Diversos fatores podem ter contribuído para o crescimento da quantidade de solicitações de medidas protetivas em Irati. No entanto, não é possível afirmar que casos de violência física aumentaram/Paulo Sava
A Lei Maria da Penha, criada em 2006, completa 18 anos em agosto. Entretanto, o número de mulheres que solicitaram medidas protetivas de urgência cresceu em Irati nos últimos meses. Dados apontam que, em média, são registrados 10 pedidos semanais na Delegacia de Polícia Civil.
Em entrevista à Najuá, a agente da Guarda Municipal, Patrícia Isaura Bonato Pedroso dos Santos, que atua no atendimento a mulheres vítimas de violência junto à Delegacia de Polícia Civil, avalia que diversos fatores podem ter contribuído para o crescimento da quantidade de solicitações de medidas protetivas em Irati. Entretanto, segundo Patrícia, não é possível afirmar que a quantidade de casos de violência física aumentou, uma vez que não existe um estudo que aponte para isto.
“Eu não posso falar que foi a violência que aumentou em Irati, pois não temos estudo para isto. Vários outros fatores podem ter ocorrido. Hoje em dia, com tantas discussões, a mulher pode entender que há outros tipos de violência, e não mais apenas a violência física e a lesão corporal para solicitar medida protetiva. Eu acredito que a mulher está se reconhecendo com as outras violências que sofre e por isto vem buscar”, comentou.
Outro fator pode ser a mudança que houve na Delegacia de Irati, que culminou com a ida de Patrícia para lá. “Penso que, quando uma mulher chega à Delegacia e é atendida por outra mulher que a acolhe em fragilidade, que na maioria das vezes a mulher chega bem frágil, com um estado emocional muito abalado. Poder contar com uma profissional mulher com formação acadêmica na área, para atendê-la pode ter sido um dos fatores que fez com que a mulher buscasse mais a medida protetiva em Irati”, comentou.
Atenção especial – O delegado Rafael Rybandt ressalta que ele e o delegado Gabriel Marinho (titular da Delegacia de Irati) solicitaram que fosse dada uma atenção especial aos casos de violência doméstica. Eles ficaram impressionados com a quantidade de ocorrências registradas na região. Para o delegado, as mulheres que percebem que a Polícia está trabalhando para combater este tipo de crime podem se sentir mais seguras.
“Poder acreditar que esta denúncia vai resultar na prisão efetiva dele e deixar ela mais segura e fazer com que os filhos tenham um ambiente mais seguro para viver e poder contar com o trabalho da polícia Civil e Militar é importante para que a mulher vá e busque (ajuda) efetivamente. Talvez não seja o número de agressões que aumentou, mas temos uma cifra negra, ou seja, uma situação de violência que não era registrada nos órgãos oficiais, e agora elas são registradas, apuradas e tomadas as medidas cabíveis”, frisou.
O que é a medida protetiva – A medida protetiva de urgência é uma ordem emitida pelo Poder Judiciário para proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, colocando ela em condição de vulnerabilidade. Esta ordem determina o que o autor precisa fazer para respeitar a medida estabelecida. Rafael detalhou quais são estas medidas.
“Estas medidas podem ser afastar ele do lar, suspensão do porte de arma e do registro enquanto estamos apurando a situação, proibição de se aproximar dela, dos filhos ou de testemunhas. Estas são medidas obrigatórias para o agressor, mas tem outras que auxiliam a mulher, como o auxílio aluguel, participar de programas e frequentar o psicólogo. Estas são medidas protetivas de urgência que o juiz vai determinar. É uma ordem judicial que deve ser cumprida”, apontou.
O agressor, nestes casos, também receberá atendimento, que fará atividades socioeducativas, de acordo com Patrícia. “O agressor também vai ser tratado neste momento”, apontou.
O que acontece depois da medida – Depois de registrar o pedido de medida protetiva, a mulher recebe o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha, que em Irati é gerida pela Secretaria de Segurança Pública e Cidadania. Além disso, existe uma rede de proteção a mulheres vítimas de violência, segundo Patrícia.
“Esta rede se inicia no Conselho da Mulher e depois vai para todo o município. A mulher vai ser atendida pelo CREAS, para atendimento social e psicológico. A Secretaria da Mulher, Criança e Pessoa Idosa também vai atender esta mulher. A Patrulha Maria da Penha vai fazer o papel de visitar. A Polícia Militar também nos apoia e contamos aqui em Irati com uma casa de apoio à mulher vítima de violência. Se esta mulher chega na Delegacia solicitando medida protetiva e ela nos relata que não quer voltar para a residência, que está insegura e com muito medo, ela tem um local para ficar junto com os filhos o tempo que precisar. A rede de proteção à mulher em Irati é muito forte e trabalha muito bem”, afirmou.
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Casos – Os casos mais comuns de solicitações de medidas protetivas envolvem injúrias, perseguições de ex-maridos, lesões corporais e violência patrimonial. Entretanto, a mais difícil de ser trabalhada é a violência psicológica, uma vez que causar dano emocional também é uma forma de agressão à pessoa, segundo Patrícia. “Causar um dano emocional a esta mulher é também uma violência que está instituída dentro da Lei Maria da Penha. Estes são os mais comuns dos casos em que as mulheres solicitam”, destacou.
Já os casos de violência física seguem basicamente um mesmo padrão, descrito pelo delegado. “Por exemplo, o marido alcoólatra que chega em casa e agride a mulher. Há casos de filhos que são dependentes químicos e age da mesma forma, assim como os netos. Temos situações de maridos que não aceitam os términos dos relacionamentos, que acha que a mulher é propriedade dele e que não pode se autodeterminar. Não são casos específicos de Irati, mas é sempre o mesmo enredo no país inteiro”, frisou.
Papel da Polícia Civil – Nestes casos, cabe à Polícia Civil investigar as situações criminais que envolvem violência doméstica. Patrícia é responsável pelo primeiro atendimento às vítimas na Delegacia e faz a triagem para encaminhamento aos órgãos da rede de proteção. Em algumas situações, há necessidade de solicitar apoio do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e do Conselho Tutelar (nos casos em que há menores envolvidos). Cabe à Polícia Civil investigar o crime.
Quem pode solicitar medida protetiva – O delegado contou que quem tem legitimidade para solicitar a medida protetiva é a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha. “Ela pede e o delegado de polícia faz esta comunicação com o Poder Judiciário. O juiz vai aferir se tem a situação de vulnerabilidade, se é um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, se estas agressões são em razão da condição do sexo feminino. Caso tenham estas condições, o juiz vai deferir estas medidas protetivas. Nós trabalhamos investigando os crimes, vendo se efetivamente a lesão ocorreu, se ela foi ameaçada, vamos colher depoimento de testemunhas, vizinhos, imagens de câmeras de segurança, vamos solicitar o laudo de lesões corporais para aferir se ela realmente foi lesionada. Após terminarmos esta investigação, mandamos para o Ministério Público, que vai ou não oferecer a denúncia, e o Judiciário vai julgar o agressor, para ele eventualmente ser condenado ou não”, comentou.
Quantidade de casos – Desde o início do ano, até o dia 26 de junho, foram registrados cerca de 200 boletins de ocorrência envolvendo violência doméstica contra a mulher. Destas situações, apenas 107 medidas protetivas de urgência foram solicitadas e deferidas pelo Poder Judiciário. Neste período, foram feitas 57 prisões em flagrante. Houve ainda 24 cumprimentos de mandado de prisão por conta deste tipo de crime somente no primeiro semestre de 2024.
Requisitos para solicitação de medida protetiva – Rafael conta que, para que as solicitações sejam atendidas pelo juiz, é necessário que a mulher esteja em situação de vulnerabilidade, que o crime tenha sido cometido por conta da vítima ser do sexo feminino ou que haja um vínculo amoroso entre ela e o agressor. No entanto, ele destacou que a situação de violência não precisa ser exatamente entre um homem e uma mulher para que uma medida possa ser solicitada.
“Não é necessário que seja homem e mulher, mas sim que a mulher agredida esteja em uma situação de vulnerabilidade por ser mulher. Tem casos em que a mulher pede uma medida protetiva contra o vizinho. É uma intriga de uma mulher com um homem, mas não é específica por razão da condição do sexo feminino. A mulher também pede uma medida protetiva contra a cunhada porque as duas brigaram. Esta não é uma situação que ocorreu por ela ser mulher e não está em condição de vulnerabilidade. Neste caso, não cabe a medida protetiva. Então, fazemos o pedido, porque é a mulher quem pede ao Judiciário, o delegado é só um instrumento que vai operacionalizar este pedido, que eventualmente será negado pelo magistrado”, comentou.
Desafios – Um dos principais desafios para a implementação das medidas protetivas é a mulher se reconhecer como vítima. A maioria dos casos atendidos por Patrícia é de mulheres que sofrem há vários anos dentro de relacionamentos abusivos e violentos. Entretanto, para Patrícia, casos em que idosas sofrem com abusos financeiros por parte principalmente de netos são os que causam maior preocupação.
“A avó sofre violência do neto, e na maioria das vezes é violência patrimonial e financeira. São aqueles relatos de que o neto faz empréstimo sem autorização, pega do benefício e faz saque. Então, talvez seja necessário a mulher se reconhecer como vítima para ir buscar ajuda. Outro fator também seriam pessoas que nos ajudem a denunciar este tipo de violência”, frisou.
Quando há investigações sobre crimes de violência contra a mulher, há uma certa dificuldade da Polícia Civil em conseguir elementos para a composição do inquérito policial, de acordo com o delegado. Por conta disso, ele solicita que a população colabore quando presenciar ou souber de qualquer situação envolvendo violência.
“Nós escutamos muito que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. O vizinho não quer se meter, mas viu a situação e é testemunha do que ocorreu. Em briga de marido e mulher, se mete a colher sim, porque é necessário. A mulher precisa de um suporte não só da família, mas também da comunidade. Quem é testemunha, tem que ir à frente e testemunhar, nós precisamos destes elementos de informação para responsabilizar o agressor”, pontuou.
Proteção a testemunhas – O delegado garantiu que as testemunhas também são protegidas pelas medidas protetivas. “Caso seja deferida a medida protetiva de urgência e o agressor for no vizinho que é testemunha, ele vai preso também, pois se trata de descumprimento de medida protetiva. Existem alguns casos de descumprimento, é um dos desafios porque é a exceção. O índice de casos em que há descumprimento é pequeno, é muito menor que a quantidade (de pedidos)”, frisou.
A maior quantidade de prisões feitas pela Polícia Civil é por conta do descumprimento de medidas protetivas, de acordo com Rafael. “Quando o agressor não respeita uma ordem judicial, a partir daí esta ordem não foi respeitada e ele está dizendo que não foi suficiente para proteger a mulher. Neste caso, vai preso sim”, enfatizou o delegado.
Canais de denúncia – Além da Polícia Civil, a mulher vítima de violência também pode solicitar apoio à Polícia Militar pelo telefone 190, à Guarda Municipal pelo 153 ou pelo WhatsApp (42) 3423-2833, e pelo Núcleo Maria da Penha (NUMAPE) da Unicentro, pelo telefone (42) 99904-1423. Denúncias também podem ser feitas pelo WhatsApp da Delegacia, pelo número (42) 3422-5176.