Apesar de compartilharem culturas semelhantes, os descendentes de ucranianos no Brasil possuem algumas diferenças do que é praticado na Ucrânia atualmente, conforme Svitlana Kryvoruchko, que é pesquisadora convidada da Unicentro e é bolsista da Fundação Araucária/Texto de Karin Franco, com reportagem de Rodrigo Zub
Os municípios da região Centro-Sul possuem diversos descendentes de ucranianos que conseguiram manter tradições culturais ao longo dos anos. Por isso, a região tem recebido pesquisadores ucranianos que estão no Brasil durante a guerra no seu país natal. Contudo, apesar de guardar algumas semelhanças, os ucranianos encontram diferenças com os descendentes de ucranianos que vivem no Brasil.
A professora e pesquisadora ucraniana Svitlana Kryvoruchko, que está trabalhando atualmente na Unicentro, em Irati, conta que algumas diferenças estão principalmente na língua. Em entrevista à Rádio Najuá, a professora falou sobre essas diferenças que ela percebeu dos descendentes. O professor Clodogil Fabiano Ribeiro dos Santos, do Departamento de Matemática, auxiliou na tradução das respostas.
Svitlana contou que na região muitos descendentes não falam a língua ucraniana, e os poucos que falam, sabem apenas algumas palavras. “Ela teve contato com representantes da diáspora ucraniana. Infelizmente, a maioria não fala ucraniano, eles conhecem palavras isoladas, mas ela viu que existem pessoas que ainda se esforçam bastante para falar”, conta o professor Clodogil.
A pronúncia das línguas também é diferente, especialmente em situações como a oração em uma missa e a própria maneira de pronunciar os nomes. Essa diferença de sotaques e pronúncias surpreendeu a professora. “Isso talvez seja por causa da região de onde eles vieram que tinha uma forma diferente de falar e, na verdade, o ucraniano que se fala aqui no Brasil, que algumas pessoas preservam, ele é uma espécie de um fóssil linguístico. Ele é uma coisa que já não existe mais na Ucrânia, talvez em algumas aldeias”, explica o professor.
A professora explica que dentro da Ucrânia há formas diferentes de falar a língua, sendo que cada região pronuncia as palavras de forma diferente. “A forma como ela fala, como os colegas dela na universidade falam, como os apresentadores, os âncoras de telejornal falam é a forma polida, a chamada língua literária. Essa é uma língua, como ela falou, é supra regional. Ela está acima das regionalidades”, conta.
Mas não é somente na língua que há diferenças. Svitlana conta que as igrejas ucranianas no Brasil são diferentes das que há na Ucrânia. Uma das principais razões é que as igrejas dos descendentes são mais novas do que a do país de origem. “A igreja ucraniana não é tão antiga. A construção dela é relativamente nova e ela não traz uma arquitetura típica de uma igreja ucraniana. Não é nenhuma crítica, mas é uma percepção dela porque as igrejas tradicionais ucranianas têm um tipo de arquitetura com formato de cruz, tem as cúpulas. As cúpulas são sempre em número ímpar, sendo duas ou quatro cúpulas menores e uma maior. Dentro dela tem a iconóstase que separa o sacerdote dos fiéis. Tem uma série de detalhes construtivos que para ela causou um estranhamento”, explica.
O uso de tecnologia dentro da igreja foi outro costume que surpreendeu a professora e que é diferente do que é feito na Ucrânia. “Outra coisa que ela sentiu um estranhamento foi a inserção de projetores de imagem que durante as celebrações projetam as orações para os fiéis lerem ali. Isso também causou um estranhamento porque na Europa isso é impensável dentro de uma igreja. Essa modernidade causa estranhamento para eles”, conta.
Para a professora, o estranhamento acontece porque o ato de olhar para a tela faz com que as pessoas olhem para cima, o que não é bem visto dentro dos costumes de seu país. “Do ponto de vista ritualístico, muda completamente porque a pessoa quando entra na igreja, se coloca numa condição de meditação, de contato com a divindade. No entendimento dela, quando a pessoa ergue a cabeça e olha para uma tela, ela perde essa conexão e se conecta com um objeto tecnológico. Com a cabeça abaixada, a pessoa mostra resignação e humildade. E a cabeça levantada é como se fosse uma atitude até de superioridade. Essa é a percepção dela nessa situação”, explica.
A culinária também é outro ponto diferente do que o praticado na Ucrânia. “Ela vem da Ucrânia. Está acostumada com a forma da culinária ucraniana como é praticada lá, como ela evoluiu por lá. Aqui no Brasil, ela foi num restaurante de comida típica ucraniana. Mas o que ela experimentou não tem nada a ver. É outra coisa. Não que ela não tenha gostado, mas que não é o que ela conhece como comida ucraniana”, conta.
Contudo, ela comenta que vê o esforço de muitos descendentes em preservar algumas tradições como a decoração das casas e a forma como elas são organizadas. A preservação da cultura também é vista em pequenos detalhes como em uma canção. “Ela visitou uma fazenda onde se produz mel e conversou com alguns representantes da diáspora ucraniana. Na ocasião, eles pediram para ela cantar alguma canção tradicional ucraniana e ela cantou uma dessas canções. Essas pessoas começaram a chorar. Aquilo tocou forte o sentimento dela. Mesmo essas pessoas que nunca viram a Ucrânia porque já nasceram aqui no Brasil, mas tem esse vínculo cultural, esse sentimento é presente, essa identificação com a cultura ucraniana é notável”, disse.