o local de veneração religiosa, também em busca de indulgência – o perdão dos pecados.

Muito famosa durante toda a Idade Média, a peregrinação ao local ficou relativamente esquecida por séculos, até ser reavivada na década de 1980, já não mais restrita a motivos religiosos. O Caminho de Santiago de Compostela tornou-se itinerário espiritual e cultural de primeira ordem e foi declarado Primeiro Itinerário Cultural Europeu em 1987, mesmo ano em que o escritor brasileiro Paulo Coelho lançava “O Diário de um Mago”. O livro, uma das mais importantes obras do autor, foi escrito depois de três meses de peregrinação em Santiago de Compostela e contribuiu, de certa forma, para popularizar o percurso místico e foi ele que inspirou Rozenilda a desejar fazer o percurso.

“Mais ou menos na década de 1990, li o livro do Paulo Coelho e aí disse ‘Um dia, farei o Caminho!’. Isso ficou totalmente esquecido na minha memória até uns oito anos atrás, quando o Davi Tavares, um guarapuavano que mora na Espanha, estava fazendo um show aqui. Quando conversei com ele, lembrei do Caminho. Fiz toda a programação para fazer em 2020, mas veio a pandemia, que abortou [a ideia], pois ninguém podia sair do País. Em 2022, consegui fazer. Em 2023, repeti e, agora, em 2024, novamente”, explica.

Natural de Mallet, a engenheira conta que desde criança já gostava de caminhar longas distâncias – sete quilômetros de ida e volta até a escola no primário e 12, no Ensino Fundamental. “Lembrei disso, mas duvidava da minha capacidade, se conseguiria fazer. O primeiro caminho que eu fiz, de 830km, eu tinha dúvida se tinha condições de fazer. É uma coisa [que vinha] já da juventude essa possibilidade de caminhar, que agora eu me permiti”, revela Rozenilda.

Anualmente, milhares de peregrinos percorrem o trajeto a pé, de bicicleta ou a cavalo, em busca de contato com a espiritualidade, a aventura e o autoconhecimento. O trajeto mais famoso é o “Caminho Francês”, a partir de Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, a cerca de 60km de Bayonne. O Caminho de Santiago de Compostela é considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO (na Espanha, em 1993, e na França, em 1998).

Rozenilda explicou que o Caminho Francês tem início em Saint-Jean-Pied-de-Port, a 30km da fronteira da França com a Espanha. De lá, os peregrinos descem até a cidade espanhola de Roncesvalles, na região de Pamplona e, a partir dali, atravessa a porção norte da Península Ibérica, passando por cidades importantes da Espanha. A engenheira fez esse trajeto em 2022, na sua primeira experiência.

Mapa do Caminho de Santiago de Compostela com nomes dos países e cidades em francês. Foto: Divulgação

“Eu tinha muita preocupação de como eu chegaria em Madrid [capital espanhola], me virar num aeroporto gigante, como eu ia até a Estação Atocha, onde ia pegar o trem para ir até a cidade de Pamplona. Tinha muito medo e fazia orações para que Deus me enviasse pessoas que pudessem me ajudar. Cheguei de madrugada a Madrid, já achei uma brasileira, que me ensinou a usar a internet no aeroporto. Ficamos conversando das 2h às 5h30, pois às 6h eu ia pegar o ônibus para ir a esse lugar. Aquele medo, escuro, frio. Fiquei dentro do aeroporto e olhando para não perder o ônibus, quando ia chegar. Nisso, chegou uma pessoa de mochila – todo mundo se reconhece, quem vai para o Caminho, pela mochila nas costas. Era um barbudo e pensei em abordá-lo, pois achava que estava indo para o mesmo lugar que eu. Falei ‘bom dia’ e ele me respondeu em português”, relata Rozenilda.

O homem, com quem ela conversou era brasileiro e que faria o mesmo percurso, se chama Rogério e é tenente-coronel do Corpo de Bombeiros em Florianópolis/SC. “Já me senti segura. Foi um caminho onde acabei encontrando cinco brasileiros e isso já me deu segurança para fazer. Depois, claro, cada um foi seguindo, fazendo seu caminho. Eu terminei o caminho com um brasileiro de Curitiba, o nome dele é Paulo, e uma croata. Foi uma experiência extraordinária. Muito cansativa, erros que eu cometi, na época, por falta de experiência, e coisas que eu fui aprendendo como me cuidar para que eu não tivesse problemas com lesões, para que eu tivesse condições de terminar o caminho”, comenta.


Um desses aprendizados foi o de se manter sempre hidratada para evitar inchaços nos tornozelos, por exemplo, o que levaria a uma desistência, como viu acontecer com outras pessoas. Rozenilda conta que levou muitos relaxantes musculares para tentar driblar as dores nas pernas, mas nenhum potente como o ibuprofeno. A experiência própria e a observação, segundo a engenheira, fizeram que ela estivesse mais preparada e com mais confiança para repetir a peregrinação.

O Caminho Norte, que Rozenilda percorreu agora em 2024, é o mais desafiador da rede de caminhos que levam até Santiago de Compostela. Com início em Bayonne, na França, ele atravessa regiões do País Basco, Cantábria, Astúrias e Galícia. “É um caminho que percorre o litoral, ele está sempre margeando o litoral. É bastante montanhoso em alguns pontos. Difícil, desafiador, mas não impossível de fazer desde que você esteja preparado mental, psicológica e fisicamente”, avalia.

Mesmo assim, Rozenilda garante que o Caminho de Santiago de Compostela tem estrutura para que o peregrino cumpra o trajeto de acordo com as próprias capacidades, sem precisar se sobrecarregar, e adequados para pessoa com idades mais avançadas, ainda que completem o trajeto no dobro ou triplo do tempo.

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A engenheira explica que o Caminho Norte foi percorrido em 36 dias de caminhada, mas que houve um breve intervalo. O trajeto teve início em 3 de maio e ela caminhou com um português que vive na Alemanha. “Ele tinha um compromisso em Portugal, então, nós caminhamos dias 3, 4 e 5. Nos dias 6, 7, 8 e 9, fomos a Portugal e retomamos o Caminho dia 10 [de maio] e terminamos no dia 11 de junho”, conta.

Nesse trajeto, os maiores desafios para Rozenilda foram algumas subidas bastante íngremes, com escadarias, e depois descer; enfrentar a chuva em muitos pontos e a sinalização se apagando em vários trechos, o que a levou a caminhar alguns quilômetros na direção errada e ter que voltar para a trilha certa, o que, segundo ela, é um teste de paciência. “E aí não tem a quem culpar, são coisas que vão depurando dentro de nós, essas iras que, às vezes, demonstramos quando erramos e temos que nos corrigir”, analisa.

Desafio de se manter: As perguntas que passam pela cabeça de muitos dizem respeito sobre onde comer e onde dormir durante esse período, se existem paradas estratégicas com essa finalidade ou se todas os produtos precisam estar na mochila que cada peregrino carrega. Rozenilda explica que se recomenda que a mochila pese, no máximo, 10% do seu peso corporal. “Dentro da mochila, você traz todos os pertences que você vai usar, de higiene, de limpeza, vestuário, saco de dormir, capa de chuva, sapato, o chinelo que você vai tomar banho, garrafa d’água, passaporte, dinheiro, enfim, todas essas coisas. E você ainda tem que ter espaço para levar a comida que você vai comendo no trajeto”, diz.

No percurso, os peregrinos fazem paradas estratégicas em albergues, em que os quartos são coletivos e podem abrigar grupos de até 30 pessoas, a depender do tamanho. “Os dormitórios, normalmente, são em forma comum; alguns deles, separados homens e mulheres; outros, não. Alguns albergues oferecem cozinha, utensílios para você cozinhar ou até oferecem uma ceia, um café. Outras vezes, não, mas aí vai ter um bar do lado, um mercado”, detalha. Também é possível encontrar vários locais com disponibilidade de água para reposição. Se o peregrino for passar por um trecho que não vai ter onde encontrar comida e água, ele é avisado para providenciar para levar quanto for necessário até chegar ao próximo local onde haverá disponibilidade.

“Teve dias que andamos por 25km que não tinha nada de água, nem de comida, e aí tem que fazer um reforço maior, porque come-se muito. Não parece, mas você carregar uma mochila de oito a dez kg nas costas o dia todo dá fome, dá sede e dá cansaço e você precisa ter essa preocupação de repor a tua energia”, relembra. A distância percorrida a cada dia era planejada levando em consideração a capacidade física individual e a disponibilidade de alojamentos. Rozenilda caminhou, em média, de 20 a 30 quilômetros por dia.

Oficialmente, Rozenilda percorreu 873 quilômetros no Caminho do Norte. Entretanto, como houve pontos do trajeto em que ela se perdeu e precisou voltar atrás até encontrar o caminho certo, estima que tenha andado bem mais do que 900 quilômetros. “O Caminho do Norte, diferente do Caminho Francês, tem muitas variantes. Tem lugar que você chega e pode ir para cá ou para lá, você escolhe para que lado vai. Vai da sua vontade de caminhar, se você quer andar mais pelo lado da floresta, que às vezes é mais distante, mas é mais bonito, ou se você quer andar pelo mar [pela beira-mar]. Você vai andar por trilhas pesadíssimas, é pela areia, mas é mais pesado. As pessoas têm possibilidades de fazer as variantes e isso muda um pouquinho o trajeto”, compara.

Uma das trilhas mais pesadas que Rozenilda enfrentou no percurso fica na região de Irún, que é o ponto de início do Caminho do Norte na Espanha, que possui cerca de 175 quilômetros, que devem ser percorridos em oito ou nove etapas. “Dos 36 dias, foram dois dias que despachei a mochila, o que foi um grande acerto, porque eu não conseguiria ter descido com a mochila, no peso que ela estava naquele lugar, que foi muito desafiador para andar”, conta.

“Vale muito a pena, porque não temos ideia do quanto nós podemos nos desafiar. Nós somos desafiados na vida, no trabalho, pela família e por certas circunstâncias. Mas, às vezes, nós não nos desafiamos. O que eu estou contando para você, o que eu vivi, quais as experiências, o que me toca, pode ser que para muitas pessoas não tenha representação nenhuma”, diz. Para Rozenilda, a experiência é muito individual, mas pode haver pontos em comum.

“Cada um de nós tem capacidade de se desafiar a fazer o que quer que seja. Eu não falo espanhol e não senti falta. Eu não falo croata, mas na primeira passagem, na primeira caminhada, caminhei mais de 20 dias com uma croata e juro para você que a entendia. Ela falava em croata e eu entendia algumas palavras, que pareciam ucraniano, e nós nos comunicamos todos esses dias sem entender, verdadeiramente, a língua”, destaca. O idioma servo-croata é uma das línguas eslavas, daí as similaridades com o ucraniano.

Questionada se planeja retornar ao Caminho de Santiago de Compostela, Rozenilda revela que foi recomendado a ela seguir o chamado “Caminho da Fé”, que fica no Brasil e é inspirado no trajeto milenar. O percurso parte de Águas da Prata (MG) e termina em Aparecida (SP), num trajeto de cerca de 2 mil quilômetros, dos quais aproximadamente 400 atravessam montanhas da Serra da Mantiqueira por estradas vicinais, trilhas, bosques e asfalto. Porém, inspirada numa mulher de 78 anos que ela conheceu em Santiago de Compostela, ela mantém o objetivo de retornar para lá anualmente, como já tem feito.

Credencial do Peregrino e Compostela: Os peregrinos que completam o trajeto são recompensados com a “Compostela”, um certificado de conclusão da jornada de peregrinação. No início, quem percorre o Caminho de Santiago de Compostela precisa obter, junto ao Escritório do Peregrino, a credencial de peregrino, que é uma espécie de passaporte que vai ser carimbado em cada etapa do itinerário. O documento é baseado no que era entregue aos peregrinos na Idade Média, como salvo-conduto. A credencial do peregrino permite o acesso aos albergues e, quando devidamente carimbada em cada etapa do itinerário, dá direito a receber a “Compostela”, desde que o peregrino tenha percorrido pelo menos 100km a pé ou a cavalo, ou 200km de bicicleta. Mais informações no site, em português: caminodesantiago.gal/pt.

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