Unicentro recebe aula-espetáculo “Costuras poéticas pelo fio da voz”

Peça foi produzida e apresentada por Renato Forin Júnior, vencedor do prêmio Jabuti com o…

09 de agosto de 2023 às 18h58m

Peça foi produzida e apresentada por Renato Forin Júnior, vencedor do prêmio Jabuti com o livro-CD “Samba em uma noite de verão”. Obra faz uma abordagem de diversos aspectos das culturas brasileira, grega e africana/Paulo Sava

Renato Forin Júnior durante apresentação da aula-espetáculo “Costuras poéticas pelo fio da voz”, no Auditório Denise Stoklos da Unicentro na noite desta terça-feira, 08. Foto: Paulo Sava

O campus de Irati da Unicentro recebeu na noite desta terça-feira, 08, a aula-espetáculo “Costuras poéticas pelo fio da voz”, no Auditório Denise Stoklos. A obra, produzida e apresentada pelo ator, escritor, professor e jornalista de Ibiporã, Renato Forin Júnior, traz diversos recortes das culturas brasileira, grega e africana e mostra como elas se entrelaçaram ao longo da história.

A turnê de Renato conta com apoio do Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (PROFICE) da Secretaria de Estado da Cultura, com apoio da Copel. Além de Irati, a aula-espetáculo já foi apresentada em outras 5 cidades. Outros 4 municípios ainda receberão a apresentação.

Renato venceu o prêmio Jabuti em 2017 com o livro-CD “Samba em uma noite de verão”, lançado em 2016, do qual foi extraída a apresentação “Costuras poéticas pelo fio da voz”. Ele contou como surgiu a ideia de nomear a aula-espetáculo desta forma.

“A voz, muita gente não sabe, mas ela é um fiozinho, é quase nada e produz tanta beleza. Este espetáculo fala sobre os contadores de histórias ancestrais. Estou me referindo aos griôs africanos e aos rapsodos gregos. Quando vamos para a Grécia arcaica, os rapsodos eram poetas que percorriam os territórios todos da região sempre fazendo apresentações renovadas, costurando um texto no outro. Eles conheciam um vasto repertório de textos, canções e narrativas e iam costurando um pedacinho no outro. Eles aprendiam também, obviamente, novas histórias, ou seja, iam recolhendo novos retalhos ao longo dessa viagem e faziam esta colcha de retalhos sempre renovada, que é a contação de histórias”, frisou.

Espetáculo – O espetáculo apresenta vários trechos de rapsódias, que são poesias musicais de forma livre, que utilizam melodias, processos de composição improvisada e efeitos de músicas nacionais ou internacionais. Renato detalhou como isto acontece ao longo da apresentação. “Eu pego um trecho autoral, costuro ele a um poeta brasileiro, busco um escritor africano, trago uma música de um compositor brasileiro, e assim vou fazendo esta tessitura”, afirmou.

Durante a aula-espetáculo, Renato recitou um trecho da peça de teatro ”500 anos – um fax de Denise Stoklos para Cristóvão Colombo”, de autoria da atriz iratiense Denise Stoklos, com quem Renato teve aulas de teatro. Veja abaixo um trecho desta apresentação:

Imagens: Paulo Sava

Tema – A aula-espetáculo aborda a história do Brasil o tempo todo, citando eventos como a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Renato faz uma costura desta história com o surgimento do samba no país durante a apresentação. “Quando falo do samba, precisamos entende-lo como símbolo nacional sob os processos de violência pelos quais este ritmo passou ao longo da História do Brasil e do processo colonial. É impossível dissociar as coisas: estou trazendo poesia, mas também estou trazendo história”, frisou.

O samba tem origem em Angola, na África. Para o ator, o ritmo reinventou a cultura brasileira. “Eu conto um pouco esta história como que, a partir desta célula, temos, sobretudo depois dos processos de abolição, a criminalização do samba, dos ritmos e da cultura africana de maneira mais ampla. Mesmo assim, esta cultura da diáspora conseguiu sobreviver e se fazer como a nossa principal representação, sendo inclusive exportada. Quando falamos do samba, citamos a mistura brasileira. Temos a célula básica africana, presente nas percussões, temos sopros, que são indígenas, e instrumentos harmônicos, que são a representação europeia. Ou seja, quando falamos de Brasil e das matrizes étnicas formadoras, segundo Darci Ribeiro, podemos pensar no samba como uma metáfora do que é a própria nação”, comentou.

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De uma forma geral, o negro conseguiu espalhar sua cultura pelo território brasileiro, apesar de toda a violência e discriminação sofrida por esta parcela da população ao longo dos anos, na visão do ator.

“Quando pegamos todas as culturas que são de roda, por exemplo, como a própria capoeira, o candomblé brasileiro, a umbanda, do próprio samba, e hoje em dia o funk, onde temos uma presença negra africana essencial. A batida dele vem do candomblé, de saudação a orixás. Não sabemos mais se o samba foi algo parido aqui, a partir destas misturas, ou se ele, de fato, é o semba africano. O fato é que a presença negra na cultura brasileira é algo fundamental e que nos forma e que, ao mesmo tempo, precisamos refletir sobre a as atuais circunstâncias da sociedade, inclusive de violência presente contra o próprio negro”, comentou Renato.

Livros de Renato foram expostos durante a apresentação. Foto: Paulo Sava

Convite para palestras – O livro-CD foi publicado e distribuído nas escolas através de um projeto da Prefeitura de Londrina. Com a repercussão do prêmio Jabuti, Renato começou a receber convites para palestras. Em uma delas, um aluno perguntou quais livros os pais do autor liam para ele na infância.

“Aquilo me paralisou no momento porque eu nunca tinha pensado a respeito disso e a pergunta tinha motivo de ser, porque alguém que se torna professor de literatura e escritor premiado, por certo tinha muitos livros na infância, mas não. Eu descobri que a minha história não era nem um pouquinho extraordinária, mas era ordinária, como a da maioria dos brasileiros. Ou seja, aqueles que não têm livros na infância e vêm de famílias extremamente humildes. No entanto, isso não quer dizer que ele esteja apartado da poesia, que nos chega através de referências orais, das canções populares, do rap, da canção sertaneja, da MPB, das histórias que nossos avós contam, da cultura de roda. De repente, juntamos este caldo oral com a cultura letrada e o Brasil produz isto, que é muito potente, uma forma de literatura e de canção que é reconhecida pelo mundo pela sua qualidade”, pontuou.

Apoio da família – Os pais de Renato trabalhavam como pedreiro e costureira. Ele lembra como seu pai reagia toda vez que o filho pedia para comprar um livro. “Eu me lembro da primeira vez que eu pedi um livro, foi de um grupo que chegou na escola e estava vendendo uma versão adaptada de Drácula. Eu fiquei fascinado com aquilo, achei lindíssima a capa de um livro, foi a coisa de um amor tátil, como diz o Caetano Veloso. Eu cheguei em casa e me dirigi ao meu pai, dizendo que queria comprar o livro. Imediatamente ele me deu dinheiro, sem titubear. Ou seja, um homem que não teve contato com os livros me deu muitos ao longo da vida e da adolescência, pois ele percebia que eu gostava e colecionava e que aquilo me encantava. Ele tinha a nobreza de me levar ao teatro quando percebeu que eu gostava disso, ainda que ele não entrasse, não gostasse e não soubesse o que era aquilo, mas ele me levava até a porta. A nobreza de pais que entendem que os filhos podem seguir caminhos muitas vezes diferentes dos deles é uma coisa essencial na formação humana”, relatou.

Opinião dos professores da Unicentro – A professora Adriana Binati Martinez, do Departamento de Letras da Unicentro, afirmou que a noite foi memorável para a universidade e o município de Irati. “É um espetáculo excelente, premiado, que conversa muito com a nossa história e a nossa cultura. Estamos aqui em festa hoje”, ressaltou.

Edson Santos Silva, professor do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Unicentro, comentou que uma peça de teatro tem que ter apoio dos professores por ser “um meio de civilização”.

“Os grandes dramaturgos e as grandes atrizes dizem que você avalia um país pelo seu teatro. Se você não valoriza o seu teatro, significa que seu país é capenga. Esses momentos de termos aqui em Irati, no espaço de uma universidade pública, um teatro dedicado a Denise Stoklos e recebendo mais um espetáculo fomentado pelas leis de incentivo à cultura é uma coisa maravilhosa. O Fiorin, além de ator, também é professor e sabe da importância do teatro na aprendizagem, o quanto o teatro é importante para as escolas desde a alfabetização. O teatro é um meio que ajuda muito a abrir mentes”, finalizou.

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