Chamada de lepra antigamente, doença carrega estigma. Em entrevista à Najuá, a coordenadora de atenção primária da secretaria de saúde explicou sobre a prevenção e o tratamento da doença/Texto de Karin Franco, com entrevista realizada por Rodrigo Zub e Edinei Cruz
A campanha Janeiro Roxo tem o objetivo de conscientizar a população sobre a prevenção e o combate à hanseníase.
Conhecida antigamente como lepra, a doença carrega um estigma que dificulta seu tratamento. “É uma doença que é muito estigmatizada pela questão de que tem muita lenda em cima dela, que é um castigo de Deus, até por essa questão de cultura e religião. Nós precisamos trabalhar em cima dela porque ela continua entre nós aqui, na nossa região, na nossa população, principalmente, nos países da África, Índia e Brasil. Ela ainda é uma endemia que chamamos. Nós não conseguimos extinguir ela. É uma doença crônica, ou seja, não é uma condição que se cura facilmente”, explicou a coordenadora de atenção primária da secretaria de saúde de Irati, enfermeira Emanueli Ianoski Neuls, durante entrevista à Najuá.
A doença é causada pela bactéria Mycobacterium leprae e costuma ter como sintomas manchas esbranquiçadas ou avermelhadas. “É uma mancha que aparece na pele, que ela não tem dor. Você trata, ela não desaparece. Dores nas extremidades, nos nervos. Essa bactéria compromete pele e nervos, principalmente. A pessoa perde a sensibilidade. Cai os pelos no local daquela mancha, os pelos acabam caindo. Ela passa a mão e não sente nada. Já é um sintoma da doença”, conta a enfermeira.
Em novembro do ano passado, enfermeiros de toda a região receberam treinamentos no hospital de Campo Largo, referência no tratamento da doença, para auxiliar no diagnóstico. O exame pode ser feito em qualquer unidade básica de saúde mais próxima da residência de qualquer morador da região. “Hoje temos nas nossas unidades básicas de saúde a disponibilidade da coleta. Não é uma coleta de sangue, não é uma coleta que seja invasiva ou dolorosa. Nós coletamos um pouco do líquido que temos embaixo da nossa pele. Quando caímos de bicicleta ou raspamos o cotovelo, sai um líquido branco, que chamamos de linfa. Fazemos um pique com o bisturi, coletamos aquele líquido, mandamos para o laboratório e já podemos ter o diagnóstico. Mas, além disso, temos o diagnóstico clínico. Hoje, todas as nossas unidades básicas tem os nossos enfermeiros coordenadores que estão altamente capacitados para fazer a avaliação e já o pronto diagnóstico, já fazer a solicitação do tratamento”, disse Emanueli.
Uma das dificuldades do diagnóstico é diferenciar de outros problemas dermatológicos. “O que nos dificulta o diagnóstico porque elas são facilmente relacionadas a problemas dermatológicos. Às vezes, o paciente vai ser encaminhado por um dermatologista, depois para um neurologista. Só daí então que é suspeito dessa doença e acaba se pedindo os exames. Por isso que nós precisamos trabalhar muito a educação em saúde porque como é de fácil diagnóstico, que nós temos esse acesso a esse exame nas unidades da saúde, nós precisamos que os pacientes cheguem na unidade, relatem e façam essa avaliação. Uma avaliação simples, de toque”, conta a enfermeira.
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A transmissão da doença é por via aérea, porém é preciso muito tempo de contato para infectar uma pessoa. “A transmissão dessa doença é por gotículas, da mesma forma que a tuberculose ou a Covid. É transmitida via respiratória, só que ela é uma doença de baixo infectividade. Você precisa de muito tempo, um tempo prolongado, de estar junto com aquela pessoa para você contrair a doença. Tanto é que é quando fazemos um diagnóstico de um paciente com hanseníase, temos que investigar os contatos mais próximos dele durante os últimos cinco anos”, explica.
O diagnóstico segue um protocolo que também disponibiliza o exame gratuito para esses contatos. “Hoje temos os testes rápidos, que são disponibilizados pela secretaria de Estado e pelo Ministério da Saúde, para pesquisa desses contatos. Nós os acompanhamos pelo prazo de um a dois anos, para ver se essas pessoas não desenvolvem a doença”, conta.
O tratamento é gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Ele é um tratamento que vem gratuitamente do Ministério da Saúde. Dependendo da classificação da doença, o tratamento é entre seis meses até um ano. Nós temos um fluxo de atendimento de referência para isso”, explica a coordenadora de atenção primária da secretaria de saúde de Irati.
Dependendo das lesões e dos sintomas, o tratamento pode ser diferente. “Aquelas pessoas que têm menos de cinco lesões e que não tem nenhum acometimento de nervos, fazemos o tratamento por seis meses. Esse tratamento vem pronto já do Ministério da Saúde. É retirado mensalmente nas unidades. Os pacientes que já tem acometimento nervoso, que já tem alguma incapacidade, eles precisam fazer um tratamento mais prolongado. Esse tratamento também é um pouco diferenciado, são drogas mais fortes. Ele é de um ano a 18 meses”, conta.
Em Irati, são sete casos ativos, ou seja, pessoas que foram diagnosticadas com a doença e estão em tratamento. Só no ano passado, quatro casos novos foram diagnosticados e desses, dois foram casos reincidentes, ou seja, foi preciso realizar o tratamento novamente no paciente. A maior parte dos casos foram em pacientes do sexo masculino, tanto da área urbana como no meio rural.
Os casos costumam acontecer em pessoas com idade ativa, ou seja, que estão ainda trabalhando. “Trabalhadores de saúde, acima de 20 anos. Até um grande indicador de saúde de uma população é você não ter hanseníase em criança menor de 15 anos. Nós estamos zerados nesse indicador”, disse Emanueli.
A coordenadora explica que é preciso estar atento ao corpo e buscar atendimento o mais breve possível. “As medidas de prevenção continuam sendo a parte de você fazer o autocuidado. De você se cuidar, observar a questão de manchas. Não tem como você saber se a pessoa realmente tem ou não, se aquela alergia que a pessoa tem é uma hanseníase ou não”, explica.
A demora no diagnóstico e do tratamento pode tornar a pessoa incapacitada. “Pela questão de a bactéria afetar nervos, a pessoa pode ficar com a incapacidade funcional. Aquelas pessoas que são classificadas como grau dois, elas já têm algum tipo de incapacidade. Inclusive, colocamos elas no sistema, que elas podem solicitar o benefício, por incapacidade do INSS e se aposentar por incapacidade por ter acometimento de nervo, seja das mãos, dos pés, dos olhos”, conta.
Para realizar uma conscientização sobre a doença, a secretaria de Saúde busca fazer ações nas escolas durante o ano e capacitar os profissionais para o atendimento de pacientes. “Mensalmente, elaboramos protocolos e fazemos capacitação para as nossas equipes para aumentar essa população diagnosticada o mais breve possível”, explica a coordenadora.
Neste mês, outra ação é dar preferência nas consultas nos postos de saúde para o diagnóstico da hanseníase. “Estamos fazendo um bloqueio em algumas consultas de agendamento nas unidades para que a população que tenha algum sintoma relacionado, procure as unidades e não saia de lá sem ser avaliado minimamente pelo enfermeiro, pelo médico ou pelo fisioterapeuta”, disse.
As consultas nos postos de saúde são um dos principais atos de prevenção da doença. Qualquer unidade básica de saúde está habilitada para fazer o atendimento inicial e o diagnóstico.
Contudo, a enfermeira alerta que as pessoas precisam levar os documentos corretos, como identidade e CPF, além da carteira do SUS. A coordenadora de atenção primária da secretaria de saúde de Irati explica que os dados são cadastrados em um sistema informatizado. “Nós temos um sistema eletrônico de prontuário nós precisamos cruzar os dados do cadastro do prontuário com o que está no documento para não termos problemas de troca de nome, troca de prontuário, por ter o nome parecido ou nome igual. Às vezes, bate até a data de nascimento. Nós temos que ir para o nome da mãe para diferenciar o paciente”, conta.
Se os dados do paciente não estiverem corretos, o município pode perder recursos públicos. “Quando exportamos a nossa produção para o Ministério da Saúde há um cruzamento de dados e nós acabamos perdendo essa produção. Chamamos de inconsistência, ou seja, o sistema não reconhece que aquele paciente é o que está registrado na receita, naquele CPF. É muito importante estarmos fazendo essa orientação para todas as unidades que divulguem isso, que os pacientes precisam obrigatoriamente portar seus documentos. Senão, vamos perder produção. Com isso, os nossos indicadores de saúde diminuem e, consequentemente, o recurso financeiro que vem acaba sendo menor. Nós acabamos atendendo e não recebendo por aquele atendimento”, explica.