Motorista é indiciado por homicídio com dolo eventual em inquérito sobre acidente com ônibus na BR-277

Polícia Civil concluiu na última semana inquérito sobre acidente que causou morte de sete pessoas…

07 de março de 2023 às 22h09m

Polícia Civil concluiu na última semana inquérito sobre acidente que causou morte de sete pessoas e deixou 22 feridos. Investigação aponta que motorista dormiu ao volante/Paulo Henrique Sava

Foto: Arquivo Najuá

A Polícia Civil concluiu na última semana o inquérito que investiga o acidente com o ônibus da empresa Viação Catarinense que deixou sete mortos e 22 feridos na BR 277, em Fernandes Pinheiro, no dia 31 de janeiro. A investigação concluiu que o motorista, de 42 anos, dormiu ao volante. Por esse motivo, ele será indiciado por homicídio com dolo eventual, ou seja, assumindo o risco de matar outras pessoas, mesmo sem ter intenção disso.

Os corpos das vítimas fatais foram encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML) de Ponta Grossa e liberados em seguida para seus familiares. Dois brasileiros e cinco argentinos morreram no acidente. A maioria dos ocupantes do ônibus eram de origem estrangeira, sendo argentinos, franceses, irlandeses e de outras nacionalidades.

Segundo o delegado de Teixeira Soares, Wesley Vinícius Gonçalves da Silva, a perícia feita pela Polícia Científica no veículo não apontou nenhuma falha mecânica. “Foram colhidos vários depoimentos, várias declarações, elementos de prova durante as investigações, e principalmente um trabalho em conjunto com a Polícia Científica de Ponta Grossa, através do qual prontamente eliminamos alguma falha mecânica no veículo. Fizemos testes com o sistema de frenagem e o motor, e pudemos constatar que o veículo está em perfeitas condições, não sendo a causa do acidente”, frisou.

O laudo pericial e o registro do sistema de monitoramento da velocidade do veículo via GPS enviado pela empresa apontam que não houve nenhuma reação do motorista antes do acidente, ou seja, ele não estava nem acelerando nem freando, segundo o delegado. “Provavelmente é o momento em que ele (motorista) adormeceu, o veículo aumentou a velocidade e ocasionou o tombamento”, comentou.

As pessoas que ficaram feridas foram ouvidas pela Polícia Civil ainda na Santa Casa de Irati, quando receberam atendimento médico. Elas disseram que, antes do acidente, o veículo estava saindo frequentemente da faixa e o motorista apresentava sinais de cansaço e fadiga.“Nós ouvimos as vítimas que estavam internadas na Santa Casa, em Irati, que mencionaram que, antes do acidente, notaram o veículo saindo e retornando da via, inclusive episódios de cansaço e fadiga do motorista”, comentou.

Durante as investigações, a Polícia Civil apurou que esta não foi a primeira vez que isso ocorreu com o profissional, de acordo com o delegado. “Ele já adormeceu anteriormente na condução do ônibus da Viação Catarinense, apuramos que ele já saiu da via, sendo advertido por outros motoristas sobre sua conduta inadequada na direção”, comentou.

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Violência doméstica – Segundo a Polícia Civil, o motorista também estava sendo investigado por suspeita de ter agredido a ex-mulher. Ao averiguar esta situação, a Polícia Civil descobriu que o condutor utilizava com frequência o celular para tirar fotos e efetuar diversas ligações durante o turno de trabalho. Porém, segundo o delegado, isso não aconteceu na viagem do dia 31 de janeiro, quando ocorreu o acidente na BR-277, em Fernandes Pinheiro. Conforme averiguado pela Polícia Civil, o motorista realizou 250 ligações para a ex-esposa enquanto dirigia. Isso teria ocorrido em um período de quatro dias no mês de dezembro.

“Investigando esta ocorrência, nós descobrimos que ele utilizava o celular durante a condução do veículo. Ele tirava fotos e enviava para a vítima [esposa], provando que ele estava utilizando durante o trabalho. Apuramos que, em um período de quatro dias, ocorreram 250 ligações para a vítima, muitas delas efetuadas durante a condução”, frisou.

Print de fotos que teriam sido enviadas pelo motorista enquanto dirigia o ônibus. Foto: Divulgação Polícia Civil

Segundo o delegado, familiares e pessoas próximas já haviam alertado o motorista sobre sua conduta inadequada na condução do veículo. “Em vista disso, nós encerramos o inquérito policial o indiciando pelo crime de homicídio doloso, na modalidade de dolo eventual, que é previsto no artigo 18, inciso 1º do Código Penal. Embora o indivíduo não queira e não deseje o resultado trágico, ele assume o risco de produzi-lo, uma vez que ele, naquela condução e com aquelas imprudências, saberia que aquilo poderia resultar em uma tragédia, e infelizmente foi o que ocorreu”, destacou.

A Polícia Civil também descobriu que a ex-mulher do motorista teria enviado um e-mail para a empresa que ele trabalhava uma semana antes do acidente, alertando sobre os riscos de uma tragédia. Em depoimento, a empresa alegou não ter recebido este material.

“Neste e-mail, há trechos dizendo que ‘este indivíduo não foi aprovado no “teste psicológico e mesmo assim foi chamado para trabalhar na empresa. […] Vocês devem tomar medidas protetivas sob risco de acontecer uma tragédia”. Nós entramos em contato com o setor disponibilizado inclusive para a imprensa falar com a empresa, que respondeu que não recebeu este e-mail na data referida”, frisou o delegado.

Em depoimento, o representante da empresa afirmou ao delegado que o profissional vinha apresentando comportamento normal até a data do acidente. “Em vista dos fatos apurados, relatamos o inquérito e enviamos ao Ministério Público para que ele possa instaurar a ação penal por homicídio, caso ele assim se decida, contra o condutor do veículo, e também, caso assim se decida, pela responsabilização da empresa civil ou criminalmente”, declarou o delegado.

A empresa Catarinense não foi indiciada neste inquérito. “Não foi indiciada, serão apuradas mais informações para tal”, comentou Wesley.

Ação Penal – Mesmo com as investigações já encerradas, o delegado não descartou a possibilidade de serem feitas novas diligências durante a ação penal, que deve ser impetrada pelo Ministério Público. “Durante a ação penal, o processo propriamente dito, vão ser colhidas provas que podem sim chegar a responsabilizar a empresa”, frisou.

Ainda durante o interrogatório, um representante da Viação Catarinense alegou que, até então, o profissional não havia cometido nenhuma infração de trânsito enquanto dirigia. O motorista responde ao processo em liberdade, uma vez que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê que não há flagrante para motorista que tenha causado acidente e permaneça no local. Caso seja condenado, ele será detido.

Sistema de alerta – O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) não prevê a utilização de sistemas de câmeras ou sensores que alerte a empresa que o condutor apresenta condutas inadequadas. Porém, para o delegado, um mecanismo destes, a exemplo do sistema utilizado pela empresa Transportes Thomaz, de Teixeira Soares e mostrado em reportagem da Najuá, mesmo não sendo de uso obrigatório, poderia ter evitado a tragédia.

“Um mecanismo como esse, embora não obrigatório, poderia evitar tal tragédia, uma vez que há outras empresas que têm mecanismos que alertam quando captam pelo sensor fadiga ou utilização de celular na condução do veículo”, comentou.

Nota da empresa – Em nota enviada à nossa reportagem, a Assessoria de Imprensa da Viação Catarinense disse que, mesmo ainda consternada com a situação, a empresa “reitera o seu compromisso com a segurança, segue acompanhando o caso com atenção e está totalmente à disposição das autoridades para demais esclarecimentos necessários”.

Delegado de Teixeira Soares, Wesley Vinícius Gonçalves da Silva. Foto: Paulo Henrique Sava
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