Curso “Saberes e Resistências dos Povos do Campo da Floresta de Araucária” oferece 30 vagas e as inscrições podem ser efetuadas até hoje (dia 30 de junho)/Texto de Edilson Kernicki, com entrevista realizada por Paulo Sava

A Casa da Cultura de Góes Artigas, em Inácio Martins, vai oferecer o Curso de Formação em Arte e Cultura “Saberes e Resistências dos Povos do Campo da Floresta de Araucária”. Com carga horária de 96 horas e aulas aos sábados, de julho a dezembro, o curso é voltado para pessoas acima de 14 anos, que pertençam aos povos do campo, comunidades tradicionais e para professores da educação escolar do campo na região Centro-Sul do Paraná. As inscrições estão abertas até hoje (dia 30 de junho).
A formação tem como finalidade permitir vivenciar, fortalecer e aprofundar conhecimentos sobre os saberes e práticas culturais dos povos da região da Floresta de Araucária e pretende formar agentes de cultura para promover a diversidade cultural, como ferramenta para o desenvolvimento sustentável dos territórios.
O curso recebe apoio do Governo Federal, através do Ministério da Cultura (MinC). “A Casa da Cultura de Góes Artigas é uma associação comunitária de mulheres rurais, que fica na comunidade de Góes Artigas, em Inácio Martins, quase mais perto de Guarapuava que de Irati. Trabalhamos neste projeto desde agosto do ano passado, quando o Ministério da Cultura lançou o edital Olhos D’Água, para formar uma Rede Nacional de Escolas Livres de Formação em Arte e Cultura”, explica a educadora popular Milene Aparecida Galvão, uma das organizadoras do curso.
Ela e mais três mulheres – a educadora Mariana Nunes Cândido; a antropóloga, pesquisadora e sócia-fundadora da Casa da Cultura Góes Artigas, Taísa Lewitzki e a também sócia-fundadora Adriana Lewitzki – decidiram inscrever um projeto que contemplasse a arte e a cultura dos povos das matas de araucária. “A proposta do MinC era que as organizações da sociedade civil se inscrevessem nos editais para propor cursos de formação em arte e cultura, para que novos agentes culturais pudessem ser formados e, claro, como é um projeto de nível federal, que vem da União, é um projeto muito mais burocrático, que demanda muito mais trabalho. Ficamos dois ou três meses na escrita do projeto, até passar pela fase de seleção, aprovação e, depois, a contemplação com recursos. Agora, estamos na fase de divulgação do nosso curso de formação em arte e cultura, que é para a nossa região, que vai formar 30 novos agentes de cultura, fazedores e fazedoras de cultura, que tem foco em jovens e mulheres, para que esse povo possa fomentar a arte e cultura da região”, destaca.
“Quem ainda não conhece a Casa de Cultura Góes Artigas, vale a pena conhecer, é um espaço maravilhoso, cheio de mulheres muito potentes, que se movimentam, fazem muitas atividades, inclusive, de valorizar toda essa diversidade de cultura e saberes que existe aqui na região da Floresta de Araucária. Lá foi escolhido [pelo Ministério da Cultura] exatamente por conta da potência dessa organização dessas mulheres, que conseguem desenvolver atividades e trabalhos maravilhosos. Tem um espaço muito legal, muito bonito e que está sendo preparado para receber esse curso, para receber as pessoas, para receber mais mulheres e jovens, para podermos aprofundar esses conhecimentos, perceber toda essa riqueza da região e todos esses saberes dos povos dos campos, dos povos tradicionais”, explica Mariana.
A Casa da Cultura Góes Artigas fica na localidade rural de mesmo nome, às margens da PR-364, a 25km da sede do município de Inácio Martins e a 14km do Distrito do Guará/BR-277. Milene relembra que o local fica muito próximo à linha férrea, onde existem várias casas que eram utilizadas pelos funcionários da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA). “Essas casas foram ocupadas pelas famílias e uma dessas casas foi transformada num espaço cultural. A Casa da Cultura Góes Artigas foi formalizada em formato de associação de mulheres e essas mulheres são as que moram na comunidade, que plantam e vendem para os programas de aquisição de alimentos, que fazem a feira e divulgam a cultura de sua localidade. A Casa da Cultura é um espaço com biblioteca, cozinha e uma área externa para que aconteçam os eventos culturais e tradicionais. Entre os mais tradicionais, as romarias promovidas pela família Lewitzki”, detalha Milene, que acrescenta que a Casa de Cultura possui até mesmo um quarto para quem precisar pernoitar nos dias de curso.
Mariana acredita que vale a pena ampliar a compreensão sobre o que é Cultura e que a educação contribui para essa expansão sem precisar estar restrita a uma sala de aula e ao regime de aprendizado linear e vertical das escolas convencionais, com alunos enfileirados, matérias, provas e uniformes. “Nosso entendimento de Cultura é que a cultura é tudo, é nosso modo de viver. Nessa Rede de Escolas Livres, nossa intenção, com esse curso, também é proporcionar espaços para que as mestras e mestres dos saberes tenham esse lugar de quem tem muito a ensinar, mas não necessariamente precisa estar vinculado a uma escolarização”, diz. Os mestres a quem Mariana se refere são os tocadores, as benzedeiras, as agricultoras agroecológicas, as pessoas que contam as histórias dos faxinais e que têm como contar a história viva da região.
A intenção do curso é, justamente, valorizar esses saberes e práticas e, simultaneamente, valorizar os mestres dos ofícios dos povos tradicionais. “E poder aprender, porque não está vinculado à educação formal, é muito mais amplo e temos um universo inteiro para explorarmos junto”, afirma a educadora popular.




De formação, mas não formal: Milene reitera que o curso de formação escapa da formalidade institucionalizada das escolas e universidades. “Quando falamos em Escolas Livres de Formação em Arte e Cultura, estamos falando justamente do saber ancestral, feito pelos povos e comunidades tradicionais, que possuem um tipo de conhecimento e que jamais esse conhecimento vai ser possível ministrar ou repassar somente pela vertente da institucionalização. Como o Paulo Freire falava, a educação não pode ser forjada para ele, mas com ele. É isso que pensamos quando fazemos um curso de formação livre com os povos tradicionais, com as comunidades com as quais vamos trabalhar: uma educação forjada com o povo que vai se formar naquilo”, frisa.
A educadora cita as benzedeiras: por mais que o curso venha a capacitá-las, elas já trazem consigo um conhecimento tradicional, uma bagagem cultural adquirida em suas vivências, em seu território. “Esse conhecimento não pode simplesmente ser deixado de lado. É um conhecimento tão mais vasto quanto o formal”, compara.
O curso terá capacitação dividida em módulos, com propostas e temáticas que envolvem todos esses saberes. “Vai ter um módulo onde a benzedeira vai falar sobre as ervas medicinais e suas práticas ancestrais; vai ter um módulo onde alguém que pratique a economia criativa, a economia solidária, vai poder falar sobre seu empreendimento. Os cursistas vão poder trazer suas experiências comunitárias, de arte e cultura: como montar uma feira, uma exposição, trazer uma roda de viola”, detalha Milene.
A Casa de Cultura Góes Artigas vai proporcionar aos cursistas um local com estrutura física adequada, com biblioteca, computadores conectados à Internet e três refeições – café da manhã, almoço e café da tarde – porque o curso se estende ao longo de todo o sábado, nos dois últimos sábados de cada mês, entre julho e dezembro. Cada aluno vai também receber um material pedagógico, um caderno e uma camiseta.
“É muito importante sermos humildes, pois não sabemos tudo. Com aquilo que sabemos, vamos contribuir dentro desse curso, como educadoras populares, mas juntamente com os mestres e as mestras, com os quais aprendemos diariamente”, enfatiza Milene. “Partimos da ideia de que vamos aprender juntos. Queremos que nesses momentos, nesses espaços, possamos trocar experiências e conhecer melhor a comunidade, conhecer toda a realidade da nossa região, que é muito diversa, maravilhosa, muito rica e encorajar, também, as pessoas que participam para que também dividam conosco seu conhecimento e experiência”, complementa Mariana.
Ela acrescenta que o curso também terá participação de quilombolas e de povos indígenas a fim de valorizar toda a riqueza cultural e formar essas pessoas para que elas possam levar, adiante, projetos de cultura e empreendimentos criativos, de modo a permitir observar o potencial para fazer a cultura de uma forma ampla. “Não apenas cultura de artista, mas a cultura do nosso modo de ser e de viver”, assinala Mariana.
O curso será dividido em seis módulos temáticos, com duas etapas cada um e vai englobar aulas teóricas e práticas; um intercâmbio na Terra Indígena Rio D’Areia e, na etapa final, será montada uma Mostra de Arte e Cultura.
“Acho que o desafio de verdade é sempre tentarmos trazer as coisas que estão na nossa cabeça para a materialização na vida real, porque a Cultura é muito ampla e precisamos fazer escolhas, de alguma forma, porque não conseguimos abarcar tudo. São muitos saberes, a diversidade é muito grande. Então, o maior desafio é falar de uma coisa tão ampla num espaço de tempo que é curto”, analisa Mariana.
Milene relata que já trabalha com Mariana, Adriana e Taísa há quase oito anos e que esse não é o primeiro projeto do Movimento Aprendizes da Sabedoria, mas que é o maior deles. “Construir um projeto a várias mãos, pensado por muitas mentes, é bem desafiador, porque cada uma de nós tem uma qualificação, um pensar, um fazer. Mas quando vemos o curso tomando forma e vemos as pessoas se inscreverem, não tem preço que pague”, diz.
Inscrições: O interessado em se inscrever deve preencher um formulário no Google Docs (https://forms.gle/kujfHqfpa7yBzYPe6) até hoje (dia 30 de junho). As inscrições e o curso são gratuitos. Ao final, o aluno que tiver comparecimento mínimo de 75% recebe um certificado emitido pelo Ministério da Cultura e pela Casa da Cultura.
Mais informações pelo telefone (42) 99816-7150, pelo e-mail casadacultura.cursopovosdocampo@gmail.com ou pelo Instagram (@casadacultura.goesartigas).