O diretor e produtor, Guto Pasko, retrata em um documentário a busca da origem ucraniana de sua família e o resgate de laços familiares. Documentário, que está em cartaz em Irati, teve filmagens em Prudentópolis e Ucrânia/Texto de Karin Franco, com reportagem de Juarez Oliveira e Rodrigo Zub
A busca das raízes de uma família de origem ucraniana é o pano de fundo para contar a história de reencontro do diretor e produtor, Guto Pasko, com sua família que vive em Prudentópolis. A jornada do diretor é contada no documentário autobiográfico “Aldeia Natal”, que teve o pré-lançamento na quinta-feira (04), no Cinema.com, em Irati. O documentário também terá pré-lançamento no domingo (06), em Prudentópolis, e estreia nacionalmente no dia 10.
A história pessoal do diretor é contada no documentário que teve cenas gravadas em Prudentópolis e Ucrânia. Na produção, o diretor revela que o distanciamento com sua família começou aos 11 anos, quando ele se recusou a seguir uma promessa. “É muito comum nas famílias eslavas o desejo muito forte de ter alguém da família religioso. Um padre, uma freira. Tem uma suposta promessa que o primeiro filho seria padre ou freira. Eu sou o primeiro, então eu teria que pagar essa promessa. Não era algo que eu queria. A partir daí, já se criou um ruído, no bom sentido e eu fui atrás dos meus objetivos. Fui atrás de um outro caminho. Coube à minha irmã, a segunda filha dos 11, em cumprir a função religiosa da família. Foi para um convento aos 9 anos”, conta.
A irmã acabou não seguindo a vida religiosa, mas os objetivos do diretor começaram a seguir para uma outra direção. Em Curitiba, Guto seguiu estudando e começou a se afastar cada vez mais da cultura ucraniana. Ele conta que tinha um sotaque forte, já que até os oito anos falava apenas em ucraniano, o que fez com que outros alunos cometessem bullying. “Teve uma fase de adolescência onde eu sofri muito, por não falar português. Falava tudo errado, nada correto. Quando falava português era errado e nada correto. Eu criei até uma bronca de ser ucraniano porque era humilhante. A molecada no colégio tirava muito sarro. Fui criando uma certa rejeição. Me afastei desse ambiente até familiar, da comunidade ucraniana e religioso”, explica.
Foi a maturidade que o levou de volta a Prudentópolis e se reaproximar da sua história. “Eu fui com o tempo entendendo o quão importante foi, para minha formação enquanto pessoa, essa experiência, essa vivência ucraniana, essa formação ucraniana que eu tive em Prudentópolis. O quanto isso me ajudou, enquanto ser humano. Hoje eu me sinto privilegiado de ter tido essa vivência, de ter vivido esses dois mundos, até meus 12 anos, vivendo no mundo arcaico, só falando ucraniano, fui alfabetizado em ucraniano. Depois ser jogado nesse mundo nosso, globalizado. Depois que você tem essa leitura, você entende o quanto isso é importante”, disse.
Quer receber notícias pelo WhatsApp?
O processo de busca do seu passado iniciou há cinco anos, com pesquisas bibliográficas. O diretor iniciou pesquisando os navios que chegaram nos portos de Santos/SP e Paranaguá/PR, entre 1895 e 1897. “Navio por navio, passageiro por passageiro. Chegava pelo menos dois a três navios com os imigrantes nesse período. Em média, 2 mil passageiros por navio. Nome por nome. Lista por lista. Fui vendo todos. Nos arquivos públicos da imigração, no Rio [de Janeiro], no arquivo nacional, aqui no paranaense também. Até achar rastros. Nos cartórios da região, não só de Prudentópolis, mas aqui de Irati, Imbituva, Guamiranga, Guarapuava, porque não achava rastros dos cartórios de Prudentópolis sobre a nossa família, meus antepassados. Mas nós estamos aqui. Por algum lugar, eles chegaram, entraram. Só podia ter chegado de navio naquele momento. E comecei a fuçar”, conta Guto.
A busca teve uma ajuda importante de sua avó materna, que acabou falecendo durante a elaboração do documentário. Uma caixa com documentos originais guardados pela avó do diretor auxiliou no encontro da origem de uma parte da família. “Veio um documento, um atestado de bom cidadão. Um atestado que era bom cidadão, que precisava daquele documento para viajar. Tinha original, datado de 1896. Ali tinha um carimbo da aldeia. Por ali foi mais fácil rastrear”, revela.
O documento estava escrito em língua polonesa, já que à época, parte da Ucrânia pertencia ao Império Austro-húngaro, que reunia também parte da Polônia. A região foi conhecida como Galícia. No momento em que familiares do diretor saíram da Ucrânia, a região de origem estava sob domínio polonês.
Com os documentos em mãos, Guto rastreou os nomes originais e conseguiu encontrar alguns registros. “Com os documentos que eu consegui em cartórios, na igreja ucraniana de Prudentópolis, que eles têm um arquivo. A igreja ucraniana é muito interessante porque eles têm um registro que é primoroso, de mais de um século, desde os primeiros que chegaram, porque as pessoas, como são muito religiosas na comunidade, batizam todas as crianças, os casamentos, os óbitos. Isso tudo está registrado”, relata.
O diretor conseguiu rastrear os nomes originais dos familiares que seguiram para o Brasil e acabou contratando um pesquisador na Ucrânia para que pudesse fazer a mesma pesquisa no país de origem. “Esse mesmo caminho, o cara teve que ir lá buscar. Nos cartórios, nos registros de lá, nos arquivos de lá, nas igrejas de lá. Até fazer o cruzamento de informações e ter certeza que são as mesmas famílias”, conta.
Foram mais de 90 mil horas de filmagens que se converteram em um documentário de 98 minutos. O processo burocrático da pesquisa aparece pouco no documentário, que foca mais no relacionamento do diretor com a família e com o reencontro da família com a Ucrânia.
Guto conta que parte da memória de infância está apagada e que o documentário serve também para resgatar um pouco desta história perdida. “Nós filmamos, primeiro aqui, essa busca por informações, eu tentando resgatar essa memória de infância, meus pais me ajudando. Eu tinha muitas dúvidas sobre coisas que aconteceram na minha infância. Ia questionando-os. Eu tinha lapsos de memória. Isso procede? Não procede? Fomos procurando. O pai também me ajudou nessa busca, a partir do cemitério em Queimadas, que o meu pai administra o cemitério lá, explicando os antepassados, onde estavam enterrados. Ali eu fui tentando criar esse mosaico”, disse.
O documentário ainda narra a ida de seus pais para a Ucrânia, onde eles puderam conhecer mais sobre os locais de onde os familiares vieram e encontrar parentes distantes que ainda vivem na região. As filmagens na Ucrânia foram feitas em 2019, antes da pandemia do Covid-19 e do conflito entre a Ucrânia e a Rússia. “Eu quase deixei para maio porque já estava muito frio e a minha mãe, eles nunca saíram aqui de Prudentópolis. A primeira vez que entrou em um avião, foi para fazer uma viagem internacional. Foi difícil o convencimento num primeiro momento. Ela botou uma condição: eu só vou se não estiver muito frio. Se não tiver nevando porque ela tem uma dificuldade muito grande com o frio, embora Prudentópolis seja mais frio do que na Ucrânia. Fomos em novembro e dezembro. Não estava nevando, mas já estava bastante frio, mas quase deixamos para ir para maio, depois da neve derreter. Se tivesse feito isso, não teria feito o filme porque estourou a pandemia já em março e agora, essa situação de guerra”, conta.
Apesar da dificuldade com o frio, o documentário mostra como foi esse reencontro. “Encontramos familiares, chegamos à linhagem direta da família e foi restabelecido essa ponte, esse vínculo familiar 123 anos depois. E é uma coisa incrível. Até os oito anos de idade, não tinha nem energia elétrica na casa dos meus pais. Então, imagina o que foi para esses imigrantes. Perderam o contato. Hoje com a tecnologia, a minha mãe e meus irmãos, depois dessa viagem, compraram smartphone e deram para os meus pais. A minha mãe fala com as primas dela, que estão hoje na Ucrânia, por videochamada quase toda semana. Tem uma coisa maravilhosa da tecnologia que hoje possibilita você estar conectado com o mundo”, disse.
O reencontro com familiares na Ucrânia também ajudou no processo de reaproximação do diretor. “Era um processo para mim, tinha um sentido de reparação familiar também, proporcionar isso para os meus pais, esse reencontro”, conta.
Durante a pesquisa da sua história, Guto conta que o Núcleo de Estudos Eslavos da Unicentro foi um importante colaborador no processo, ajudando a recuperar informações sobre a imigração ucraniana e polonesa na região. “Eu sou fã de todo mundo que faz parte do Núcleo de Estudos Eslavos porque só depois que você mergulha nesse processo de busca pela sua própria história. Nesse caso, eu estava buscando a minha própria história. Mas não é só a minha história. A partir da história da minha família, nós estamos falando da história de qualquer família ucraniana e polonesa da região porque as histórias são as mesmas. E como é importante você ter lugares para recorrer à pesquisa. Temos um problema muito sério no Brasil. Não temos memória. Não temos preocupação com a nossa própria história”, disse.
A colaboração resultou no desejo de fazer o pré-lançamento em Irati. “O trabalho de pesquisa que a Unicentro faz, de preservação, de resgate, de documentação da através do Núcleo de Estudos Eslavos, através da memória da imigração polonesa e ucraniana, em toda a região Centro-Sul do Paraná, é louvável. Então, o mínimo que eu posso fazer é vir estrear o filme aqui, junto com eles”, afirma Guto.
O documentário foi viabilizado por meio de uma lei de incentivo à cultura, da Fundação Cultural de Curitiba, que permite que empresas apoiem a realização do filme com patrocínios e depois podem pedir renúncia fiscal dos impostos que pagam para a Prefeitura de Curitiba. A produção e distribuição do filme também contou com o financiamento por meio do Fundo Setorial de Audiovisual, um fundo de investimento do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). “Eles entram como investidores do filme, entram como sócios. Você pega o financiamento no banco e depois eu tenho sete anos para devolver. Agora esse filme tem que ir para o mercado, para o cinema e depois vai para o streaming, vai para as emissoras de tv. Não só aqui, mas mundo afora. Isso vira um produto do mercado porque através agora da exploração desse produto no mercado, que pagamos a conta”, explica o diretor. Ao todo, a realização do documentário foi orçada em R$ 500 mil.
O ingresso para acompanhar o documentário “Aldeia Natal” custa o preço promocional de R$ 10. Em Irati, o filme está em cartaz desde quinta-feira e deve seguir nas duas próximas semanas. Já em Prudentópolis, a previsão é que o filme fique em cartaz nas próximas três semanas, a partir da estreia no domingo (06). Há previsão de lançamento para serviços de streaming no final do ano.