Direitos igualitários são discutidos no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+

Combate ao preconceito contra pessoas LGBTQIA+ e direitos iguais foram tema de entrevista na rádio…

05 de julho de 2023 às 21h57m

Combate ao preconceito contra pessoas LGBTQIA+ e direitos iguais foram tema de entrevista na rádio Super Najuá FM, no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, celebrado no dia 28 de junho/Texto de Karin Franco, com reportagem de Jussara Harmuch

Reportagem da Najuá conversou com Jefferson Ferraz e Carla Queiroz (em destaque na imagem) no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, celebrado no dia 28 de junho. Foto: Rádio Najuá/Divulgação

Um levantamento mostrou que 19 milhões de brasileiros se declaram integrantes da comunidade LGBTQIA+, sigla que representa gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais e mais. O número representa 12% da população brasileira. O levantamento foi feito pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e não inclui pessoas que ainda não se assumiram.

O medo de se assumir pertencente à comunidade LGBTQIA+ ocorre devido ao preconceito existente na sociedade. Foi o que aconteceu com o consultor de vendas, Jefferson Ferraz. Natural de Irati, ele assumiu ser homossexual apenas depois de sair para uma grande cidade. No início, Jefferson enfrentou resistência da família. “Com a família, a princípio, no meu caso foi meio que um baque para eles porque não esperavam isso. Tanto que antes de eu me assumir para eles, eu fui embora. Eu tive que, na verdade, me reconhecer como homossexual. Antes, eu ficava pensando: ‘Meu Deus, todo mundo já sabe, todo mundo está falando, todo mundo está me zoando’. Eu acabei escondendo isso de mim mesmo, tive que ir para uma cidade um pouco maior para poder abrir a minha mente a respeito disso, porque até eu mesmo tinha preconceito de mim mesmo. Eu ficava aquele negócio me matando no peito”, disse.

A primeira pessoa da família a saber foi sua irmã, que o apoiou. “A primeira coisa que eu falei para ela é que eu tenho medo de ser pecado, de todas essas coisas que colocam na cabeça desde que nascemos, na igreja. Ela falou para mim: ‘Pecado para mim é matar roubar, fazer o mal para alguém. Se você está sendo feliz, eu vou até apoiar sempre e se for errado, você vai ver com Deus. Só você que vai se julgar com ele, não é outra pessoa que vai julgar por você’”, conta.

Mais tarde, sua mãe o apoiou e ele acabou sendo aceito pela família. Mas essa resistência inicial não acontece em todas as famílias. Há lugares onde há um ambiente seguro para que a pessoa possa se assumir pertencente à comunidade LGBTQIA+.

É o caso da procuradora da Prefeitura de Irati, a advogada Carla Queiroz, que é casada com Jaqueline Pianaro. A família delas aceitou a união, que foi oficializada em uma cerimônia de casamento em Rebouças. “Eu me considero, particularmente, uma privilegiada porque eu sempre tive o apoio absoluto e irrestrito da minha família. Tanto eu, quanto a Jaque, que é a minha esposa. Nós sempre tivemos essa rede de apoio muito bem formada. Os nossos pais sempre nos criaram com liberdade e respeitando a nossa orientação sexual. Nós não tivemos esse problema. Tanto é que quando foi o dia mais feliz das nossas vidas, que foi o nosso casamento, nós planejamos tudo antes e falou: ‘Vamos nos casar em Rebouças, vamos fazer um casamento bem bonito’. O nosso casamento era mais do que a celebração do nosso amor, era mostrar para todo mundo que o amor não é pecado, o amor não reprime e ele está aqui para ser mostrado e para encorajar outras pessoas”, disse.

A reação positiva diante de pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ ainda é algo raro em cidades do interior do País. O preconceito ainda faz com que surja um fenômeno chamado de passabilidade social, onde pessoas não se assumem e são vistas pela sociedade como pessoas héteras, ganhando respeito maior. “Quanto mais a pessoa é lida pela sociedade como se não pertencesse à comunidade LGBTQIA+, mais ela é respeitada. É isso que nós devemos combater. Ou seja, quanto mais essa pessoa é lida como heterossexual, menos preconceitos ela sofre. Quando nós respeitamos todas e todos os integrantes dessa comunidade, nós estamos concretizando a dignidade da pessoa humana e combatendo essa passibilidade social, que é um elemento que sedimenta o preconceito na sociedade”, explica o promotor de Justiça, André Luiz de Araújo, responsável pelo Núcleo de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, unidade especializada do Ministério Público do Paraná.

A consequência de um ambiente onde não há liberdade para ser o que se é, causa também falta de dados que mostrem a real situação do País. Sem um número oficial, casos de crimes contra pessoas LGBTQIA+ podem não aparecer para autoridades de segurança. “Temos a subnotificação, tanto da declaração sobre participar do movimento LGBTQIA+, estar inserido dentro da sigla e de tudo que a compõe. Também temos a subnotificação dos casos de violência à população LGBTQIA+, que é muito importante de se colocar porque, recentemente, foi feito um dossiê pelo próprio Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e ficou constatado que a cada 32 horas no Brasil, uma pessoa LGBTQIA+ é morta de forma violenta. Esses dados, obviamente, porque as pessoas não se declararem LGBTQIA+, eles estão subnotificados. Esses são os dados que chegam até o conhecimento do poder público, em que é possível notificar, mas evidentemente que existe muito mais além daquilo que chega até o nosso conhecimento”, explica Carla.

O promotor de Justiça destaca que o preconceito é prejudicial à sociedade que deve se conscientizar sobre quem são realmente essas pessoas. “As pessoas têm que entender que identidade de gênero e orientação sexual não são opções e muito menos ideologias. São manifestações da afetividade e da identidade da pessoa, que até muito pouco tempo eram doenças, era patologizadas. Hoje, a jurisprudência já reconhece de forma pacífica a possibilidade da conversão da união estável homoafetiva em casamento. Hoje existe o direito de constituir família mediante o casamento, existe o direito de adoção e todos os demais direitos das relações interprivadas são reconhecidos às pessoas da comunidade LGBTQIA+”, explica André.

De acordo com ele, o preconceito gera um cenário de exclusão social. “Desde a escola, o bullying contra crianças e adolescentes acaba gerando uma situação de evasão escolar. Essas crianças e adolescentes evoluem para a prática de atos infracionais, baixa escolaridade e forte desemprego e exclusão social na fase adulta. O que nós precisamos é entender que tudo isso está interligado, desde a infância, adolescência até a fase adulta, a comunidade LGBTQIA+ é excluída. Ela sofre uma forte exclusão social. Isso demanda um plano integrado de políticas públicas e privadas de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, porque uma pessoa trans, seja pela violência ou pela exclusão social, tem uma expectativa de vida média de 35 anos no Brasil. Isso equivale o quanto uma pessoa deve recolher na Previdência para se aposentar. Existe um claro cenário de exclusão”, conta o promotor.

Jefferson explica que a consequência da não aceitação pode ser fatal para muitas pessoas LGBTQIA+. “Você acaba se recolhendo para você viver o que a sociedade quer porque estão impondo para você. Isso acaba te prejudicando porque se você não tem um psicológico bom, você acaba indo para depressão, você acaba até se suicidando. Tem vários casos de gays que acabam se suicidando por conta disso. Por ter que viver uma vida que não é deles”, conta.

Para Carla, o preconceito contra pessoas LGBTQIA+ é algo que não pode ser aceito. “Hoje, em 2023, eu não vejo a possibilidade de as pessoas agirem dessa forma. Depois de todos os atos, da atuação do Supremo [STF] garantindo a possibilidade de casamento, de adoção, a criminalização da homofobia, que foi equiparada ao crime de racismo, porque não tivemos uma atuação do Poder Legislativo, eu acho um absurdo pensarmos que em 2013, por exemplo, cogitou se apresentar um projeto de cura gay dentro da Câmara dos Deputados. Isso faz, dentro desse âmbito político, fortalecer aquele sentimento que ser gay é errado, que as famílias já trazem consigo há muito tempo”, disse.

Jefferson conta também que há casos em que o preconceito prejudica a carreira profissional de pessoas. “Eu já soube de várias pessoas que já sofreram preconceito, já foram mandados embora, quando descobriu que a pessoa era casada com um homem ou casada com mulher. Preconceito até mesmo de clientes. A pessoa trabalha no estabelecimento, chega clientes lá e não gosta. Vai reclamar e depois a pessoa é mandada embora. Ainda acontece bastante, mesmo tendo essa inclusão porque mesmo tendo a inclusão, ainda tem o preconceito maior das pessoas acharem que é ‘mimimi’. Acharem que estamos querendo coisas a mais. Não são coisas a mais, estamos querendo apenas os direitos que todo mundo tem e não tínhamos, como do casamento, que graças a Deus, já tem essa opção e vários outras coisas que todo hétero tem e nós acabamos não podendo ter”, conta.

A procuradora lembra que há empresas que criam políticas de inclusão para a população LGBTQIA+. Porém, ela alerta que algumas pessoas só realizam esse tipo de ação no mês de junho, quando é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Por isso, Carla destaca que é preciso dar oportunidade de maneira igualitária a todos. “Ninguém quer direitos a mais. Queremos só a igualdade e igualdade vem com oportunidade. É dando oportunidade as pessoas que podemos promover a igualdade”, disse.

Para a advogada, a experiência que possui na atual gestão municipal é um dos exemplos que mostram que é possível a inclusão de pessoa LGBTQIA+ em espaços públicos. “Eu fico muito feliz hoje de integrar a administração pública e saber que ela tem essa visão em Irati, de inclusão, de respeito e de igualdade, seja quem for, não olhando a orientação sexual ou a identidade de gênero”, conta.

Segundo a procuradora, a inclusão social também passa pela linguagem com o pronome neutro. No Brasil, o uso do pronome neutro é uma das discussões dentro da comunidade LGBTQIA+ e surgiu com as pessoas chamadas de não-binarie, pessoas que não se identificam com algum gênero específico. A proposta do pronome neutro é trocar o final dos pronomes de tratamento que tem algum gênero pela letra “e”. Assim, palavras como “todas” ou “todos”, poderiam se transformar em “todes” para incluir uma gama maior de pessoas, sem a distinção de gênero feminino ou masculino.

Carla analisa que a mudança da linguagem é opcional. “Se você quer usar ‘todes’, vai do sujeito. O sujeito tem a possibilidade de linguística e a fluidez da própria língua portuguesa para que utilize esse tipo de expressão. A língua, não há muito tempo, sofreu reformas ortográficas. Tirou, por exemplo, acento agudo da palavra ideia. Não me chocaria que no futuro pudéssemos ter um outro acordo ortográfico, ou uma revisão ortográfica, e a inclusão da palavra ‘todes’. Hoje você chega num lugar e se tem um homem e cinco mulheres, você vai falar ‘todos estão aí’ e não ‘todas estão aí’. Mesmo a maior parte sendo mulheres. Eu acredito que essa fluidez da língua vai ser discutida mais para frente. Não acho que seja, de alguma forma, pejorativa para a comunidade LGBTQIA+ ou para quem difunde esse palavreado e essa forma de se expressar sobre a comunidade”.

Apesar da discussão linguística ser algo que movimenta discussões na internet, a violência contra a população LGBTQIA+ devido ao preconceito ainda é um dos grandes desafios a serem enfrentados no País. O Brasil ocupa o ranking que mais mata pessoas LGBTQIA+, seguido do México e Estados Unidos.

De acordo com a procuradora, uma forma de combater a violência é combater o preconceito. Carla defende que o assunto seja discutido no Congresso Brasileiro, assim como aconteceu em outros países. “A França em 2022 foi pioneira e criminalizou a tentativa de terapia de reorientação sexual. Eu acredito que com o nosso fortalecimento nesse discurso e no debate sobre esse assunto, em breve no Brasil possamos estar aplaudindo esse tipo de aprovação, dentro da Câmara dos Deputados, dentro do Congresso Nacional, que levem esse debate a sério e levem para todos os deputados, para ter uma representatividade para a população brasileira, para que não tenha subnotificação aqui no interior. Para que as pessoas não tenham medo de ser quem elas são”, disse.

Para Jefferson, pessoas LGBTQIA+ ainda são agredidas por causa da sua orientação sexual ou identidade de gênero “Muitas pessoas que não vivem nesse meio, elas não veem isso. Elas não enxergam isso. Elas acabam achando que apanhou porque deu em cima do fulano. Nenhum gay vai dar em cima de um hétero. Tem um respeito pela pessoa. Isso que eles sempre colocam, que sempre fez alguma coisa. Agressão e violência não têm desculpa nenhuma, nenhuma desculpa se dá para isso. Nem morte”, conta.

O promotor de Justiça destaca que o estado do Paraná possui canais em que essas agressões podem ser denunciadas. “Quem for vítima de um ato de preconceito, deve fazer o registro da forma mais rápida possível para facilitar a coleta de provas e gerar responsabilização civil e criminal do agressor. Quem for testemunha também deve fazer. No site da Polícia Civil do Paraná, nós temos o registro do boletim de ocorrência eletrônico, que direciona esse registro para delegacia de polícia do local do fato, para apurar o fato. O Ministério Público possui promotorias de Justiça especializadas em direitos humanos e em direito criminal em todo estado, em todas as comarcas do estado. No site do Ministério Público, nós temos o formulário para atendimento ao público chamado ‘MP Atende’. É só clicar nesse formulário, na página inicial, e fazer o registro tanto se for vítima, quanto testemunha”, disse.

Carla destaca que além da denúncia, é preciso combater o preconceito no dia a dia. “Não basta você não ser homofóbico, você tem que ser anti-homofóbico. Se aquele teu amigo faz piadas homofóbicas, você tem o dever de repreendê-lo porque só assim que teremos uma construção de uma sociedade justa e igualitária, que todos possam ter o mesmo respeito”, explica.

O preconceito no interior do País ainda é grande, mas as discussões mais amplas na sociedade podem fazer com que a população se conscientize. É o que Jefferson viu recentemente, após voltar a morar em Irati por um tempo, antes de retornar à Florianópolis. “Eu vi várias pessoas evoluindo, mentalmente [nos últimos anos]. Até nesse último período que eu voltei para Irati. Fiquei quatro anos. Eu tive muitos amigos que eu fiz, que não conheci na época. Eu lembro que as pessoas eram bem preconceituosos e depois eles estavam indo comigo para o Italiano, para as baladas. Tiveram uma outra imagem do que é a parte gay. Eles tinham aquela mente fechada, que achava que se tivesse ali comigo, por exemplo, eles também iam ser gay, porque as pessoas iam falar. Depois expandiu isso. Hoje você vê ali todos os amigos de todo mundo, junto. Não tem mais aqueles grupinhos separados”, conta.

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